Como é que é passaste estes dias, sem a agitação habitual?
Não fez grande diferença, talvez porque não foi ontem que fiquei a saber que não haveria Carnaval. O mais importante é que ultrapassemos esta fase, para que retomemos a normalidade e, dentro dessa normalidade, voltarmos a fazer algumas coisas de que gostamos, como o Carnaval.
Fala-se muito sobre o impacto do Carnaval – e da sua não realização – na economia. Não sabemos ao certo a dimensão desse impacto mas será grande, provavelmente…
Nunca fiz contas, mas é inegável que talvez seja o fenómeno sociocultural que mais faz girar a economia em São Vicente. Normalmente, em Janeiro, já há todo um fluxo económico que, sem Carnaval, deixa de acontecer. Todos os sectores da economia, a montante e a jusante, acabam por sofrer. A própria indústria petrolífera vende menos combustível, porque há menos carros alugados, menos emigrantes a vir de férias. Os restaurantes e hotéis estão vazios e todo aquele sector de economia informal está completamente parado.
O Carnaval desenvolveu-se nos últimos anos, visando uma maior organização. Estamos a caminhar no sentido de tornar o Carnaval uma actividade económica permanente?
Hoje em dia, muitos dos grupos, na quarta-feira de cinzas, já sabem o que vão fazer no ano a seguir e, então, começam a trabalhar na parte da concepção e na estética. O investimento financeiro que vem atrelado a isso começa a ser feito muito mais cedo e acho que a tendência será para que, daqui a alguns anos, venhamos a ter uma actividade permanente relacionada com o Carnaval e profissionais que vivem única e exclusivamente do Carnaval.
Como é que se dá esse salto?
Se for geração espontânea, as coisas irão progressiva e muito lentamente crescendo, mas talvez não cresçam tanto como se se fizesse um investimento e as pessoas tomassem uma atitude, dizendo “vamos fazer do Carnaval um reactor de desenvolvimento económico”. Nesse caso, acredito que as coisas possam acontecer muito mais rapidamente, não só em termos de quem organiza, como dos próprios grupos.
Como é que se concilia esse crescimento, essa industrialização, com a salvaguarda daquilo que é genuíno?
Temos uma aqui uma manta curta, mas acredito que seja possível. No caso de São Vicente, o Carnaval tem várias vertentes e todas elas com o seu encanto. Os desfiles são uma das muitas vertentes. Temos os mandingas, as festas, a animação de rua, o Carnaval espontâneo. Tudo isso nunca deixará de acontecer. A industrialização do Carnaval afectará, sobretudo, os desfiles oficiais da terça-feira, onde há competição, e o desfile da Escola de Samba Tropical, na segunda-feira à noite.
De que forma é que sectores como a hotelaria, a restauração, o rent-a-car podem dar um contributo mais efectivo para o próprio Carnaval, já que lucram com ele?
Os próprios empresários desses sectores deveriam encarar o Carnaval como um investimento, como algo que lhes pode trazer um retorno elevado em muito pouco tempo. Se investirem e contribuírem para a melhoria do Carnaval, para uma estruturação maior, acredito que isso trará mais pessoas. É encarar não como apoio social, mas como investimento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1003 de 17 de Fevereiro de 2021.