Começo por perguntar qual é o estado da Nação, sendo presidente da Associação Nacional de Municípios, como vê a situação do país actualmente?
Digo que é de imensos desafios e com ganhos palpáveis, do ponto de vista económico e social, porque nós temos um país que está a crescer, a uma média de 5% ao ano, e temos tido também algo muito positivo, que esse crescimento está a financiar investimentos importantes, sejam nas infraestruturas como também nas áreas sociais, com destaque para a área da família e também na área de habitação, sobretudo a habitação social. Digo isto porque, do ponto de vista da avaliação que faço da dimensão social, nós temos um país onde o governo e as autarquias têm feito investimentos importantes em programas e projectos que estão a reduzir desigualdades e que estão também a ajudar o país a reduzir a pobreza absoluta e a caminhar a passos largos para a eliminação da pobreza extrema. E ainda destaco os ganhos que o crescimento económico tem gerado na infraestruturação das ilhas e dos municípios, com destaque para, por exemplo, a conectividade e as acessibilidades, porque estamos a promover, ao nível do país, obras importantes de desencravamento de localidades, seja em Santo Antão, ou na Ilha do Fogo, em Santiago, sobretudo no interior da ilha, mas também em São Nicolau, Maio e Brava. O importante é que hoje esses investimentos não são financiados apenas com recurso ao empréstimo ou endividamento externo, estão a ser financiados com receitas correntes, com resultados daquilo que é o crescimento económico, isto tem sido importante porque o país está a crescer, está a reduzir a dívida pública e continua também a investir, porque estamos a falar de mais de duas dezenas de localidades que estão a ser desencravadas ao nível do país, investimentos importantes que vão impactar na melhoria da competitividade desses municípios e dessas ilhas, para a construção também de factores de competitividade, que são importantes, porque nós temos assistido o aumento da procura turística pelo destino de Cabo Verde. Isto não está a acontecer por uma obra de acaso. Do outro lado, quando falo de constrangimentos, quando falo de desafios que têm de ser resolvidos para podermos fazer a transição estrutural que é importante, falo dos transportes, sobretudo a ligação entre ilhas. Sem os transportes não poderemos ter um crescimento mais robusto do sector do turismo ou atingir as metas que nós temos pela frente. Temos de reconhecer que, não obstante as dificuldades, temos transportes, mas poderíamos ter com melhor qualidade e melhor previsibilidade.
Mas tem feito, enquanto Presidente da Associação Nacional dos Municípios, pressão sobre o governo?
Sim, temos, temos feito, tenho dialogado praticamente as todas as semanas com o Ministro do Turismo, tenho colocado esta situação de solavancos e perturbação que temos no mercado, sobretudo no mercado doméstico. Nos transportes marítimos a situação é muito mais tranquila, temos de reconhecer, acontecem cancelamentos quando há perturbações por causa da agitação do mar ou por causa das questões atmosféricas que são questões que têm a ver com segurança e que têm que ser respeitadas. Nos transportes a nível internacional, estamos bem servidos, não obstante os desafios que a nossa transportadora aérea enfrenta no dia-a-dia. É uma empresa que está em franca recuperação e que tem muitos desafios. O outro desafio que nós temos é o da água. A água é um sector que também é importante para o sucesso do nosso país tendo em conta que nós somos um país onde chove pouco, ou quase não chove, e temos a necessidade de ter mais disponibilidade de água, sobretudo para desenvolver o sector agrário. Há boas notícias, porque há projectos que estão em curso, que o Governo está a desenvolver, mas temos que acelerar, porque temos um país que é de 99% mar e 1% terra. Nós poderíamos transformar a água do mar para o consumo, mas também para a agricultura, bem como desenvolver outros projectos interessantes no domínio da investigação, no turismo, nas pescas em todas as nossas zonas piscatórias que temos em Cabo Verde. Porque há outras regiões que já fizeram isso e com sucesso, como são os casos da Madeira e dos Açores, que para mim são um exemplo muito próximo que poderia ser replicado aqui em Cabo Verde. Nós temos zonas piscatórias interessantes que poderiam estar muito mais dinâmicas, poderiam estar infraestruturadas e criar centralidades que poderiam gerar crescimento e possibilidades de produção, de aumentar a produção no sector das pescas e gerar mais empregos e mais rendimentos.
Fala-se muito nisso, mas falta sempre dar aquele último passo.
Com certeza, com certeza. Eu não falaria em falhas, porque neste momento há um conjunto de 4 ou 5 projectos que já estão a avançar, no Tarrafal, Ribeira da Barca, Rincão, São Miguel. Na Calheta está-se numa fase de estudos financiados pelo Banco Mundial. São coisas que para mim estão a tardar, porque são coisas que deveriam estar muito mais aceleradas e estar a concretizar, tendo em conta o número de pessoas que trabalham nesta área e o número de oportunidades que a área encerra. Daí que eu defenda o ordenamento de toda a nossa costa que é utilizada pelos pescadores, pelos homens e mulheres que trabalham ligados ao mar, no sentido de lhes dar mais forças para irem mais longe. Porque nós temos zonas piscatórias onde a ausência de infraestruturas de apoio cria imensas dificuldades no crescimento e no desenvolvimento do sector. E nessas zonas piscatórias não é apenas a pesca que dinamiza o comércio local. À volta das pescas temos o comércio, um conjunto de sectores que gravitam, comércio, transportes, enfim, indústrias ligadas também ao turismo rural, que são importantíssimos e que, com essas infraestruturas, podem alavancar-se. Se nós ordenarmos as costas, podemos desenvolver, além das pescas, o turismo costeiro, desde passeios de bote, mergulho, enfim, são negócios também que vão nascer, porque quando há boas infraestruturas, cria-se uma centralidade. À volta dessas centralidades, nascem restaurantes, nascem alojamentos, nasce o comércio ligado à venda de materiais de pesca, nasce um conjunto de pequenos negócios que são importantíssimos para a dinamização da economia local, para a geração de empregos e fixação das pessoas nessas localidades.
Falando agora das câmaras municipais, de 2016 até agora, a Câmara Municipal de São Vicente e a Câmara Municipal da Praia têm sido focos de alguma instabilidade. Enquanto Presidente da Associação Nacional de Municípios, como é que vê a situação destas autarquias?
Bom, em relação à São Vicente, eu acho que, a partir do momento em que o partido vencedor não consegue fazer um acordo de governabilidade, na minha opinião, era logo na altura convocar eleições e resolver o impasse. Porque o problema político que nós temos em São Vicente criou constrangimentos também ao funcionamento da Câmara Municipal. E, criando constrangimentos ao funcionamento da Câmara Municipal, cria constrangimentos também ao desenvolvimento da ilha, porque a Câmara precisa de instrumentos para promover o desenvolvimento local. Sem orçamento não haverá investimentos e há sectores em que São Vicente poderia estar ainda melhor se houvesse um entendimento político que viabilizasse os orçamentos e o funcionamento tranquilo, normal, do Executivo Camarário. Que não houve, temos de dizer, não houve, porque a Câmara funcionou durante quatro anos em regime de duodécimos, que é uma situação penosa para quem está a liderar a Câmara e penosa também para os munícipes de São Vicente. Em relação à Praia, a situação é diferente, porque na Praia temos um partido que tem uma maioria na Câmara. Este partido, por causa da inacção interna e dos conflitos internos, perdeu a sua maioria. Por vezes passa-se a ideia de que o MpD bloqueou. O MpD não bloqueou a Câmara da Praia. O MpD é minoria na Câmara da Praia. Uma minoria não pode bloquear uma maioria. Quem perdeu a maioria foi o PAICV. Foi por culpa própria do PAICV. E o que nós assistimos é que a Câmara continuou a funcionar com solavancos, com um conjunto de denúncias que foram feitas na praça pública. Algumas já foram parar ao tribunal, que para nós são marcas negativas da governação municipal que, espero, não venham a repetir-se no próximo ciclo autárquico. Tudo isto criou problemas à cidade da Praia, porque os conflitos, quando existem, retiram o foco na governação municipal, atrasam projectos, atrasam programas, atrasam acções e quem, em última instância, fica a perder são os munícipes e o desenvolvimento da capital, porque a capital é de todos nós, é a capital do país. Estamos a falar da maior autarquia do país. Portanto, são dois casos que aconteceram durante este ciclo que deixam marcas negativas em relação à performance e ao desempenho das câmaras municipais.
Nos últimos tempos, as câmaras municipais aqui de Santiago foram também alvo de buscas do Ministério Público...
Nós, nesta matéria, somos bastante transparentes. À justiça, o que é da justiça e à política, o que é da política. A Inspecção Geral das Finanças, no exercício cabal da sua missão, entendeu que, havia dúvidas de ilegalidades ou alguma situação que pode incorrer em crime. Eu encaro esta situação com toda naturalidade, porque confio na justiça. Que a justiça tenha a oportunidade de esclarecer cabalmente essas situações, algo que não aconteceu no passado.
Mas não sente que isto pode servir para aumentar o descrédito na classe política?
Eu acho que no Estado de Direito nós temos de ter em mente que ninguém está acima da lei. Ao tomar decisões, devemos obedecer aos procedimentos e a tudo aquilo que é o quadro legal. Neste caso, os problemas que foram detectados ao nível da inspecção são problemas procedimentais, de cumprimento dos procedimentos ao nível contratual. Na contratação, a nível dos concursos, a contratação pública e a aquisição de serviços. Na maior parte dos relatórios que li, são esses problemas que aconteceram e que estão sob investigação. Portanto, para mim, é algo normal e diria que é bom que haja um esclarecimento cabal, até para também dar credibilidade. Acredito que no fim, isto vai ficar tudo esclarecido.
Tudo indica que até final de Novembro teremos eleições autárquicas…
Bom, eu tenho boas expectativas, estou muito optimista em relação a essas eleições. Cabo Verde é um país que já deu provas da sua maturidade democrática. Estas serão as nonas eleições autárquicas que o país vai realizar. Se somarmos as eleições legislativas autárquicas e presidenciais, o país já deve ter realizado mais de duas dezenas de eleições. Eu acredito que vão correr bem. Vamos continuar a reforçar a nossa democracia com uma maior participação, porque acredito que as eleições autárquicas são umas eleições que mobilizam as pessoas, mobilizam as comunidades para participarem na tomada de decisões sobre os novos representantes ou os representantes para o próximo ciclo autárquico. Estou optimista porque em Cabo Verde há uma evolução muito positiva e hoje há cada vez mais interesse, sobretudo nos jovens, de participarem nas eleições.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1182 de 24 de Julho de 2024.