UCID: “O governo podia estar a fazer muito mais, e fazer menos propaganda”

PorAndré Amaral,28 jul 2024 8:39

João Santos Luís, Presidente da UCID
João Santos Luís, Presidente da UCID

Presidente da UCID defende que o ano parlamentar que agora termina devia ter sido mais produtivo e avalia negativamente a acção do governo. Executivo, diz João Santos Luís, deveria “fazer menos propaganda e esbanjamento de recursos em despesas fúteis”.

Estamos a chegar ao fim de mais um ano parlamentar. Que balanço faz dos trabalhos desenvolvidos na Assembleia Nacional?

Os trabalhos desenvolvidos pela Assembleia Nacional, acabaram por não atingir o objectivo fundamental da sessão legislativa de 2023-2024, visto que não se conseguiu o diálogo e necessários consensos para eleição dos órgãos externos à Assembleia Nacional. Quase todos os órgãos externos encontram-se com os mandatos expirados e, pelos vistos, esta situação deverá ter continuidade na sessão legislativa 2024-2025, que se iniciará em Outubro. Existem outros diplomas importantes, que para além de serem também da iniciativa dos deputados, que não se registou nenhum interesse por parte nem do governo, que está na posse dos recursos para avançar, nem do partido que suporta o governo no parlamento. Estamos a falar das propostas de revisão do Código Eleitoral que podia equacionar a questão sobre o recenseamento dos cabo-verdianos residentes no estrangeiro, passando pela possibilidade de se conseguir o recenseamento automático no acto de inscrição nos consulados, e considerar os já anteriormente inscritos como recenseados, mas também considerar a possibilidade dos indivíduos que atingem a maioridade no país fiquem automaticamente recenseados; da Constituição da República (CR) para clarificação de muitos aspectos, ligados à participação massiva dos cidadãos na vida politica nacional, da clarificação de se considerar o costume como um dado adquirido no ordenamento jurídico cabo-verdiano, tendo em conta os últimos acórdãos do Tribunal Constitucional nesta matéria que entra em desacordo com a actual CR, para clarificação e eliminação da promiscuidade até ainda existente na CR no artigo sobre a competência do governo que não pode indicar quem o fiscaliza e garanta o cumprimento das leis no que diz respeito à salvaguarda do património de todos os cabo-verdianos, entre outras questões não menos relevantes, nomeadamente a problemática da Regionalização e uma verdadeira autonomia administrativa e financeira dos municípios de Cabo Verde.

Como avalia o trabalho do governo?

O governo podia estar a fazer muito mais e fazer menos propaganda e esbanjamento de recursos em despesas fúteis. Consideramos não haver uma séria definição de prioridades pelo governo. Explicando melhor, o governo podia apostar melhor em medidas que impactem a vida dos cidadãos, da economia e das empresas, por forma a aumentar a massa crítica das empresas do sector privado nacional para gerarem mais riqueza e conseguirem ter as condições de reduzir o desemprego no país, pagando aos seus colaboradores salários compatíveis com o custo de vida que se depara nesta conjuntura. No que concerne ao sector empresarial do estado, algumas empresas detidas 100% pelo Estado continuam sendo geridas como se fossem empresas familiares e herança dos antepassados dos membros dos Conselhos de Administração destas empresas e o governo, que é quem indica os Conselhos de Administração, assobia para o lado, fingindo que tudo está bem e que nada de mal está a acontecer, em volta do nepotismo. Um exemplo claro é o conselho de administração da empresa que faz a gestão dos portos de Cabo Verde, que usa e abusa do seu poder para julgar pessoas e colocar em causa a sanidade mental de profissionais que não se identificam com as cores do partido no poder, faz e desfaz como quer e o que quer com o património da empresa e o governo sabe perfeitamente o que se passa e nada faz para travar a situação. O INPS é mais um exemplo de instituições públicas comandadas pelo Governo através do seu conselho de administração, que não faz coisa diferente com os recursos dos contribuintes que lá estão depositados. O sector privado nacional, continua com os problemas de sempre, enfrentando os custos de contexto, até ainda exagerados, e o governo por mais medidas que diz ter tomado neste aspecto, estas não surtem os efeitos práticos desejados na vida das empresas do sector, que do nosso ponto de vida podiam estar mais competitivas e atractivas, proporcionando um melhor ambiente de negócios no país e consequentemente prestando serviços de boa qualidade aos cabo-verdianos e a um custo controlado e justo. A conectividade do país que tem a responsabilidade da mobilidade de pessoas de um lado para outro, bem como promover a unificação do mercado, mas continua sem norte, com preços proibitivos e a funcionar em péssimas condições, sendo que, por mais medidas que se tomem com troca de conselhos de administração, ainda não se conseguiu acertar o ponto. A Saúde ainda não transmite a segurança desejada aos utentes, carecendo de mais recursos humanos qualificados, bem como de equipamentos diversos de diagnósticos ajustados às necessidades dos cidadãos das ilhas. Com a passagem da pandemia em 2020, o sector precisa urgente de reforma. Os custos de evacuação estão muitos elevados e o processo de evacuação em alguns casos é muito moroso, ultrapassando os limites normais de espera. A Educação ainda está aquém das espectativas dos cidadãos, problemas laborais com a classe docente ainda prevalecem e hoje mais ainda com a implementação da PCFR, questões que precisam ser ultrapassadas urgentemente pelo governo. Segurança e Justiça, precisam de mais investimentos e medidas adequadas em termos de qualificação de recursos humanos. A economia que devia estar a crescer a um ritmo acelerado não consegue, por falta de introdução de medidas correctivas no processo de crescimento e desenvolvimento económico do país. O sector económico tem todas as potencialidades de um crescimento mais robusto, mas carece, no entanto, de medidas assertivas para potenciar as vantagens e conseguir-se o up grade desejado.

O aumento do custo de vida é um dos problemas mais sentidos pela população, acompanhado por alguns episódios de insegurança e também por questões laborais. O que deve ser feito para mudar este cenário?

O aumento de custo de vida é evidente desde a pandemia da Covid-19. Os preços de produtos e serviços subiram e nunca mais voltaram aos níveis dos preços anteriores, provocando muitas dificuldades às famílias, principalmente as mais vulneráveis. As reclamações em termos laborais, soam de todo o lado, quer no público quer no privado, carecendo desde há muito a definição de uma nova estrutura salarial no país, para que os cidadãos tenham as condições de ter uma melhor qualidade de vida. “Nenhum país consegue desenvolver-se com salários de miséria”. Os episódios de insegurança podem ter a ver com a situação de drogas a circular em algumas ilhas, mas também pela inexistência de políticas públicas, capazes de atacar os males no seio das franjas mais vulneráveis da população. Não estamos e queremos aqui falar das medidas puramente assistencialistas que o governo e algumas camaras vêm implementando ao longo do ano e principalmente nos períodos que antecedem as eleições no país. O governo, se quiser, pode através de medidas fiscais e da própria política fiscal, que consideramos neste momento exageradas, amenizar um pouco os custos elevados do nível de vida enfrentados pelos cidadãos.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1182 de 24 de Julho de 2024. 

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Autoria:André Amaral,28 jul 2024 8:39

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  16 set 2024 18:21

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