“Conhecendo a têmpera do cabo-verdiano, cuja história se assemelha a uma corrida de obstáculos, sabemos que terá recursos de energia suficientes para enfrentar esta crise. Iremos recorrer às reservas morais e intelectuais para superar mais este desafio, como tem sido ao longo da nossa existência como povo e nação”, defendeu José Maria Neves, na tradicional mensagem de novo ano.
Cabo Verde recupera de uma profunda crise económica e financeira, decorrente da forte quebra na procura turística - setor que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do arquipélago - desde março de 2020, devido à pandemia de covid-19.
Em 2020, registou uma recessão económica histórica, equivalente a 14,8% do PIB, seguindo-se um crescimento de 7% em 2021 impulsionado pela retoma da procura turística.
Para 2022, devido às consequências económicas da guerra na Ucrânia, nomeadamente a escalada de preços, o Governo baixou em junho a previsão de crescimento de 6% para 4%, que, entretanto, voltou a rever, para mais de 8% e já na sexta-feira uma nova revisão em alta aponta para 10 a 15%.
“O quadro só ficaria completo se a nossa visão abarcasse também as mudanças climáticas e as suas severas consequências, nomeadamente para o nosso arquipélago, bem como o retrocesso nas democracias, em alguns países", sublinhou.
"A interação entre estas diferentes crises tem como resultado um mundo mais precário, mais disruptivo e de aparente caos, com evidentes reflexos num pequeno país como é o caso de Cabo Verde. Mas a nossa conhecida esperança e a já demonstrada capacidade de resiliência, que nos permitiram enfrentar e vencer as diferentes crises, como as secas, fomes e mortandades, também nos ajudarão a superar esta conjuntura adversa”, referiu o Presidente cabo-verdiano.
Na mensagem, a segunda que profere desde a sua eleição, em outubro de 2021, José Maria Neves afirma “que os tempos atuais vão exigir profundas mudanças”.
“E quero crer que, face às atuais circunstâncias, todos – principalmente os atores políticos – saberão ser mais sensíveis aos fenómenos que o país enfrenta neste momento. Isto significa disponibilidade para o diálogo e consensos entre as lideranças e as forças políticas para aperfeiçoar o funcionamento e proteger as instituições da República, de forma a garantir maior normalidade, melhorando o desempenho dessas instituições”, afirmou.
Defendeu que “a hora é de mobilização geral, o que não se compadece com a excessiva politização”: “Pois, qualquer desperdício seria pernicioso para o país, afetando particularmente a recuperação da economia. Impõe-se a criação de uma sociedade da amizade, em que os diferentes partidos políticos, os colegas de trabalho, os vizinhos, todos, possam viver em paz e harmonia e se entendam. Há que evitar a erosão das instituições na certeza de que uma sociedade dividida e com crispações não avança”.
Para José Maria Neves é necessário “rever a forma de fazer política, mudar o relacionamento entre o Estado e a sociedade civil, inovar em matéria de políticas públicas e na busca de consensos” para uma “maior e melhor partilha de poder, e ser mais célere e sofisticado, com mais qualidade nas decisões”.
“Talvez resida aqui a diferença entre um país maduro, avançado e moderno, e um país subdesenvolvido”, disse.
Na mensagem, o chefe de Estado recordou que Cabo Verde vive uma “situação de emergência económica e social”, face à crise inflacionista, altura em que “a atenção se deve dirigir para as famílias que hoje enfrentam maiores dificuldades, por serem vítimas de uma divisão desigual de oportunidades e de rendimentos”.
“O Estado tem um compromisso indeclinável para com os mais pobres. Complementarmente, e lá onde o Estado não chega, cabe às ONG, sociedade civil e cidadãos em geral, canalizar os esforços para contribuir para que ninguém fique para trás”, apelou.
José Maria Neves apontou igualmente o desejo de “um bom combate à violência urbana, com destaque para a cidade da Praia” em 2023.
“Deixo um apelo para que se debruce à volta das causas e do que estará na génese da escalada da violência urbana, refletir sobre o que terá falhado ou que correu menos bem. Isto sempre na certeza de que, em diversos graus, existe uma corresponsabilidade quanto à atual situação, e que devemos concentrar as ações nas medidas preventivas ao invés de uma atitude reativa e de resultados muito questionáveis”, afirmou.
Recordou que ao longo do último ano constatou “de perto a real dimensão das dificuldades", em visitas efetuadas às ilhas e aos municípios de Cabo Verde e “que ainda persistem quanto ao futuro”.
“Temos a oportunidade de, neste ano de 2023, com muito trabalho e abnegação, abertura de espírito e disponibilidade para o diálogo, amor à terra e vontade de realizar o bem comum, construir o Cabo Verde que queremos”, concluiu.