O mate descansado

PorFrancisco Carapinha,25 jul 2021 8:52

Presidente da Federação Cabo-verdiana de Xadrez
Presidente da Federação Cabo-verdiana de Xadrez

Conforme já tenho aqui escrito algumas vezes, o facto de, já há muitos anos, arbitrar torneios de xadrez, permitem-me assistir a inúmeras cenas hilariantes e que são motivo para contar uma boa história e largar aumas boas gargalhadas.

As histórias que aqui trago hoje, estão relacionadas com uma “figura” que conheci, já há mais de 10 anos , e que é do tipo de indivíduo a quem rapidamente e com grande facilidade apelidamos de cromo.

Pois bem, a figura que hoje aqui venho recordar, embora tenha grande vontade em desenvolver o xadrez na sua aldeia, ou “massificar” como ele frequentemente afirma, tem muitas limitações, quer culturais, quer linguísticas ou no domínio das novas tecnologias. Até na própria modalidade tem limitações.

E, essas limitações, levam-no a cometer gafes que só podem gerar a risota a quem percebe da poda. Como aquela vez em que, depois de ter visto uma simultânea, decidiu fazer igual com os seus díscipulos. E se assim o pensou bem o fez, só que ele, enquanto simultaneador, jogou de pretas com todos.

Só se apercebeu do erro quando lhe perguntei porque é que tinha alterado a regras das simultâneas trocando as cores das peças do simultaneador.

Obtive uma resposta à altura do autor desta proeza:
“-Foi para dar mais chance aos jogadores.”

A minha vontade de rir foi tanta que fui incapaz de lhe perguntar qual o resultado final desta simultânea.

E com esta história veio-me imediatamente há memória a situação que vivi num estabelecimento prisional, numa das acções promovidas pela FCX e em que participei. Foi quando um dos reclusos me questiona se na abertura do jogo, ou seja no 1.º lance, podia jogar simultaneamente os 2 cavalos pois era assim que alguns lá jogavam.

A minha resposta não podia ser mais clara:
“-Puderem podem, o que é que isso não é xadrez. Portanto, se andam a jogar assim, não estão a jogar xadrez.”

Mas voltando à nossa figura, recordo-me da sua participação num torneio internacional que eu arbitrei e em que um GM me veio questionar acerca de tal pessoa, pois tinha chegado a uma posição em que ia dar mate em 3 lances e a personagem tinha-se levantado da mesa e dito que ia descansar.

Também surpreendido pelo facto, encolhi os ombros e argumentei que provavelmente ele ainda não se tinha apercebido do mate eminente.

Numa outra sessão do mesmo torneio, veio outro titulado da FIDE, anunciar-me que iria dar mate de seguida e que o seu adversário, se tinha levantado dizendo que tinha de ir descansar um bocado.

E no mesmo torneio a situação veio a repetir-se, desta feita com outro GM, pelo que cheguei à conclusão que o descanso era propositado e que a sua necessidade acontecia quando se apercebia que estava com o jogo liquidado.

Provavelmente o descanso era uma forma de arranjar coragem para enfrentar a derrota.

Com cromos desta estirpe nunca se sabe o que lhes vai na cabeça e na alma.

Mas a história não termina aqui.

Passados uns tempos, voltei a encontrar esta figura, num outro torneio em que eu era um dos árbitrros.

Partida após partida, este nosso amigo ia somando derrotas e levando sempre o seu mate.
A determinada altura, um dos participantes nesse torneio veio dizer-nos (a mim e ao árbitro principal) que na sua partida com aquele jogador, quando lhe estava quase a dar mate ele levantou-se da mesa dizendo que ia descansar.

Dei a minha risada e contei, ao meu colega árbitro, a história passada no torneio anterior.

Indagámos o que se tinha passado nas partidas anteriores e chegamos à conclusão que sempre que estava próximo de perder, o nosso amigo, lá se levantava para ir descansar, motivo pelo qual decidimos alcunhá-lo de “Mate Descansado”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1025 de 21 de Julho de 2021.

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Autoria:Francisco Carapinha,25 jul 2021 8:52

Editado pormaria Fortes  em  8 mai 2022 23:20

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