“Não devemos ter medo da livre circulação das pessoas que trabalham”

PorJorge Montezinho,10 out 2022 7:58

Dia 20 na Praia, dia 22 no Mindelo. A Iniciativa de Mobilidade e Empregabilidade Laboral Cabo Verde-Portugal 2022 tem como objectivo promover o contacto entre empregadores e potenciais candidatos em Cabo Verde, através dos canais formais entre oferta e procura de emprego, assegurados pelos serviços públicos de emprego de ambos os países (IEFP Portugal e IEFP Cabo Verde). Surge no âmbito do quadro do acordo de mobilidade entre Portugal e os países da CPLP, e é, ao mesmo tempo, uma iniciativa para operacionalizar um dos objectivos do Governo português: atrair trabalhadores para Portugal. Entretanto, para assegurar a protecção dos cabo-verdianos que querem emigrar, vai ser assinado, entre os dois países, um Acordo relativo ao Emprego e à Estada dos Trabalhadores Cabo-verdianos na República Portuguesa.

“Analisamos este interesse de Portugal de duas maneiras”, diz ao Expresso das Ilhas o ministro Elísio Freire, “por um lado, é uma grande prova que os cabo-verdianos estão a ser bem preparados e têm condições para entrarem noutro mercado de trabalho. Por outro lado, alerta-nos para a necessidade de criarmos as condições, em termos de remuneração e em termos de base económica, para podermos reter os melhores”.

O ministro do Estado, da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social sublinhou ainda que esta procura de mão-de-obra cabo-verdiana não tem de ser vista com surpresa. “Estamos a verificar, neste momento, no mundo inteiro, que há vários países que estão a ter dificuldades com mão-de-obra e Cabo Verde tem um bónus demográfico, tem uma população extremamente jovem e escolarizada, tem um sistema de formação profissional que dá garantia de qualidade e tem uma base económica em construção: no turismo, na transição digital, na prestação de serviços, nos transportes. Estávamos a construir essa base económica, de forma dinâmica e segura antes da covid, mas a pandemia veio dar uma machadada. Agora temos a inflação, que veio dificultar ainda mais o crescimento económico. Portanto, o súbito interesse de Portugal por Cabo Verde é igual ao interesse da Suíça por Portugal, assim como da Alemanha pela Suíça, como acontece com outros países. É sinal que há maior competição global e Cabo Verde tem de se preparar para esta competição global”.

Os primeiros sinais desta necessidade de mão-de-obra em Portugal surgiram no início do Verão, quando a Região de Turismo do Algarve disse ter cerca de 5.000 empregos por preencher e que estava a procurar trabalhadores em Cabo Verde. Logo se juntaram ofertas de emprego no sector da construção civil e, mais recentemente, para os transportes urbanos, com a Carris Metropolitana, operadora de transporte rodoviário da área metropolitana de Lisboa, a contratar 60 motoristas no arquipélago.

No final de Junho, Portugal, através da sua ministra do trabalho, anunciava que ia organizar uma feira de emprego em Cabo Verde tendo em vista o recrutamento de trabalhadores. O objectivo era agilizar a mobilidade de trabalhadores, assim como assegurar condições de trabalho adequadas.

Neste momento, ainda não há uma lista fechada das empresas, cabo-verdianas e portuguesas, que vão estar presentes, mas estão já inscritas empresas de turismo, empresas que se dedicam aos serviços sociais e aos transportes. O IEFP de Portugal oferece às empresas portuguesas o espaço na feira, stand, acesso à internet, zona para entrevistas e para pitch de empresas [apresentação rápida e objetiva] e apoio logístico.

“O governo não está a dar nenhum apoio a estas iniciativas de emigração”, explica Elísio Freire. “O que estamos a fazer é a trabalhar para que no dia 20 possamos ter um acordo para a mobilidade de trabalhadores cabo-verdianos no território português. É um acordo em que definimos as condições, o envolvimento das instituições, para que as pessoas tenham contrato de trabalho, tenham todas as condições em termos de segurança social, tenham a garantia que haverá cumprimento da legislação, para que haja condições de formação em Cabo Verde e em Portugal. Ou seja, Cabo Verde quer formar mais e melhor os jovens para as empresas cabo-verdianas e para as empresas que queiram vir recrutar, isso garantirá que os jovens cabo-verdianos estarão cada vez melhor preparados. É essa a nossa responsabilidade e estamos a fazer isso”.

Acordo de mobilidade em território português

No dia 20 será celebrado com o Governo Português o Acordo relativo ao Emprego e à Estada dos Trabalhadores Cabo-verdianos na República Portuguesa. É uma iniciativa enquadrada no Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da CPLP, que consagra a possibilidade de os Estados-Parte poderem celebrar acordos adicionais em matéria de mobilidade, tendo a liberdade de escolher as modalidades de mobilidade que pretendem aplicar, o grupo de beneficiários, assim como os outros Estados-Parte com quem pretendem estabelecer a parceria.

O “Acordo relativo ao Emprego e à Estada dos Trabalhadores Cabo-verdianos na República Portuguesa” tem assim como objectivo estabelecer canais de migração legal entre os dois Estados no que se refere aos trabalhadores assalariados.

O Acordo define os procedimentos para o recrutamento, a admissão e a estada de cidadãos cabo-verdianos para o exercício de uma actividade profissional assalariada na República Portuguesa, mediante: (1) contrato de trabalho; (2) protecção dos direitos dos trabalhadores em conformidade com o Direito interno das Partes, e no respeito pelas disposições aplicáveis previstas nas convenções e tratados internacionais; (3) benefício de condições de remuneração e de trabalho em vigor para os trabalhadores portugueses em igualdade de circunstâncias, nos termos do Direito interno português; (4) regime de segurança social aplicável nos termos do Direito interno português; (5) garantia de uma formação vocacional específica, caso as funções para as quais forem contratados justifique; (6) protecção em matéria de saúde e segurança no trabalho, nos termos do Direito interno aplicável na República Portuguesa; (7) benefício das disposições estabelecidas pela «Convenção entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Imposto sobre o Rendimento, e Prevenir a Evasão Fiscal».

Além disso, os custos de transporte entre Cabo Verde e Portugal dos candidatos seleccionados serão integralmente financiados pelos empregadores. A implementação do processo de recrutamento e selecção dos trabalhadores é regulada pelo IEFP de Cabo Verde e o IEFP de Portugal ao abrigo do Acordo a ser assinado.

“Sabemos que nestas questões há, por vezes, pessoas mal-intencionadas, há exploração. Nisso não alinhamos e é por isso que o governo de Cabo Verde junto com o governo de Portugal vão firmar um acordo”, explica o ministro Elísio Freire. “O que queremos é criar um quadro de mobilidade seguro, transparente e que dê garantias aos nossos cidadãos. Já vi que há várias acções de recrutamento e os cabo-verdianos são livres de se deslocarem para qualquer parte do mundo para trabalharem, mas o governo tem a responsabilidade de garantir que os seus cidadãos não caiam no conto do vigário e é por isso que vamos assinar este acordo”.

“O governo não impede ninguém de circular, de procurar o que entende ser melhor para a sua vida”, reforça o governante. “Mas o governo tem a responsabilidade de criar um quadro em que as pessoas tenham alguma segurança. Quem o fizer fora deste quadro será por sua conta e risco”.

“Portugal é um país parceiro com quem Cabo Verde tem excelentes relações, confiamos nas instituições portuguesas e é por isso que vamos fazer o acordo, para evitar que pessoas mal-intencionadas aproveitem este momento de mobilidade de mão-de-obra. Por isso este acordo é importante e fazemos um apelo para que as pessoas vão no quadro do acordo que vamos firmar”, reitera Elísio Freire.

Perda de mão-de-obra qualificada

Os empresários cabo-verdianos têm dito que estão a ver esta futura migração de trabalhadores cabo-verdianos com preocupação.

A perda de mão-de-obra bem formada e com experiência está no topo das inquietações, porque há o temor de não conseguirem substituir os quadros em falta com tempo, o que pode pôr em causa a qualidade dos serviços prestados no arquipélago.

“O que impede as empresas de convidar os trabalhadores das empresas cabo-verdianas para irem trabalhar para outro lado?”, questiona Elísio Freire.

“Temos é de melhorar as condições, a nossa competitividade, para estarmos alinhados com as melhores práticas e os melhores mercados mundiais, porque isto é uma competição global e temos de estar preparados”, resume o ministro.

“É um grande desafio para as nossas empresas, para se prepararem para uma competição global. Um dia chegaremos lá. Para já, não há intervenção do governo que o possa impedir. Só quando tivermos uma economia pujante, capaz de pagar bons ordenados, seremos capazes de reter os melhores. Entretanto, estamos na economia global, onde a competição é global e nesta fase esta é a nossa condição enquanto país”, sublinha Elísio Freire.

“Importante”, continua o governante, “é que Cabo Verde vai aumentar os níveis de formação profissional, com a parceria de Portugal, para formarmos cada vez mais jovens, tanto para as nossas empresas, como para as empresas mundiais. Claro que queremos que os nossos jovens se afirmem em Cabo Verde. Agora, ir buscar melhores condições de vida é a liberdade de cada um”.

Além disso, refere Elísio Freire, há ainda a vantagem de Cabo Verde começar a ser identificado como país de recrutamento. “Temos a NOSi Academia, temos o CERMI, a Escola de Hotelaria e Turismo, temos escolas privadas de formação, todos com grande competência e que podem formar cada vez mais jovens, inclusive podem formar jovens de outros países da África lusófona. Podemos fazer de Cabo Verde um local de formação profissional credível, com qualidade, que permite que os jovens aqui formados sejam uma referência e possam trabalhar nas empresas cabo-verdianas e noutros países”.

“Cabo Verde esteve sempre na linha da frente da livre circulação”, conclui o ministro, “e não devemos ter medo da livre circulação das pessoas que trabalham”.

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Autoria:Jorge Montezinho,10 out 2022 7:58

Editado porAndre Amaral  em  29 jun 2023 23:28

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