Como agente ativa no mundo laboral e Secretária-Geral, qual é a sua avaliação sobre a situação desta grande franja da sociedade?
Como é óbvio, nós temos uma visão focada na defesa do sindicalismo, nos direitos dos trabalhadores e na situação do desemprego que é grave. Sabemos das dificuldades reais da nossa economia pequena e frágil, mas também sabemos que há muitas demandas não atendidas. Assim, vemos que a situação dos trabalhadores é bastante precária ao mesmo tempo que os desempregados sofrem a angústia da espera por um posto de trabalho que tarda a chegar. Preocupa-nos a desatualização dos salários, a fraca fiscalização das práticas empresariais que afetam os trabalhadores, a demora na resolução dos conflitos laborais. Mas, também alguns maus exemplos de certos sindicatos que promovem conflitos desnecessários entre os trabalhadores e as empresas. Muitos problemas poderiam ser resolvidos desde que o Estado e o empresariado se fixassem nos compromissos e na responsabilidade de os honrar porque isso iria incentivar um diálogo construtivo. Acreditamos também que falta ao movimento sindical cabo-verdiano, principalmente nos encontros tripartidos, uma voz única, forte, equilibrada e socialmente mais apoiada para forçar algumas soluções legais e de ordem prática no sentido de atender às justas demandas dos trabalhadores.
Isto implica que a UNTC-CS tenha mais capacidade institucional e força no seio dos sindicatos e dos trabalhadores para fazer ouvir a sua voz. Como caracteriza a situação real da União Sindical?
A nossa União Sindical tem força e representatividade junto do Governo e dos parceiros, mas, ao mesmo tempo que tem essa capacidade de influenciação há situações claras de falta de consideração pela representação dos trabalhadores, principalmente em sede da Concertação Social e do Conselho Diretivo do INPS. Em resumo podemos dizer que a nossa Central Sindical tem capacidade institucional, mas tem sérias dificuldades, sobretudo financeiras e de alinhamento de ideias internas, para juntos respondermos às reais necessidades dos trabalhadores.
Como é que resumiria as questões mais importantes da agenda da UNTC-CS?
A lista é extensa e por isso vamos apenas indicar os tópicos: violação da Liberdade Sindical; alteração do Código Laboral para não penalizar demais os trabalhadores; proteção e justiça social para todos; convenção coletiva de trabalho; salário digno e a reposição do poder de compra; aumento do salário mínimo na Função Pública; fraco desempenho da Inspeção no Trabalho etc. Por outro lado, preocupa-nos muito o absentismo dos trabalhadores nas unidades industriais em São Vicente. Isto é muito mau para o ambiente no mercado de trabalho onde todos devemos cumprir. Devemos assumir uma intervenção pedagógica para deixar de tentar agradar aos trabalhadores em situações que claramente não têm razão. Sem esta atitude as reivindicações, por mais justas que sejam, perdem a força da razão e da justiça.
Como considera as relações com o Governo?
As relações com o Governo, com as instituições públicas e privadas são relações institucionais de respeito mútuo enquanto parceiros sociais. Infelizmente os sucessivos governos não têm vindo a respeitar as deliberações do Conselho de Concertação Social, (CCS). Em 2017 o Governo comprometeu-se a atender a questão das condições salariais em sede do CCS, com os parceiros o Acordo de Concertação Estratégico. Mas, a verdade é que tem vindo a desrespeitar este mesmo acordo e a precarizar os salários e as condições de vida dos trabalhadores.
Neste âmbito, quais são propostas fundamentais da UNTC-CS?
Fundamentalmente, passam pelo cumprimento do Programa de Governação e do ACE, com realce para o aumento anual de 1% nos salários, diminuição de impostos, modernização do código laboral, alteração dos Estatutos do INPS, elevação do salário mínimo na Função Pública e as duas promoções em atraso para o pessoal do quadro comum, etc. Em relação ao INPS, defendemos uma Comissão Executiva nomeada pelo Conselho Diretivo, tal como acontece em outros países, e nunca nomeada pelo Governo porque isso tem-se mostrado uma má opção por causa das inevitáveis intromissões políticas que desvirtuam toda uma gestão coerente e responsável. Denunciamos a manobra do Governo de querer alterar os Estatutos do INPS, afastando os Sindicatos do controlo do voto em assuntos importantes da gestão dos fundos desta Instituição que são em grande medida dos Trabalhadores através dos descontos que fazem da sua fraca massa salarial. Achamos que a gestão e controlo do dinheiro dos trabalhadores não pode ser decidida apenas pela Comissão Executiva e o Governo, pois é a vida de toda classe laboral que está em jogo.
O que pensa que está em causa?
O que está em causa é a compra de títulos de ações com o dinheiro de reforma dos trabalhadores. Com essa manobra o Governo faz do INPS como que a sua Caixa Dois e isto periga imprudentemente a sustentabilidade do Sistema de Previdência Social e seria uma afronta à reforma dos trabalhadores. O INPS é uma instituição constituída com o dinheiro dos trabalhadores e dos empregadores e não do governo. Assim, é de elementar bom senso e justiça, que os trabalhadores tenham voz e possibilidade de fazer o controle da sua aplicação em situações de risco. Com este aviso queremos apelar ao Governo para ponderar bem as suas decisões nesta matéria e que o interesse dos trabalhadores e da sociedade sejam geridos com prudência, rigor e transparência. Apelamos a todos os trabalhadores e à sociedade em geral para lutarmos contra essa manobra do Governo e em particular à Sua Excia, Senhor Presidente da República para fazer o controlo efectivo de qualquer lei que altere os Estatutos do INPS que coloque em risco a reforma dos Trabalhadores.
A grande atenção da UNTC-CS vai para as questões da economia e do trabalho.
Com certeza. Por isso não compreendemos que o crescimento de 5,8% do PIB não se tenha traduzido em alguma retribuição aos trabalhadores. Não entendemos a afirmação do Senhor Vice-Primeiro Ministro segundo o qual o Governo tem um crédito em relação ao ajustamento salarial porque a inflação acumulada de 2016 a 2019 é no valor de 1,9% e que deu um aumento salarial para o pessoal do quadro comum de 2,2%. Primeiramente, para dizer que o cálculo do Sr. VPM, não corresponde à realidade porque o quadro comum tem cerca de 23 mil funcionários, e deu 2,2% de aumento a 1.692 funcionários. Significa que ele está em dívida para com cerca de 22 mil funcionários, do quadro comum, que confiaram e votaram massivamente nele em 2016, para agora serem defraudados. Ademais, o Sr. VPM, tem que reconhecer que herdou um país para governar em 2016 com débitos e créditos e não pode focar-se a partir de 2016 e ignorar os problemas por que passam os trabalhadores desde 2011, data da última reposição do poder de compra. Não podemos continuar a aprofundar as situações de injustiça social.
Está a completar três anos de mandato à frente da UNTC-CS. Considera que enfrentou dificuldades e obstruções pelo facto de ser mulher num universo dominado por homens?
Acredito que o facto de ser mulher num mundo dominado por homens, mas sobretudo com uma cultura de superioridade do género masculino, tenha sido mais um fator de resistência e obstrução. Mas, isto é uma coisa para ignorar e seguir em frente, caminhando e trabalhando.
Para ter sido eleita com a vantagem de votos que conseguiu é porque captou o apoio da maioria dos votantes. Acha que mantem estes apoios? Será que não terá perdido alguns com a gestão das dificuldades?
Os apoios são conquistados e mantidos na base de afinidades em relação a princípios, valores, empenho no trabalho e respeito pelos compromissos. Sem falsa modéstia, penso que trabalhamos muito para manter a confiança dos sindicatos e dos sindicalistas. Mas, certamente que perdemos alguns apoios. Isto é próprio dos processos democráticos e não tenho qualquer problema em aceitar isso.
Desde o início teve um grupo ativo contra a sua liderança. Como está a situação interna neste campo?
Oh, sim. Uma frente ativa e até com reforço. O senhor que perdeu as eleições de forma clara ainda sofre com a ressaca da derrota eleitoral e sonha em alterar o resultado das urnas. Chegou até a atacar, sem ética e sem factos ou argumentos significativos, não apenas a sentença, mas o próprio Juiz do Tribunal de Trabalho. A obsessão dele em relação ao cargo de Secretário-geral da UNTC-CS provoca-lhe este tipo de atitudes que não ajudam na credibilização das suas críticas.
Falou em reforço?
Com certeza, trata-se do ex-secretário-geral, com quem, infelizmente temos uma divergência importante. Isto não tem nada de pessoal até porque, sempre o tive em boa consideração. Até encabecei o grupo que apoiou a sua reeleição em 2010, que conseguiu por uma diferença apertada de votos. Mas, incompreensivelmente, depois da nossa posse ele começou a manifestar comportamentos estranhos e lesivos para os interesses e para o funcionamento da UNTC-CS. De entre outras coisas, por exemplo, fez a passagem dos dossiers muito tardiamente, quase um ano depois da nossa posse, uma obrigação sagrada de todas pessoas que cessam funções de responsabilidade.
Mas isto ficou ultrapassado, ou não?
Não totalmente ou, pelo menos de forma satisfatória. Digo isto por várias razões que não interessa discutir nesta entrevista, mas também e sobretudo porque com a sua atitude levou a um grande embaraço da UNTC-CS perante um dos nossos grandes parceiros sociais que é o inps, mas também perante o Governo, a quem tivemos de recorrer para resolver o conflito de interesses entre a Instituição e o ex-Secretário-geral.
Como assim?
A questão é muito simples. A UNTC-CS tem assento nos dois importantes órgãos tripartidos, o Conselho de Concertação Social e Conselho Diretivo do INPS. Depois da nossa tomada de posse, a conclusão natural e lógica era que a representação da nossa Central Sindical deixaria de ser assumida pela Direção anterior. Ora, foi juntamente neste ponto que o ex-secretário-geral criou esse grande constrangimento. Fez finca-pé para se manter na representação da instituição no quadro do Conselho Diretivo da UNTC-CS, por interesse meramente pessoal e sem qualquer mandato representativo. Perante esta atitude tão pouco razoável, tivemos que solicitar ao Governo a sua substituição que veio a ser efectiva por decisão do Governo em agosto de 2017. Isto piorou ainda mais a sua postura para com a organização.
Pelo que vemos são grandes as dificuldades para o seu mandato que termina em 2021.
Claro que sim. No entanto, estas obstruções não podem impedir a UNTC-CS de desempenhar o seu papel de defesa dos trabalhadores junto de todas as instâncias de poder, dos parceiros sociais e no contexto da formação de opinião pública que possa fazer o controlo social das medidas do Governo e dos empregadores, sobretudo daquelas que possam afetar os interesses dos trabalhadores. Entendemos ser nosso dever, volvidos três anos de gestão, apresentar esses fatos devidamente fundamentados para que amanhã as responsabilidades possam ser assacadas com verdade e consequência. Assim, apelamos a todos os dirigentes, delegados, ativistas e colaboradores sindicais para se unirem à causa real do sindicalismo e não deixar que interesses outros se sobreponham aos da UNTC-CS e dos trabalhadores.
Isto põe em evidência a fraqueza institucional da UNTC-CS, ou não?
Até certo ponto sim, porque unidos a nossa força seria maior. Entretanto a nossa capacidade institucional não está e nem estará em causa porque, como temos demonstrado, a UNTC-CS é uma instituição credível junto dos trabalhadores, dos Parceiros Sociais e do Governo. O nosso sistema de funcionamento é democrático e periodicamente os nossos órgãos são escrutinados em eleições. Por outro lado, os outros órgãos, como a Comissão Permanente e o Secretariado Nacional, funcionam com regularidade e cumprem bem as suas funções e obrigações.
Mas alguns Sindicatos não dão força à UNTC-CS…
Sim, o nosso calcanhar de Aquiles é o incumprimento dos sindicatos no que respeita ao pagamento de quotas, apesar de isto estar muito claro nos Estatutos. Desde 2015 alguns sindicatos suspenderam as suas quotas sindicais, devido a quezílias com o ex-SG, Sr. Júlio Ascensão Silva, que até no aspeto do relacionamento institucional deixou uma herança que continua a criar dificuldades. Isto afeta o normal funcionamento dos órgãos, mas mesmo assim temos realizado as consultas necessárias para que as grandes decisões da nossa organização representem a vontade maioritária dos seus membros. Por exemplo, uma reunião do Conselho Nacional custa em média cerca de mil e quinhentos contos e estes recursos simplesmente não existem no atual estado de organização e desenvolvimento da UNTC-CS. No entanto, e apesar disso, o CN já se reuniu duas vezes desde a nossa eleição, no início e no fim de 2017.
E como é que pensa que se podem resolver estas situações?
Pelo esclarecimento e diálogo com os sindicalistas e trabalhadores, chamando-lhes à razão sobre a necessidade imperiosa de nos unirmos, porque o que nos diverge é muito pouco diante do que nos une. O nosso recurso de amparo é e será sempre a nossa união, cooperação e rejuvenescimento das nossas hostes. Aqueles poucos, mas ruidosos, que teimam em dividir-nos, mais cedo ou mais tarde serão desmascarados e seguramente perderão toda credibilidade e representatividade junto dos trabalhadores e da sociedade. Temos toda a certeza de que acabaremos por nos entender naquilo que é do interesse da UNTC-CS e dos sindicatos mais diretamente. Esta é força da razão que nos anima.
E quanto ao não pagamento das quotas por parte de alguns sindicatos?
Sobre isso o Secretariado Nacional delegou poderes na Comissão Permanente, isto para além de suspender os quatro sindicatos que vinham há mais de dois anos incumprindo no pagamento de quotas, para também auditar às contas da UNTC-CS. Isto é elementar. Em quaisquer organizações internacionais quem não paga quotas fica automaticamente suspenso. Nem sequer se podem queixar de falta de tolerância porque houve muito diálogo e bastante condescendência, inclusive para participarem no VII Congresso com quotas por pagar. É claro que estão reclamando, mas podem reclamar à vontade porque estamos a cumprir a lei e os Estatutos e ninguém está acima disso.
Ainda assim alguns sindicatos, especialmente os de S. Vicente, reclamam uma reunião extraordinária do Conselho Nacional.
É verdade, mas esta é uma exigência pouco séria. Se não cumprem com as suas obrigações estatutárias, como é que se acham no direito de exigir que a UNTC-CS promova uma reunião cujo orçamento excede de longe as capacidades financeiras da organização? Há rendimentos com os quais a UNTC-CS poderia legitimante contar e que por razões que não interessa debater publicamente, tem escapado ao controlo da nossa Tesouraria. Mas, disso tudo estamos a tratar internamente e com certeza vamos chegar a uma conclusão positiva e que satisfaça a todos. Tratamos as questões com seriedade e lealdade e por isso acreditamos que poderemos esperar igual atitude da outra parte. Afinal, estamos condenados a dialogar e a entendermo-nos porque os maiores interessados não são as partes envolvidas, mas todos os trabalhadores organizados no grande movimento sindical que a UNTC-CS protagoniza.
E o que é que faz uma Central Sindical em que os sindicatos filiados não cooperam?
Não é bem assim, a maior parte dos sindicatos cumpre e apoia a UNTC-CS. Fazemos o mais importante e da melhor forma. Defendemos sempre os direitos e interesses dos trabalhadores, com a força e legitimidade que nos são dadas pela maioria dos sindicatos e trabalhadores afetos à nossa Central Sindical. Assumimos e respeitamos os compromissos com toda a responsabilidade e isso é mais uma fator de força para a nossa organização. Entretanto, apelamos à cooperação, união, força e lealdade para com a organização que é de todos nós, sem exceção. Estamos a avançar no rejuvenescimento das lideranças sindicais com excelentes resultados porque achamos que é crucial a renovação do movimento sindical cabo-verdiano. Devido ao apego desmedido dos dirigentes mais antigos, os mais jovens dizem que não querem saber de sindicatos porque não reconhecem nesses dirigentes competência para defender os seus legítimos interesses.
Esta observação pode sugerir um certo alinhamento político, não acha?
Não, nada disso. A nossa resposta não corresponde a nenhum alinhamento político, apesar de conhecermos a história e muito bem. Na UNTC-CS estamos bem afastados de qualquer alinhamento partidário. Os nossos interlocutores e parceiros são o Governo, qualquer que seja a sua cor política, bem como as suas diversas instituições e o setor privado. Assumimos compromissos em nome dos direitos dos trabalhadores e na mesma linha dirigimos as nossas críticas em relação ao que não está de acordo com a justiça laboral em qualquer sentido.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 940 de 4 de Dezembro de 2019.