“O objectivo é combater a desinformação, fornecendo informações verdadeiras”, resume o porta-voz do projecto e membro da comissão de coordenação da Unidade, Alfredo Pereira, que é também conselheiro da Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC).
A iniciativa piloto envolve além da CNE e ARC, a Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) e uma empresa do ramo tecnológico, numa parceria, ainda informal, que integra estudantes e profissionais do jornalismo e da tecnologia.
Actualmente instalada na sede da CNE, na Praia, esta unidade funcionará também como uma espécie de teste ou base para a eventual criação de um Centro de Verificação de Informação. “Existe essa vontade”, aponta Alfredo Pereira. Esse Centro, a implementar junto a uma entidade ainda a definir, “poderia prestar serviço à CNE sempre que houver períodos eleitorais”.
Como funciona
Como explica o porta-voz, a Unidade-piloto opera de duas formas: pro-activa e reactiva.
No modo pro-activo, recorre a duas plataformas tecnológicas para recolher metadados sobre candidatos, eleições e outros tópicos relevantes, com base em palavras-chave predefinidas. A informação obtida, que se limita a conteúdos públicos e disponíveis online, é analisada para identificar eventuais manipulações ou desinformações.
“O que vamos obter é, basicamente, um conjunto de dados, de acordo com os alertas que colocamos. Vamos recolher todas as notícias ou informações que estiverem a circular, excepto conteúdos transmitidos por sistemas peer-to-peer, como aquilo que as pessoas partilham em grupos de WhatsApp ou em mensagens privadas. Obviamente não temos acesso a essas mensagens, nem nos interessa”, explica Alfredo Pereira.
As informações recolhidas são, então, armazenadas numa base de dados criada para esse propósito, e analisadas por forma a determinar se contêm elementos maliciosos ou manipulados. Caso sejam identificadas irregularidades, há um procedimento definido a ser seguido. Se, pelo contrário, as informações não levantarem qualquer alerta, permanecem na base de dados apenas como registos.
Na abordagem reactiva, a Unidade recebe denúncias de cidadãos através do WhatsApp (9955005) e Facebook (Unidade de Verificação de Factos Eleitorais). Estas denúncias podem incluir textos, imagens, vídeos e até deepfakes – ou seja, vídeos, áudios ou imagens falsificados criados com inteligência artificial –, que possam conter alegações prejudiciais ou duvidosas.
“Se a pessoa duvidar da veracidade da informação, nós temos formas de verificar essa informação”, aponta o porta-voz.
Quando uma denúncia é recebida, a unidade verifica a veracidade da informação, comunicando os resultados directamente ao denunciante e publicando-os nas suas plataformas para informar o público.
“A página irá servir também como uma ferramenta para comunicar com o público”, explica.
Processo de verificação
Quando são encontrados dados que necessitam de verificação, num primeiro momento é identificada a sua fonte original, e procura-se, junto à mesma, a confirmação dos dados. Não sendo possível esse contacto, “e a grande maioria das vezes não o é”, procuram-se fontes alternativas, envolvendo especialistas ou documentos públicos, “que poderão subsidiar ou contrariar, subsidiar a informação em análise.”
No caso de fotografias ou vídeo, são usados softwares especializados para detectar manipulações. É também feita uma análise para identificar eventuais descontextualizações, como o caso de fotos antigas, verdadeiras, mas que são apresentadas em contexto actual. Eventuais deepfakes serão objecto de análise técnica avançada. Dependendo do tipo de avaliação necessária, irá recorrer-se a diferentes equipas, dentro da unidade.
Em qualquer dos casos é, então, feita uma avaliação final, que valida os resultados da verificação com um selo que confirma a informação como verdadeira, falsa ou manipulada, ou descontextualizada (não necessariamente falsa). Além do rótulo, o objectivo é apresentar contra-informação detalhada para justificar a análise realizada.
Ainda sem casos
A monitorização de desinformação abrange todo o país, com a equipa a recolher dados das redes sociais como Facebook, Instagram e YouTube, incluindo as páginas de candidatos. Mas também há, no acima referido modo reactivo, uma atenção que pode incluir informações que circulam de forma mais privada, peer-to-peer, como mensagens no WhatsApp, onde frequentemente surgem vídeos ou informações maliciosas, que não podem ser observados directamente pela equipa.
“Por isso criamos da linha [de denúncia] para nos apoiar”, destaca.
Recentemente, a CNE de Portugal, por altura das eleições para o Parlamento Europeu, também criou uma linha Whatsapp para denuncia de fake news. A iniciativa foi criticada por alguns, que levantaram a questão da censura.
Alfredo Pereira rejeita essa crítica. “A ideia dos centros [de verificação] é fazer pesquisa e apresentar a informação verdadeira”, diz, garantindo que o trabalho desses centros não envolve monitorizar opiniões pessoais em redes sociais, nem conteúdos claramente humorísticos.
A análise versa é sobre conteúdos criados com a intenção clara de manipular informações e prejudicar a imagem ou o bom nome de alguém, explica.
Entretanto, a questão legal, eventualmente o levantamento de processos por difamação, não é da competência desta entidade, que actua essencialmente como um observatório da desinformação.
Até ao momento, a unidade piloto, que iniciou funções no dia 15, e cuja página de Facebook e Whatsapp apenas entraram em funcionamento esta segunda-feira, 18, não recebeu queixa ou identificou conteúdo suspeito. Entretanto, e apesar de se reconhecer que “a realidade cabo-verdiana não é marcada por deepfakes e desinformações em larga escala”, é expectável que com o avançar da campanha surjam casos para análise.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1199 de 20 de Novembro de 2024.