60 biliões de dólares para o continente

PorJorge Montezinho,9 set 2018 11:15

​53 líderes de países africanos participaram em Pequim nesta terceira cimeira que prometia, e garantiu, financiamentos para o continente e o Presidente chinês, Xi Jinping, não defraudou as expectativas. Na cerimónia de abertura do Diálogo de Alto Nível entre Líderes e Representantes Comerciais de China e África anunciou 60 mil milhões de dólares em assistência e empréstimos para países africanos. Em cima da mesa está também o perdão da dívida dos países mais pobres e dos pequenos estados insulares.

 O Chefe de Estado chinês garantiu que o investimento no continente não acarreta “condições políticas”, mas sucedem-se as acusações de que Pequim deseja aumentar a sua esfera de influência através do plano internacional de infra-estruturas Nova Rota da Seda. Cabo Verde também procura os milhões chineses. Na mala dos políticos cabo-verdianos que se deslocaram à China seguiram projectos como a criação da Zona Económica Especial Marítima (ZEEM) de São Vicente, a nova maternidade do Hospital Baptista de Sousa, em São Vicente, um centro nacional de congressos, entre outros.

A globalização foi o tema principal do discurso do Primeiro-Ministro de Cabo Verde na Cimeira de Pequim. “O grande desafio”, disse Ulisses Correia e Silva, “é tornar a globalização vantajosa para a África na base do multilateralismo. Precisamos de uma globalização para o desenvolvimento e não apenas para o comércio e o investimento. Uma globalização inclusiva com impacto nas pessoas, no seu bem-estar físico e intelectual e que coloca a dignidade da pessoa humana no centro da razão de ser da política e das políticas públicas”.

Para o Chefe do Governo cabo-verdiano, a globalização desejada deve criar as condições para o acesso e partilha do conhecimento, da ciência e da tecnologia, mas também actuar sobre o ambiente interno dos países para criar condições institucionais, organizacionais, educacionais, económicas e de confiança capazes de transformar o conhecimento, a tecnologia e os recursos naturais em factores de competitividade, de desenvolvimento humano e de prosperidade. “Mais desenvolvimento nos países africanos, potenciam ainda mais comércio, mais investimento e mais sustentabilidade ambiental a nível global. É o tipo de abordagem estratégica “win win” e de benefícios mútuos que precisamos implementar como impulso adicional ao crescimento económico mundial e como respostas sustentáveis ao fenómeno das migrações, das alterações climáticas e da segurança, a nível global”.

“Estamos convictos de que este Fórum é marcante no caminho comum para uma nova era da globalização onde todos ganham e ninguém fica de fora, em linha com as Agendas 2030 e 2063 e em prol da construção de uma ordem internacional mais justa e harmoniosa e onde podemos e devemos globalizar o desenvolvimento. É um imperativo da nossa geração”, disse Ulisses Correia e Silva.

A comitiva cabo-verdiana, liderada pelo Primeiro-Ministro, saiu do arquipélago na quinta-feira. Para além dos encontros de trabalho com o Presidente, Xi Jinping, e com o 1º Vice Primeiro-Ministro, Han Zheng, a delegação teve ainda vários encontros com empresas chinesas, no quadro do projecto da ZEEMSV, visitas a Portos, Infra-estruturas Portuárias, Centros de Estudos e Instituições referenciadas em Pequim, assim como deslocações a outras cidades que albergam zonas económicas especiais.

Já na China, e depois de uma reunião com representantes do Banco de Desenvolvimento da China (CDB), uma das maiores instituições financeiras do desenvolvimento no mundo, o Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva escrevia na sua página oficial que “a China mostrou, mais uma vez, ser o maior parceiro comercial do continente, elevando o nível de apoio e de cooperação para com a África. Os novos investimentos e financiamentos anunciados marcam a construção desta parceria abrangente e vantajosa”.

O investimento chinês em Cabo Verde é bem visível, principalmente na capital. Actualmente, na curta distância entre a Achada de Santo António e Chã de Areia há duas obras simbólicas com marca chinesa: a recuperação do edifício da Assembleia Nacional (com o apoio do governo chinês) e a construção de um resort turístico e casino na praia da Gamboa (um investimento privado do empresário chinês David Chow).

Os 42 anos de cooperação entre a China e Cabo Verde estendem-se a vários ramos e em diversas áreas como a saúde (construção do bloco cirúrgico, maternidade e central de consultas no Hospital Central da Praia), educação (construção de escolas), agricultura (construção da Barragem do Poilão), habitação (construção de moradias sociais), cultura (edificação do Auditório Nacional Jorge Barbosa e recuperação da Biblioteca Nacional de Cabo Verde) ou desporto (construção do Estádio Nacional).

Este apoio, orçado em muitos milhões de euros, abrange ainda áreas como a segurança, de que é exemplo recente a dotação de material tecnológico de controlo alfandegário para os aeroportos, ou o projecto de videovigilância Cidade Segura, que conta com tecnologia chinesa. O governo chinês avançou também com o financiamento das obras de construção do Campus Universitário da Uni-CV, um conjunto de edifícios na cidade da Praia, com capacidade para milhares de alunos.


China e os Palop

O Governo chinês ao promover parcerias com países africanos tem destacado o grupo de Países Africanos de Língua Portuguesa (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau) “considerando-os de elevada importância estratégica por si só e por se integrarem numa rede de negócios de 230 milhões de pessoas que têm como elo de ligação a língua e cultura portuguesa”, como escreve o Instituto Internacional de Macau no documento Macau e as relações económicas China/países de língua portuguesa. Esta rede está localizada em espaços económicos estratégicos e complementares em termos de globalização; em Portugal, país membro da UE porta de entrada num mercado de cerca de 500 milhões de pessoas com elevado poder de compra, no Brasil no continente americano, país membro do Mercosul - Mercado Comum do Sul, com uma população de 193 milhões de pessoas, rico em petróleo, outras matérias-primas e produtos alimentares, em Angola e Moçambique plataforma de negócios para a África Austral, por serem membros da SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, sendo já Angola o principal fornecedor de petróleo da China, em Cabo Verde na África Ocidental perto da UE e com bons recursos turísticos, em Timor-Leste que é um produtor de petróleo em frente à Indonésia e em Macau território chinês integrado no Delta do Rio das Pérolas, uma zona com 30 milhões consumidores com um rendimento per capita médio-alto e que é a plataforma estratégica de diálogo da China com estes países.

Neste Fórum de Cooperação China-África, o presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, foi recebido no sábado pelo anfitrião, o presidente Xi Jinping, que lhe reafirmou que “a China apoia firmemente Moçambique na escolha de um caminho de desenvolvimento”.

Entidades de Moçambique e da China já assinaram em Pequim oito memorandos de entendimento, nas áreas das infra-estruturas, indústria, telecomunicações, agricultura e serviços financeiros. A construção de uma estrada entre a província do Niassa e a Tanzânia e parques industriais em Boane e Marracuene, na província de Maputo, são alguns dos projectos previstos nos memorandos.

Já o presidente angolano João Lourenço encontrou-se com o presidente Xi Jinping este domingo. Angola é o mais importante parceiro da República Popular da China, dentre os PALOP.

A linha de crédito que vem sendo discutida entre as duas Repúblicas destina-se a projectos de infra-estruturas. O governo angolano espera ainda obter da China apoio financeiro para continuar com o seu programa de formação, preparação e reequipamento dos quadros das Forças Armadas angolanas. Em 2017, a dívida bilateral e comercial de Angola com a China ascendia a mais de 18 mil milhões de euros.

São Tomé e Príncipe estreou-se nesta cimeira, juntamente com o Burkina Faso e a Gâmbia. O primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, levou na bagagem um projecto para a construção de 300 apartamentos para funcionários públicos e espera conseguir investimento chinês.

A Guiné-Bissau esteve representada pelo Presidente José Mário Vaz, que solicitou ao Governo chinês recursos para o sector da agricultura. Outros pontos da agenda guineense foram as pescas, o turismo, as infra-estruturas e os minérios.

Em quase duas décadas, as relações comerciais dos países de língua portuguesa com a China registaram um aumento significativo. O investimento directo da China nos países lusófonos passou de 56 milhões de dólares em 2003 (48,3 milhões de euros), para cerca de 5,7 mil milhões de dólares em 2016 (4,9 mil milhões de euros). O investimento total da China nestes países é de 50 mil milhões de dólares (43,1 mil milhões de euros).


China e África

A presença da China em África tem sido tema de muita literatura recente, não só porque é cada vez mais visível e estratégica para o crescimento e globalização da economia chinesa, mas também para o desenvolvimento do continente africano. A China precisa de matérias-primas para manter o seu elevado nível de crescimento e África tem-nas em abundância e em larga variedade. A China sabe que um dos seus problemas vai ser alimentar a sua população com a terra arável de que dispõe e em África o potencial agrícola é enorme. Por outro lado, África necessita de capital para desenvolver infra-estruturas, necessita de mercados que valorizem a sua produção do sector primário agrícola, mineral, pecuário, piscícola, necessita de transferência de tecnologia e equipamentos para lançar as bases de uma indústria de mão-de-obra intensiva virada para a exportação. A China tem esse capital, tem essa tecnologia, tem equipamentos apropriados para esse nível tecnológico e tem mercados para esses produtos, tem experiência do modelo de processing trade [receber produtos em bruto do exterior, transformá-los localmente e exportá-los com valor acrescentado] e pretende evoluir para um modelo com maior valor acrescentado, com uma maior componente tecnológica e mais virado para o mercado interno. A África necessita de ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e de investimento directo estrangeiro (IDE) para se desenvolver economicamente, mas também necessita de melhorar os seus níveis de desenvolvimento social, como a educação, saúde, habitação entre outros e a China está disponível para cooperar também nesses projectos.

Actualmente, a China leva estradas asfaltadas, ferrovia, grandes estádios de futebol e internet de banda larga para África. Ao mesmo tempo, pede ao continente petróleo e outras matérias-primas. A China já é o maior parceiro comercial de África. Até 2020, o país pretende duplicar o volume de negócios para 400 mil milhões de dólares. Os críticos temem que haja apenas um vencedor nestes negócios: a China.

A cooperação sino-africana começou nos anos 50 e 60. Como sinal da fraternidade socialista, a China financiou a construção de uma linha ferroviária que transportava o cobre da Zâmbia para a cidade portuária da Tanzânia, Dar es Salaam. O projecto baseava-se na amizade inter-étnica e no trabalho solidário. A ferrovia chamda TAZARA “ Tanzania-Zambia Railway” funciona até aos dias de hoje.

Com a estratégia “Go Global”, na década de 90, o Governo chinês muda a política para África, começando a apoiar empresas do próprio país a fazerem negócios com o continente. O objectivo: proteger os recursos naturais estratégicos e promover o desenvolvimento económico da China. Ou seja, ter África como um parceiro de negócios e mercado para os bens de consumo chineses.

Com a nova política, a China garante para si campos de petróleo e minas de metais preciosos, não tendo pudor de trabalhar com regimes autoritários e corruptos. O país não é bem visto na Europa e nos Estados Unidos. A China só estaria interessada na exploração de recursos naturais, mas não no bem das pessoas, é a crítica do Ocidente.

Mas as boas relações com a África são bem pagas pela China. Em 2012, por exemplo, o país financiou a construção da sede da União Africana, em Adis Abeba. “A China vai ajudar os países africanos a ampliar a sua força e independência”, disse o chefe da delegação chinesa na cerimónia de abertura. O custo total? 150 milhões de euros.

Hoje, duas empresas chinesas dominam o mercado africano de telecomunicações: a ZTE e a Huawei. Foi a essas empresas que Governos de todo o continente fizeram as suas grandes encomendas. Na Etiópia, a Huawei e a ZTE constroem uma rede de 3G para todo o país por 1,7 mil milhões de dólares. Na Tanzânia, empresas chinesas instalaram cerca de 10 mil quilómetros de cabos de fibra óptica.

Mas nem tudo são rosas. Seja no comércio de retalho ou na construção de infra-estruturas, “os africanos raramente lucram com investimentos chineses. As empresas trazem os seus próprios trabalhadores”, diz o economista queniano David Owiro.

Nos últimos anos, a China começou a preocupar-se com a reputação e resolveu envolver-se igualmente em projectos de apoio externo um pouco por todo o mundo. No entanto, analistas e estudos questionam o que esta ajuda externa realmente traz aos países beneficiários.

Foi apenas em 2007 que a China começou a contribuir para a Associação de Desenvolvimento Internacional, o ramo financiador do Banco Mundial, e, a partir daí, veio a aumentar o seu contributo para ajudar países em desenvolvimento, especialmente os do leste Asiático.

De acordo com o livro branco emitido pelo Conselho de Estado Chinês no final de 2016, a China dispensou cerca de 400 biliões de yuan (cerca de 47,4 mil milhões de euros) em ajuda ao desenvolvimento a 166 países e organizações internacionais nas últimas seis décadas.

Mas, à medida que a riqueza e a influência da China crescem, a sua política de desenvolvimento é cada vez mais motivada pela possibilidade de obter acesso a novos mercados e obter retorno económico.

Um estudo de 2017 realizado pela AidData falava do universo conhecido de ajuda chinesa, entre 2000 e 2014, com 4373 registos que totalizavam 289.6 biliões de euros. Os registos incluem tipos de ajuda tradicional (cerca de 61.3 biliões) e empréstimos de juros reduzidos (cerca de 224 biliões).

Uma das principais descobertas do estudo é que a maioria da ajuda externa chinesa não foi a ajuda tradicional – ajuda directa – mais sim a relacionada com projectos comerciais e empréstimos que tinham de ser reembolsados com juros.

“Se olharmos para as relações China-África, a ajuda é apenas uma pequena parte do que eles consideram ser o compromisso com o desenvolvimento, que inclui comércio, investimentos e financiamento”,explica Matt Ferchen, académico do Centro Carnegie-Tsinghua para as políticas globais, na China.

Outros estudos por investigadores do AidData demonstram que a política têm um papel importante na forma como a China decide gastar o seu dinheiro, indicando que os projectos de desenvolvimento chineses tendem a concentrar-se em áreas onde vivem os líderes e políticos africanos, em oposição a zonas mais marginalizadas.

Já um estudo de um thinktank americano, o Brookings Institution, descobriu que a China tendia a gastar mais dinheiro em países corruptos, havendo uma correlação negativa entre investimento directo do Governo chinês e o índice do Estado de Direito do Banco Mundial. Por causa disto, o investimento chinês é muitas vezes associado com “exploração extrema, corrupção extrema e leva a interferências em assuntos políticos”.

Além dos projectos de infra-estruturas e de acordos sobre matérias-primas, Pequim está também a aumentar os seus esforços militares no continente africano. Estabilidade é a palavra-chave. “A actual estratégia da China inclui o paradigma da segurança - e isso é novo”, disse à DW Angela Stanzel, especialista em assuntos chineses no Conselho Europeu para as Relações Internacionais. Este papel reflecte uma nova abordagem da China em assuntos globais e quanto aos seus interesses.”

Segundo Angela Stanzel, a China pretende, em primeiro lugar, proteger os seus cidadãos e investimentos em África e, em segundo, mudar a sua imagem. “A China tinha uma imagem muito negativa, em particular em África. Tem sido criticada pelos países ocidentais, mas também por líderes africanos. O reforço deste tipo de esforços serve também para lançar uma imagem da China como um parceiro global responsável”, afirma.

E no fundo, os investidores chineses querem ganhar espaço exclusivo no cenário económico africano. “Por outro lado, querem manter todos os outros de fora. É um jogo geopolítico”, explicou Ganesh Rasagam do Banco Mundial, à DW. Preocupações humanitárias também não fazem parte da agenda dos investidores chineses. “O costume é dizerem: ‘só nos interessam os negócios, não fazemos perguntas sobre corrupção ou direitos humanos”, afirma Rasagam

É isto que faz com que os investidores chineses sejam atractivos aos olhos de muitos países, que aceitam de bom grado a ajuda e os empréstimos milionários. No entanto, isso pode acarretar riscos, como alertou o economista Ali Khan Satchu. “A China posiciona-se no centro de uma nova era na infra-estrutura global. Os chefes de Estado africanos acreditam muitas vezes que a China é uma espécie de Pai Natal, o que não é verdade. A China quer lucrar com os seus investimentos”, esclarece.

Há cerca de 2.000 empresas chinesas com negócios em África e cerca de meio milhão de chineses a viverem no continente. A construção de infra-estruturas - pontes, linhas férreas e portos - tornou-se uma especialidade, mas as relações destas empresas com os seus trabalhadores têm sido alvo de críticas. “Elas não conhecem as leis laborais e não entendem os trabalhadores. Há uma série de disputas entre os empregadores chineses e os trabalhadores quenianos”, comentou a representante dos patrões no país, Jacqueline Mugo, num artigo publicado no jornal económico “Business Daily”. Segundo Mugo, muitas empresas chinesas não pagam sequer o salário mínimo nacional. Ao longo dos anos têm-se também sucedido várias disputas entre sindicatos e empresas chinesas um pouco por todo o continente.

Do lado chinês, estas preocupações são menorizadas. “Não há motivos para que a China queira levar a situações de incumprimento para poder então pressionar estes países”, disse Gao Zhikai, um dos mais conhecidos comentadores da televisão chinesa, à agência Lusa, em Pequim, durante o Fórum de Cooperação China/África.

Gao Zhikai considera que as acusações são uma “fantasia completamente infundada” e lembra que o “endividamento é necessário” para arrancar com os projectos em países com pouco capital.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 875 de 5 de Setembro de 2018.

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Autoria:Jorge Montezinho,9 set 2018 11:15

Editado porAntónio Monteiro  em  2 jun 2019 23:22

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