homepage
Fragmentos de uma longa carreira
Concluídos os estudos primário e secundário na sua cidade-natal, Antero Barros, com apenas 20 anos, concorreu à docência no ensino primário, o destino ao alcance dos jovens que não podiam aspirar ao ensino superior só possível fora do arquipélago. No período de 1942 a 1946 foi professor interino no Posto de Ensino n.º 5 e na Escola Central João Belo em Mindelo, na Escola Caldas Xavier em Mosteiros, na Escola Serpa Pinto em Tarrafal de Santigo e, novamente, na Escola Central da sua cidade.1
A convite de Luiz Terry, Reitor do Liceu Gil Eanes, no ano letivo 1949-50 foi nomeado professor interino do liceu onde lecionou as disciplinas de Matemática e Inglês2. A precaridade e incerteza da sua situação profissional e a vontade de alargar horizontes pessoais e académicos levaram-no a prosseguir os estudos em Lisboa, onde frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e se licenciou em Filologia Germânica.
Munido do diploma universitário voltou para Cabo Verde e, em 27 de maio de 1957, toma posse como professor contratado do Liceu Gil Eanes. Nos anos letivos 1956-57 e 1957-58 lecionou as disciplinas de Ciências Naturais, Inglês e Geografia, o que revela uma notável cultura geral e capacidade de integração de saberes distintos. 3
Desempenhou ainda os cargos de Secretário e de Vice-Reitor do Liceu e, na sequência da resignação de Baltasar Lopes, foi nomeado Reitor do Liceu Gil Eanes por Portaria de 11 de junho de 1960.
O professor com estudantes e colegas do Liceu Gil Eanes. Fotografia de Djibla.4
Tendo sido transferido para a Cidade da Praia, Antero Barros instalou e chefiou a Repartição Provincial dos Serviços de Instrução e continuou a ensinar no Liceu Adriano Moreira (1962-64).
No ano 1965, por decisão das autoridades coloniais, deixou Cabo Verde e foi colocado no Ministério do Ultramar em Lisboa e, em 1970, nos Serviços de Educação em Luanda.5
Regressa a Cabo Verde em 1979, tendo coordenado o setor do Desporto Escolar e lecionado no Liceu Domingos Ramos na Praia, onde granjeou imenso prestígio como Professor.
Antero Barros, também desportista, estudioso e mentor do movimento olímpico, foi o primeiro Presidente do Comité Olímpico Cabo-verdiano (1989-2006).6
Um professor reflexivo
O centenário do nascimento do Professor Antero Barros é uma excelente ocasião para a evocação de factos vividos, mas também, para a compreensão do seu pensamento pedagógico que transcendeu as fronteiras rígidas das disciplinas e favoreceu o diálogo com o conhecimento.
A experiência acumulada em décadas de magistério não o impedia de se questionar e ter dúvidas sobre a sua ação educativa: “Como ensinar tal ou tal disciplina ou tal ou tal noção que lhe compete ensinar? Como achar explicação a dificuldades que teimam em se manter nos alunos? Como utilizar com maior rendimento a intuição? Qual o valor real das demonstrações científicas?” (“O que é uma lição”, Cabo Verde - Boletim Documental e de Cultura, março 1963, p. 1)
As respostas encontrava-as na Pedagogia e na Didática: Em Coménius, que defendia a «aproximação do Homem à Natureza»” e o ensino gradativo, na convicção “que a Natureza não se apressa, avança lentamente e assim deve ser o ensino”; na fenomenologia de Herbart, que deu importância à individualidade do aluno na instrução educativa, aconselhando que “uma lição deve ser organizada de tal maneira que obedeça a certos graus de evolução e possa prender a atenção do aluno”.
Em síntese, para o Professor Antero Barros “uma lição não deve ter um só método, mas sim reunir todos os métodos, a lição deve ser espontânea em função dos interesses levantados pelos alunos”. (Idem, pp. 1, 2)
O Professor defendeu precocemente o paradigma da aprendizagem centrada no aluno. Esse princípio inovador foi percebido por muitos dos seus alunos. Um deles, Adriano Miranda Lima, recorda as aulas de Geografia: “Rara era a aula em que os mecanismos de raciocínio não eram estimulados e elevados a um alto expoente, obrigando o aluno a compreender e a relacionar factores tão diferentes como o clima, a economia, a demografia e a organização social e política”, concluindo que “todo o aluno que passou pelas mãos de Antero Barros deve ter atingido um patamar de amadurecimento intelectual em que sentiu a importância da contextualização do que aprendia e a transversalidade dos conteúdos dentro da mesma disciplina”.7
A sua dedicação à causa educativa conviveu com o amor pelo desporto e pela causa olímpica. Dessa conjugação de interesses resultou a escrita de trechos importantes para a História da Educação e do Desporto em Cabo Verde: “O ensino em Cabo Verde”, publicado no jornal O Arquipélago (21 e 28 de outubro, 4 e 11 de novembro de 1965) e os livros Subsídios para a história do golf em Cabo Verde, editado pelo Clube de Golfe de S. Vicente (1981) e Subsídios para a história do cricket em Cabo Verde, dado à estampa na Praia pelo Comité Olímpico Cabo-verdiano (1998).
__________________________________________________
1 Cf. Portarias de 3 de março de 1942, de 13 de setembro de 1944 e de 29 de setembro de1946 (Livro de registos biográficos, Inspeção Escolar, II volume, consultado no Museu de Educação na Praia).
2 Cf. Relatório do Reitor do Liceu Gil Eanes, dr. Baltasar Lopes da Silva, 1949-50.
3 Idem, 1956-57 e 1957-1958.
4 Fotografia captada no site “Homenagem ao dr. Antero de Barros” (https://caboindex.com/homenagem-ao-dr-antero-barros/), consultado em 2018.
5 José Vicente Lopes (2002), Cabo Verde – Os bastidores da independência. Ed. Spleen, p. 289.
6 Movimento Olímpico em Cabo Verde – 30 anos de história. Ed. Comité Olímpico Cabo-verdiano, 2018, p. 19.
7 Adriano Miranda Lima, “Doutor Antero de Barros um mestre inesquecível”
(http://www.mascarenhas.com.ar/islas-de-cabo-verde/san_vicente/ adriano_miranda_lima.htm).
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1056 de 23 de Fevereiro de 2022.
