A Arte que se faz por amor

PorDulcina Mendes,2 abr 2023 17:12

O teatro em Cabo Verde está vivo e com uma dinâmica diferente do que tinha há alguns anos, com o surgimento de pessoas com licenciatura e mestrados na área. Têm surgido iniciativas que têm dado alguma visibilidade ao teatro, como é o caso do Festival Internacional do Teatro do Mindelo – Mindelact, que este ano completa 29 anos. A Companhia de Teatro Fladu Fla tem realizado o Festival de Teatro do Atlântico (TEARTI), que já vai na VI edição. Temos ainda Tikai, com mais de dez filmes gravados. Com a pandemia muitas actividades culturais tiveram que parar. Com a retoma, o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas lançou o Edital de Fomento à Criação Artística Nacional para financiar projectos culturais, incluindo o teatro.

O presidente da Associação Artística e Cultural - Mindelact, João Branco, disse que o teatro em Cabo Verde está a tentar sobreviver, embora haja muitas pessoas a fazer e muitas actividades.

“É que o teatro sempre viveu das novidades dos seus protagonistas, muitas vezes quando algumas lideranças de companhias vão ao exterior, por razões relacionadas com a sua vida pessoal, profissional e estudos, a situação dessas lideranças acaba por fazer sentir, porque os grupos de teatro dependem muito dessas lideranças. Então, o teatro em Cabo Verde sempre viveu dessa condição sazonal de ter um período em que tem que ter os grupos a funcionar e grupos que estão mais parados, por causa das ausências”, explana.

E explica que o mercado cabo-verdiano não permite a profissionalização das actividades no domínio do teatro porque este é realizado como uma actividade segunda, do ponto de vista profissional, “porque o mercado não permite que vivam integralmente desta arte”.

O director artístico da Companhia de Teatro Sikinada, João Paulo Brito, considera que o teatro em Cabo Verde tem vindo a crescer e que há uma dinâmica interessante visto que há, no momento, mais pessoas formadas nesta arte.

“Curiosamente, há menos companhias de teatro e espectáculos teatrais, se compararmos com há cinco ou dez anos. Nessa altura, no mês de Março, teríamos, a nível nacional, cerca de 15 espectáculos. Neste momento, tenho informação de três ou quatro espectáculos que são apresentados durante este mês, que costuma ser o mês de celebração do teatro”, frisa.

Para o actor João Pereira (Tikai), o teatro em Cabo Verde não está morto mas, infelizmente, não está como deveria estar, havendo muito trabalho pela frente no que tange à valorização dos grupos teatrais no país.

“Precisamos passar a fase em que o teatro só é feito por “pessoas doidas” e passar a ver que o teatro é muito mais do que isso. Porque através do teatro podemos fazer um bom trabalho a nível social e cultural. Por exemplo, o nosso grupo abordou vários temas pertinentes nomeadamente, alcoolismo, droga, gravidez precoce, violência baseada no género, desobediência na adolescência, superstição, etc. E isso ajuda a nossa sociedade a perceber melhor essas temáticas”, considera.

Por outro lado, a Presidente da Companhia de Teatro Fladu Fla, Simónica Sanches (Sheila Martins), é de opinião que o teatro vai de vento em popa, rumo à sua dinamização em todas as ilhas. “Pelo menos é o que consta na agenda da Companhia de Teatro Fladu Fla. Pois, na perspectiva do Fladu Fla, só se pode falar do teatro cabo-verdiano quando em todas as ilhas se produzir teatro com o mesmo padrão de qualidade e equiparado ao que se produz a nível internacional”.

Como se faz teatro?

João Branco explica que o teatro em Cabo Verde faz-se praticamente sem nada e com muito por amor à arte. “Com poucas condições, não há espaços para os ensaios, muitos ensaiam em casa, no quintal, às vezes numa praça. E é assim que a gente trabalha, por paixão à arte e ao país, porque de outra forma estaremos quietos, fazemos mesmo por muito amor ao teatro”.

O director artístico da Companhia de Teatro Sikinada é da opinião que o teatro em Cabo Verde se faz por teimosia, por paixão para se sentirem realizadas enquanto pessoas. Por outro lado, frisou que é um contributo que dão para a sociedade e para a cultura cabo-verdiana. “Não há financiamento para o teatro, as empresas que temos têm um tecido empresarial limitado e acabam por direccionar a fatia que dispõem para patrocínios e apoios para os grandes eventos”.

Tikai vai na mesma linha dizendo que o teatro em Cabo Verde faz-se pela vontade e gosto dos fazedores.

Espaço para teatro

De acordo com o presidente da Associação Artística e Cultural- Mindelact, para além da questão estrutural existem muitas dificuldades financeiras para se poder realizar actividades teatrais em melhores condições. “É muito difícil fazer teatro em Cabo Verde e não tem sido mais fácil ao longo desses tempos, as dificuldades continuam as mesmas, os problemas continuam os mesmos”.

“A primeira dificuldade é estrutural, na verdade não há espaços de ensaios e apresentação, estamos a falar de uma realidade de Mindelo, que é supostamente um centro urbano que tem um teatro bastante activo e imaginemos nas outras ilhas como Brava e Maio. São ilhas que não têm um espaço de apresentação em condições para um trabalho de teatro tecnicamente evoluído”, precisa João Branco.

João Branco apontou que precisam de mais espaços preparados para apresentação das peças e “por último, é necessário que todos os grupos sejam tratados de igual forma pelas entidades públicas”.

Política para o teatro

João Paulo Brito defende que deve existir uma política para o teatro ou, melhor, para as artes performativas. “Essa política deve passar pela capacitação das pessoas pela formação, para que tenham mais competência, passa por alguma forma de financiamento, que os mecanismos de mecenato funcionam e que os editais tenham valor que permitam que algum projecto arranque”.

Para Tikai, o apoio financeiro é a maior dificuldade que têm enfrentado para que possam produzir mais peças teatrais e apresentá-las no país e na diáspora.

Simónica Sanches, é igualmente de opinião que uma das maiores dificuldades com que têm deparado é com a falta de financiamento. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1113 de 29 de Março de 2023.

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Autoria:Dulcina Mendes,2 abr 2023 17:12

Editado porEdisângela Tavares  em  25 dez 2023 23:28

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