“Os efeitos para os grupos, e alguns deles têm dívidas e agentes culturais que estão afectos o ano inteiro ao Carnaval, são assustadores”, começou por dizer à agência Lusa o presidente da Liga Independente dos Grupos Oficiais de Carnaval (LIGOC–SV), Marco Bento.
Depois de assinalar o centenário em 2020, o emblemático Carnaval da ilha de São Vicente volta a parar este ano devido à pandemia da covid-19, quando há 26 anos também não se realizou por causa de uma epidemia de cólera que afectou Cabo Verde.
Marco Bento não estava no país na altura, pelo que não pode fazer a comparação, mas referiu que pelo menos nos últimos anos a festa do Rei Momo em São Vicente transformou-se numa indústria, que movimenta centenas de pessoas durante o ano todo.
“O Carnaval de São Vicente é hoje em dia uma indústria que se fez e os grupos conseguiram realizar em tão pouco tempo. Acho que se tornou algo muito expressivo nos últimos cinco/seis anos e muitas pessoas estão ligadas ao Carnaval o ano inteiro”, descreveu.
Para o presidente da LIGOC-CV, a ausência do Carnaval este ano em São Vicente vai provocar “uma reacção em cadeia” porque há grupos ainda com dívidas de anos anteriores que as repassam para carnavais seguintes, na tentativa de as pagar.
“E quando há uma interrupção assim, quebra-se a cadeia e os grupos vão endividar-se mais ou estarão em apuros”, alertou o presidente da LIGOC-CV, fundada em 26 de Julho de 2018.
Este ano, a prioridade será a segurança sanitária, mas Marco Bento acredita que em 2022 o Carnaval vai voltar às ruas da ilha de São Vicente, embora “um pouco fraco”, tendo em conta que tudo vai depender da evolução da pandemia, da vacina e do tempo que os grupos poderão ter para ensaiar.
Por isso, Marco Bento pede apoio a toda a cadeia de valor dessa indústria, desde as costureiras, serralheiros, tocadores, ritmistas, músicos, entre outros criativos que vivem à volta dessa manifestação cultural.
“Nós temos outros agentes culturais que já estão a reclamar, a pedir um subsídio, mas o Carnaval ainda não tem nenhuma iniciativa destas e seria importante que os parceiros oficiais, a Câmara Municipal de São Vicente e o Ministério da Cultura, tenham em mente que, não fazendo o Carnaval este ano, haverá muitos agentes que vão ser afectados por essa pandemia”, alertou.
Nas declarações à Lusa, o presidente referiu que um apanhado feito pela LIGOC-CV concluiu que só para a Câmara Municipal e para os grupos oficiais, o Carnaval em São Vicente gera cerca de 30 a 40 milhões de escudos.
Mas esse valor aumenta para mais do dobro, mais de 100 milhões de escudos, com todas as outras actividades paralelas aos desfiles, como espetáculos e bailes, disse.
“A ilha também vai perder, vai acabar por enfraquecer neste tempo que é de Carnaval, não vai ter essa receita, não poderá gerir a economia, mas quem perde mais são os fazedores do Carnaval”, prosseguiu Marco Bento.
“E isso tem de ser visto rapidamente, saber qual seria o valor a atribuir”, apelou o presidente, sugerindo um valor mínimo de 500 mil escudos para apoiar pelo menos os grupos oficiais, que todos os anos colocam centenas de foliões nas ruas do Mindelo.
Enquanto em outras ilhas o Carnaval é mais amador, em São Vicente há profissionais que durante todo o ano trabalham para preparar essa festa, salientou o presidente da liga independente.
“Porque se a ausência do Carnaval num ano já é prejudicial, imaginem em dois anos consecutivos”, manifestou.
No ano do centenário, em 2020, o vencedor do Carnaval de São Vicente foi o Grupo Carnavalesco Monte Sossego, que levou para casa ainda os prémios individuais de rainha, primeira e segunda damas, rei, mestre-sala e porta-bandeira.
Em 2020 o Carnaval foi a única grande festa popular realizada no arquipélago, poucos dias antes do surgimento do primeiro caso de covid-19 no país, em 19 de Março.
A ilha de São Vicente é neste momento um dos focos principais de transmissão da covid-19, e é a única em estado de calamidade, até 15 de Fevereiro (véspera do dia de Carnaval).