Para Adalberto Silva (Betú) o facto de existir um Dia Mundial do Compositor é sinal de reconhecimento da importância social daqueles a quem Deus deu o dom de exteriorizar a música que há em todos nós.
Embora não esteja vinculado a nenhuma instituição nacional na matéria, Betú estima que, em termos institucionais e de legislação, estão criadas as condições para a defesa dos direitos autorais em Cabo Verde.
“O problema é a dimensão do nosso mercado que é muito pequeno e não possibilita grandes rendimentos para os autores, ao contrário do que podem fazer crer alguns slogans por aí tipo os direitos autorais são salários dos criadores. Deve-se evitar a tentação de reduzir os direitos autorais aos dividendos pecuniários, pois, mais importante que isso, é a dignificação do criador. A compensação financeira é apenas uma questão de justiça, pois, se há quem ganhe com a produção musical, os criadores devem ter a sua parte.
“Antes da interpretação está a criação”, Betú
Segundo o compositor, em Cabo Verde dá-se hoje em dia cada vez maior atenção e valorização aos criadores, embora ainda, particularmente no campo musical, se associe uma obra mais ao intérprete do que ao autor. “É compreensível a maior notoriedade dos intérpretes porque é através deles que se conhecem as obras musicais, mas há que ter a consciência de que antes da interpretação está a criação, ou seja, para se interpretar é preciso criar primeiro”.
Felizmente, acrescenta o músico, a sociedade cabo-verdiana tem sabido distinguir o papel de uns e de outros e valorizado os criadores de música. “Quando um anónimo me interpela na rua dizendo ‘É Sr. Betú? Obrigado pa quês música’ é sinal de reconhecimento social e é mais gratificante que qualquer medalha”.
O autor de Cusas di Coraçon e um dos principais compositores da sua geração esclarece que a produção musical é influenciada pela sociedade e pelo mercado. Ou seja, se antigamente havia mais produção musical na área dos géneros genuinamente cabo-verdianos, actualmente produz-se mais músicas dos géneros globalizados porque a acessibilidade a estas tornou-se total e imediata.
“Os da geração mais antiga pendem para os géneros tradicionais e os mais novos para os géneros globalizados, salvaguardando as excepções. Mas é evidente que actualmente há muito mais produção sob o impulso comercial, mais favorável aos géneros globalizados. Não se deve é confundir valor comercial, que é efémero, com valor artístico, que é perene”.
Instado a enumerar os cinco maiores compositores cabo-verdianos, Betú não teve dúvidas: B. Léza, Eugénio Tavares, Manel d’Novas, Paulino Vieira e Nhelas Spencer.
“É um absurdo não reconhecer e enaltecer o papel das mulheres na música”, Teté Alhinho
Na mesma linha que Betú, a compositora e intérprete Teté Alhinho valoriza o labor criativo dos compositores ao sublinhar que é nos compositores que os intérpretes vão beber as letras e as melodias que cantam e expressam o sentir cabo-verdiano. “Quando se interpreta uma melodia, transmite-se o sentir do seu criador. Então é justo, que ele seja reconhecido como tal. Há que respeitar o criador e as suas criações”, enfatiza.
Entretanto Teté Alhinho chama a atenção para a necessidade de diferenciar entre o que é o compositor e o que é o autor. “O autor refere-se a quem escreve a letra, e o compositor ao que faz ou escreve a música, sendo que na maior parte das vezes, o autor também é o compositor”, explica, sugerindo a criação de um dia dedicado aos autores/compositores como algo que é pertinente e necessário, visto que, apesar de serem os que possibilitam aos intérpretes e instrumentistas exercerem a sua função, não recebem o reconhecimento nem a divulgação devida.
“Felizmente que hoje temos a SOCA e a Sociedade Cabo-verdiana de Música, a SCM, a qual devo destacar, tem vindo a fazer um trabalho sem precedentes na defesa dos direitos de autor e conexos, para dar o seu ao seu dono”, considera.
Teté Alhinho constata que Cabo Verde tem tido grandes autores, grandes compositores e grandes autores/ compositores, mas lamenta que até os dias de hoje não se tenha enaltecido o papel das mulheres na música cabo-verdiana, tanto na área da composição como na interpretação e orquestração apesar de estarem nestas vertentes artísticas quase em maioria.
“Destaco, por ser mulher e pela grande admiração que lhe tenho a Tututa Évora, uma mulher e artista que estava à frente do seu tempo e com uma linha de composição inovadora que muitas vezes é ignorada. Isso entende-se, ainda que não se justifique, numa determinada época em que as mulheres em todos os domínios eram relegadas para segundo plano. Aliás, a história está cheia de exemplos. Mas nos dias de hoje é um absurdo não reconhecer e enaltecer o papel das mulheres na música de Cabo Verde, tanto na área da composição como na interpretação e orquestração, tendo em conta que ela está presente e eu atrever-me-ia a dizer quase em maioria”, elogiou.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1102 de 11 de Janeiro de 2023.