Voto antecipado: “Artigo 213 do Código Eleitoral deve ser interpretado conforme a Constituição”
O período para o voto antecipado terminou ontem. Numa primeira fase, entre os dias 18 e 21 de Novembro, votaram os eleitores doentes e presos que solicitaram o voto. Depois, nos dias 24, 25 e 26, foi a vez de o fazerem várias categorias profissionais, contempladas no Código Eleitoral, e que se encontram em serviço durante o dia das Eleições. Estas categorias incluem os militares, os candidatos, os agentes de polícia e de segurança, os jornalistas, entre outros. Mas muitos eleitores ficam de fora, pela limitação desse enquadramento.
A recente rejeição do pedido de voto antecipado feito pelo antigo Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, e posterior viabilização desse acto eleitoral pelo Tribunal da Comarca da Praia, veio lançar o debate sobre a constitucionalidade do artigo 213 do Código Eleitoral, que estabelece quem pode usufruir do voto antecipado.
Em conversa, na RTC, com o jornalista Júlio Vera-Cruz, a esposa do antigo chefe de Estado, Lígia Dias Fonseca, explicou o caso, destacando como a Constituição deve prevalecer sobre restrições legais que dificultam o direito fundamental de participação política.
Como contou a antiga Primeira Dama, Jorge Carlos Fonseca estará em viagem no dia 1 de Dezembro para participar numa “conferência internacional em que vai falar na qualidade de antigo Presidente da República de Cabo Verde”. Impedido de votar no dia das eleições, solicitou o voto antecipado, ao Presidente da CM da Praia, como manda a lei. O pedido foi negado com base no estabelecido no artigo 213.
A título de exemplo, refira-se que ao segurança do antigo PR, elemento das forças policiais, é dada a possibilidade de um voto antecipado pois enquadra-se nas categorias contempladas.
Invocando a violação do princípio da igualdade, foi feita uma reclamação ao abrigo do artigo 214 do Código, que foi igualmente indeferida sob os mesmos pressupostos do Código Eleitoral. Posto isto, e sob um prazo apertadíssimo, difícil de cumprir ao cidadão que não seja da área do Direito, o ex-PR apresentou recorreu ao Tribunal Judicial, “fazendo recurso ao princípio da igualdade, ao princípio da participação política e sustentando-se na jurisprudência existente, designadamente o Tribunal Constitucional, considerou que o artigo 213 deve ser interpretado conforme a Constituição”, explica a advogada Lígia Dias Fonseca. “Isto é, devem poder exercer o voto antecipado todos os cidadãos que por alguma razão fora do seu controle não possam estar presentes no dia das eleições”.
O Tribunal da Praia decidiu que o direito a voto de JCF deveria ser respeitado e viabilizou o voto.
“O juiz pode tomar esta decisão e fazer apreciação da constitucionalidade e decidir que a interpretação taxativa não deve ser feita porque viola princípios constitucionais fundamentais. Entende-se que a administração” – a CM, por exemplo – “não tem esse poder”, observa a antiga Primeira Dama.
Assim, defende, o direito ao voto deve ser interpretado em conformidade com a Constituição de 1992, que garante a participação política como um direito fundamental. Qualquer restrição que impeça o exercício desse direito, incluindo o voto antecipado, deve ser considerada inconstitucional ou reinterpretada.
“Há aqui falhas graves, que afectam profundamente o exercício do direito ao voto. Portanto, isto tem de ser corrigido”, diz a advogada, apelando “às entidades que têm legitimidade, o Provedor da Justiça, o Procurador-Geral da República, o PR” que requeiram a fiscalização abstracta sucessiva desta norma.
“O direito à participação política é fundamental e, portanto, é preciso afastar todos os obstáculos desnecessários ao exercício desse direito”, reiterou na entrevista à RCV.
UCID pede impugnação de votação
Ainda sobre voto antecipado, em São Vicente, a candidatura da UCID, encabeçada por António Monteiro, apresentou uma queixa no Tribunal Constitucional para impugnar a votação realizada na Cadeia de São Vicente
De acordo com o mandatário, Anilton Andrade, a candidatura contesta a participação de Rodrigo Rendall Martins, presidente da câmara substituto e terceiro candidato na lista do MpD. Rendall Martins terá presidido à mesa de voto no estabelecimento prisional, situação que a UCID considera incompatível devido à sua candidatura.
A UCID já havia protestado junto à Comissão Nacional de Eleições (CNE), sem que no entanto fosse dada uma resposta, pelo que Rendall Martins permaneceu à frente do processo.
O mandatário da UCID argumenta que, embora Rendall possa dirigir processos eleitorais na qualidade de presidente da câmara, o facto de ser também candidato compromete a imparcialidade.
Até ao fecho da edição não foi publicada a decisão do TC sobre este pedido.
Acusações de Fraude
Na passada semana, o NOSi e a CNE reagiram às declarações de Francisco Carvalho, candidato do PAICV à reeleição, em que este afirmou que o Governo em conluio com o Núcleo Operacional da Sociedade de Informação (NOSi), teria um plano de fraude eleitoral. Declarações que o NOSi considerou de “infundadas, irresponsáveis e caluniosas”.
Ambas as entidades explicaram que o NOSi não interfere no processo de votação, contagem de boletins ou descarga de votos, sendo que essas responsabilidades pertencem exclusivamente às Mesas e Assembleias de Votos.
A CNE detalhou que “o processo de contagem e apuramento dos resultados da votação é realizado manualmente, na presença e sob a fiscalização de todas as candidaturas concorrentes, através dos respectivos Delegados de mesa”. Ou seja, todas as candidaturas têm representantes na mesa de votos e apuramento dos resultados.
A divulgação dos resultados é da responsabilidade da CNE, tendo sido delegada à divulgação dos resultados parciais no dia das eleições foi delegada à Direcção-Geral de Apoio ao Processo Eleitoral.
A DGAPE, por seu turno, tem vindo a contratar os serviços do NOSi para operacionalizar o sistema de divulgação dos resultados parciais das mesas.
Ou seja, a “a empresa NOSi não tem competência legal e nem qualquer intervenção na gestão no processo eleitoral. O NOSi é um prestador de serviço”.
Na reacção às declarações de Francisco Carvalho, a CNE informou também que o processo eleitoral decorre com normalidade, pelo que tudo indica que não deverá haver constrangimentos na votação, do ponto de vista da sua organização.
CNE instaura processos contra maioria das candidaturas por publicidade nas redes sociais
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) instaurou processos por contra-ordenação eleitoral contra a maioria das candidaturas às autárquicas de 2024 devido ao uso de publicações patrocinadas nas redes sociais. Essa prática é proibida pelo Código Eleitoral, que considera a publicidade comercial em campanhas eleitorais uma infracção.
“Nesse sentido, desde 12 de Setembro de 2024 é proibida a propaganda política feita, directa ou indirectamente, através de qualquer meio de publicidade comercial, paga ou gratuita, seja qual for o suporte ou o meio de comunicação utilizado para o efeito”, lê-se na deliberação de 23 de Novembro.
Mesmo após alertas públicos da CNE, várias candidaturas persistiram na violação, que inclui outras proibições, como o uso de recursos públicos para fins eleitorais e a distribuição de donativos durante o período de campanha, que vai até 29 de Novembro.
A deliberação não especifica quais foram as candidaturas, em concreto, abrangidas pelos processos, sabendo-se apenas que foram a maioria.
O beijo - Falso
Circulou também esta semana, um vídeo gerado por Inteligência Artificial que mostra o candidato do MpD à CM da Praia, Abraão Vicente e o Primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, a beijar-se na boca. O vídeo, visivelmente falso, foi denunciado à recém-criada Unidade de Verificação de Factos Eleitorais.
A análise corroborou que o conteúdo foi manipulado. Alterações visíveis na cor e no brilho, bem como um relatório da ferramenta TrueMedia, indicaram com 99% de confiança manipulação facial por IA. O vídeo foi confirmado como falso, nesta que é a primeira análise divulgada da Unidade.