Elas, eles e o trabalho em tempos de pandemia

PorSara Almeida,24 out 2020 9:05

A COVID-19 trouxe um aumento das desigualdades de género, em várias vertentes. Com a ruptura do tecido de apoio ao cuidado e escolarização das crianças, há uma dupla jornada sobreposta nas famílias, em que elas são as mais prejudicadas. Contudo, nem tudo são más notícias. Em Cabo Verde, nos centros urbanos, assistiu-se a um aumento da participaçao dos homens nesses cuidados, um aspecto positivo a potencializar.

Os dados constam das conclusões do “Estudo sobre o impacto da COVID-19 nas Desigualdades de Género”, encomendado pelo Instituto Cabo-verdiano de Igualdade e Equidade de Género, que será apresentado amanhã, 22.

O extenso estudo conclui que tanto a pandemia, como as medidas adoptadas para a conter, “afectam a homens e mulheres de maneira diferente, aprofundando desigualdades pré-existentes”, sendo portanto “imprescindível” que as políticas públicas, para serem inclusivas e eficientes tenham isso em conta.

Há más notícias, mas também algumas boas, e várias constatações e recomendações que podem ajudar a definir um cenário mais igualitário e equitativo no futuro. E um dos aspectos em que o estudo se foca, entre vários outros, é no trabalho e uso do tempo.

Tempo e (tele)trabalho

Uma das grandes mudanças trazidas pela pandemia foi o tempo dedicado ao trabalho remunerado e a forma como este é realizado. Conforme o inquérito, citado nas conclusões, a maior parte dos trabalhadores, independentemente do género, continua a exercer as suas funções presencialmente. “Porém, regista-se uma expansão exponencial do regime de teletrabalho”.

Para grande parte da população houve uma diminuição das horas de trabalho, ou a sua suspensão durante o confinamento obrigatório”, enquanto em determinados colectivos, destacadamente os profissionais de saúde, “a pandemia implicou um aumento considerável das horas dedicadas ao emprego”.

“Nestas profissionais, constata-se um elevado risco de esgotamento se não são criadas as condições necessárias, tanto em termos de descanso como em relação a conciliação familiar – uma problemática que afecta principalmente as mulheres, como principais cuidadoras”, lê-se.

Entretanto, no caso do trabalho não renumerado (TNR), este aumentou substancialmente, seja nas tarefas domésticas básicas, seja nos cuidados das crianças e ao apoio com as tarefas escolares, tendo em conta o encerramento de escolas e creches. E se já antes da COVID-19 havia aqui um fosso de género este agora agudizou-se, principalmente no mundo rural.

As mulheres, em geral, principalmente as que estão em regime de teletrabalho acabam por ter “duplas jornadas (uma remunerada e outra não) as quais agora, aliás, se solapam” e “este esforço - que é uma contribuição vital para a economia produtiva – não pode ser invisibilizado, devendo ser reconhecido”, salienta o estudo.

Essas mulheres, em regime exclusivo de teletrabalho, são então as que têm assumido um maior aumento dos trabalhos domésticos. São seguidas pelas mulheres em regime de Layoff e, depois, pelos homens em regime integral de teletrabalho.

Ora, este dado vem mostrar que “a permanência prolongada no espaço doméstico se revela um factor determinante neste sentido, ficando novamente em evidência a necessidade de criar medidas de conciliação para homens e mulheres neste contexto”, sublinha o relatório.

O fosso agudiza-se em genéro e rendimento: são as mulheres com rendimento inferir a 5.000 escudos quem encontra maiores obstáculos para conciliar a vida profissional e familiar no contexto da pandemia. Elas são “mais do dobro da dos homens do mesmo extracto social, o que coloca em relevo mais uma vez a necessidade de um olhar interseccional de género no desenho de futuras políticas públicas”, aponta-se.

Apesar de toda a desigualdade, verifica-se, como referido, algumas alterações positivas no que toca à divisão do trabalho, “como a maior participação masculina nas atividades domésticas – especialmente no contexto urbano”.

“Constatam-se mudanças em algumas áreas chave de desequilíbrio de género histórico, sendo chamativos alguns dados apresentados, como o facto da metade dos homens inquiridos referirem estar dedicando mais tempo aos cuidados das crianças”, congratula-se.

Assim, no que toca ao TNR, apesar de todos os problemas persistentes, e de a pandemia ter implicado uma alteração “que prejudica e sobrecarrega as mulheres”, vislumbram-se “algumas novas dinâmicas podem potenciar uma divisão mais igualitária desta esfera de trabalho”.

Isto, “se mantiverem no tempo e forem corretamente encaminhadas e potenciadas”. A recomendação está feita.

O objectivo deste estudo, conforme explica o Instituto, “foi identificar o real impacto da pandemia nas mulheres, com vista a subsidiar a implementação de acções para debelar o impacto da COVID-19 nas desigualdades de género.”

O estudo, que vai muito além da questão do tempo e do trabalho, foi promovido pelo ICIEG e realizado pela Afrosondagem, contando com o financiamento do PNUD/UNFPA.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 986 de 21 de Outubro de 2020.

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Autoria:Sara Almeida,24 out 2020 9:05

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  29 jul 2021 23:21

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