Outubro marca, tradicionalmente, o início do ano parlamentar. Depois de uma paragem de dois meses entre sessões legislativas, o Parlamento volta a reunir já na próxima quarta-feira.
Para o governo há perspectivas de um bom ano parlamentar “desde logo porque nós temos ali muitas iniciativas que ainda estão pendentes na perspectiva de finalização, porque há iniciativas que estão pendentes, que deram entrada no Parlamento, mas que ainda não foram agendadas, nem se iniciou a discussão”, começa por apontar a ministra dos Assuntos Parlamentares, Janine Lélis.
No Parlamento há igualmente outras iniciativas legislativas que já foram discutidas na generalidade e que estão em sede de comissão especializada para aprovação, que são em número significativo. “Salvo erro, temos cerca de 10 iniciativas a guardar a especialidade, a maioria delas no domínio da justiça e do poder local”, refere a ministra em conversa com o Expresso das Ilhas.
A governante lamenta o tempo que se demora a aprovar as iniciativas legislativas, “porque quando se agenda uma iniciativa nós temos mais ou menos presente qual é o tempo disponível para cada discussão, não se consegue agendar outras iniciativas, o que faz com que as coisas andem a um ritmo mais devagar do que era expectável”.
Isto numa altura em que além das legislações relacionadas com a Justiça e o Poder Local também vai dar entrada o Orçamento do Estado. “O prazo é 1 de Outubro”, lembra Janine Lélis.
Do lado do PAICV a visão é mais negativa.
“O início do ano parlamentar vai acontecer justamente dois meses após o debate sobre o Estado da Nação. E a verdade é que o retrato que nós fizemos sobre o Estado da Nação mantém-se e com tendências de agravar”, responde João Baptista Pereira, líder Parlamentar do PAICV.
Neste contexto, assegura o deputado e líder da bancado do PAICV, “vamos iniciar o ano parlamentar, naturalmente reforçando a nossa acção de fiscalização sobre a acção do Governo e também tendo em conta que o Governo estará no seu último ano de mandato. 2025 é o último orçamento que o Governo o vai poder implementar no seu todo”, lembra acrescentando que 2025 “é um ano decisivo para Cabo Verde e para este Governo. Um ano em que o governo tem de acelerar, efectivamente, o cumprimento do seu programa”.
Já para o presidente da UCID, o ano parlamentar que agora se inicia vai ser marcado por alguma agitação.
“Nós vamos iniciar um ano parlamentar, de facto, com um pouco de turbulência por causa das eleições autárquicas marcadas para dia 1 de Dezembro. Consideramos que, pelo menos durante este último trimestre, irá ser mesmo muito turbulento”, aponta João Santos Luís.
Revisão do Código Eleitoral
Para o presidente da UCID há a esperança de que todos os sujeitos parlamentares “cheguem a algum entendimento” no que respeita aos temas mais importantes como é o caso do Código Eleitoral.
“De uma audiência que eu tive com o primeiro-ministro ficou este compromisso de, logo depois das autárquicas de 2024, nos sentarmos à mesa, todos os sujeitos parlamentares, para efectivamente fazermos agendar o código eleitoral que está no parlamento há quase dois anos”.
Um desejo partilhado pelo líder parlamentar do PAICV.
“O Código Eleitoral vai ser agendado seguramente logo após as eleições autárquicas, porque visa também facilitar a integração de dados, o licenciamento automático, portanto, há um entendimento sobre esta matéria”, complementa João Baptista Pereira.
Também do lado do governo há abertura para se concluir o processo de revisão da legislação eleitoral.
“Há o Código Eleitoral que está para ser revisto, que está pendente do parlamento. São reformas que são necessárias e importantes até para que se espera com impacto na questão da base de dados eleitoral, na questão do recenseamento automático que são ganhos que o país precisa e pode ter se se conseguir, no fundo, os consensos”, afirma Janine Lélis.
Órgãos Externos à Assembleia Nacional
Ao longo dos últimos anos o Parlamento tem sido incapaz de escolher novos dirigentes para alguns dos Órgãos Externos à Assembleia Nacional, como é o caso da ARC (reguladora da Comunicação Social), da Comissão Nacional de Protecção de Dados e da Comissão Nacional de Eleições num “processo também que se vem arrastando desde o início da minha legislatura”, como reconhece Austelino Correia, Presidente da Assembleia Nacional, em entrevista ao Expresso das Ilhas (ver página 6).
Do lado de partidos e governo o desejo é comum. É preciso resolver este problema de uma vez por todas.
“É uma necessidade, nós temos cargos externos cujos mandatos já expiraram, desde há muito tempo e já não faz sentido estar com aquelas pessoas à frente daquelas instituições democráticas com os mandatos expirados. Por isso, nós, como partido político com representação parlamentar iremos tudo fazer tudo para que esta questão seja resolvida dentro deste ano parlamentar, se não logo no início do ano parlamentar”, diz João Santos Luís.
Para João Baptista Pereira esta é “uma questão importante para o funcionamento da democracia. São entidades fundamentais”.
A dimensão do país, segundo João Baptista Pereira, pode ser uma das explicações para a demora na renovação destes órgãos. “O problema que nós temos é que o país é pequeno. Nós montamos mecanismos jurídicos, institucionais, que são eventualmente complexos e que dificultam a eleição normal, porque são processos que dependem de consensos entre as forças políticas representadas no Parlamento e quando falamos de forças políticas, representadas no Parlamento não tem nada a ver com os partidos. Esta eleição é uma eleição do Parlamento e dos deputados. Tem um processo complexo. É difícil apresentar um nome de que todos gostem”.
Do lado do governo, apesar deste não participar no processo de eleição, há também a vontade de concluir este processo.
“A questão dos órgãos externos é algo que não depende do governo, depende da construção de consenso das forças parlamentares. Estes órgãos foram eleitos em 2021 e, à excepção do Tribunal Constitucional cujos juízes têm mandatos de 9 anos, todos os outros têm mandatos de seis anos que já estão expirados”, destaca Janine Lélis.
No entanto, a proximidade das eleições autárquicas torna esta discussão extemporânea.
“Eventualmente perdemos a oportunidade para nós fazermos esse caminho, não fizemos e agora está muito em cima das eleições para ter uma nova CNE”, reconhece Baptista Pereira.
Para João Santos Luís a não nomeação de dirigentes para os Órgãos Externos à Assembleia Nacional “é a falta de diálogo, pura e simplesmente. Falta de diálogo por parte das duas forças políticas que têm mais deputados no Parlamento. Porque, efectivamente, se houvesse um diálogo fino, um diálogo bom neste sentido este problema teria estado resolvido há muito tempo”, critica o presidente da UCID.
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MpD em silêncio
O MpD, tal como os outros partidos, foi convidado pelo Expresso das Ilhas para dar a sua visão para o ano parlamentar que se avizinha. No entanto, o facto de a direcção do Grupo Parlamentar ter apresentado a demissão e de ainda não se terem realizado as eleições para a escolha de uma nova direcção, levaram a que ninguém fosse indicado pela bancada do partido que sustenta o governo.
“Não faz sentido que eu dê a entrevista quando estou de saída”, referiu Paulo Veiga, líder parlamentar demissionário.
Já Celso Ribeiro, que deverá suceder a Veiga nas eleições que se realizam hoje, não quis prestar declarações por a eleição ainda não se ter realizado.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1192 de 2 de Outubro de 2024.