Há cinco economias africanas entre as dez que mais melhoraram no último ano: Djibouti, Togo, Quénia, Costa do Marfim e Ruanda são destacadas no último relatório do Doing Business, realizado pelo Banco Mundial. E há dois países africanos no Top50: Maurícias (20º) e Ruanda (29º). Cabo Verde está no último terço da tabela (131º), tendo descido quatro lugares quando comparado com 2018 (era 127º). No total, foram analisadas 190 economias. Coincidentemente, ou não, depois de conhecido o novo ranking Doing Business, a gigante chinesa de comércio electrónico Alibaba anunciou a assinatura de um acordo com o governo de Ruanda para desenvolver a primeira plataforma electrónica mundial de comércio (eWTP) em África, tornando-se assim no primeiro país africano a estabelecer uma plataforma eWTP, uma iniciativa global público-privada para facilitar a venda de produtos das Pequenas e Médias Empresas (PME) do Ruanda aos consumidores chineses, incluindo café e artesanato. A plataforma de serviços de viagens do grupo chinês, Fliggy, e o Conselho para o Desenvolvimento do Ruanda vão também promover o Ruanda como destino turístico, através de uma loja online para reservar voos, hotéis e experiências de viagem.
Como refere o Banco Mundial no relatório, as variações substanciais no desempenho das economias subsaarianas são uma oportunidade para que os políticos aprendam com a experiência dos países vizinhos. E Cabo Verde ainda está longe do planeado pelo governo: entrar no Top50 e ser o terceiro melhor país africano dentro de dez anos, como é referido no Plano de Acção para a Competitividade, aprovado em Setembro de 2017. Neste momento, Cabo Verde tem dezassete países africanos à sua frente, dez deles entre os 100 melhores, dois entre os 50 melhores. O último país do Top50 é Montenegro, com 72.73 pontos, Cabo Verde tem 55.93 pontos. É esta a distância que tem de percorrer para chegar ao primeiro terço da classificação. E os outros países não ficarão de braços cruzados à espera.
“Se calhar não estamos a ser suficientemente competentes nesta matéria de melhorar a competitividade da nossa economia e há outros países que estão a ter um melhor desempenho”, diz ao Expresso das Ilhas Belarmino Lucas, presidente da Câmara do Comércio do Barlavento. A classificação actual, sublinha, “muito provavelmente não é porque nós diminuímos a nossa performance, mas porque outros tiveram melhor performance do que nós. O óbvio é que nós temos de continuar a ser revolucionários em termos daquilo que é a competitividade da nossa economia”, refere.
Cabo Verde não está a saber aproveitar o contexto em que está inserido é também a ideia do economista Avelino Bonifácio. “No rol dos países que introduziram reformas profundas, há países que eram considerados conservadores, com regimes autoritários, que tinham Cabo Verde como referência em termos de melhoria em termos de ambiente de negócios e que, de um momento para o outro, estão a dar passos muito mais acelerados do que nós. Isso deve ser um alerta para todos”, explica ao Expresso das Ilhas. “Em termos de ranking, e em relação aos outros países, Cabo Verde não melhorou porque no conjunto das reformas implementadas pelos países avaliados, Cabo Verde não fez nenhuma reforma substancial”, conclui.
Apesar de Cabo Verde ter melhorado em indicadores como: “Obtenção de Licenças de Construção”, com uma subida de quase 4 pontos no ranking absoluto, passando de 67º para 43º; “Registo de Propriedade”, apresentando componentes bastante competitivos a nível do tempo e do custo, assim como nos índices “Pagamento de Impostos”, estando próximo da média dos países mais avançados, e “Execução de Contratos”, situando-se no Top 50 a nível global. Em contrapartida, “Abertura de empresa”, “Acesso ao crédito” e “Acesso à electricidade” são indicadores que sofreram algumas descidas e que fizeram com que Cabo Verde perdesse alguns lugares, comparativamente aos restantes países que fazem parte do ranking.
No entanto, como sublinha o presidente da Câmara do Comércio do Barlavento, essas oscilações na cauda do ranking acabam por ser irrelevantes, “a não ser pelo facto de não estarmos a ir para lado nenhum”. A solução? Cabo Verde tem de melhorar drasticamente a sua performance. “E há outra questão que é preciso referir”, diz Belarmino Lucas, “tendemos a embandeirar em arco quando subimos dois lugares e a chorar baba e ranho quando baixamos três, ficamos aqui focados, mas mais do que os números do ranking, quando houver melhoria quer-se uma melhoria que se traduza, de facto, na vida das pessoas, das empresas, dos cidadãos e isso é que temos de perguntar: quando subimos dois, três ou quatro lugares, isso teve impacto na vida real?”, questiona.
Mas para o líder dos empresários do norte há outra pergunta que deve ser colocada, ou meditada. O Doing Business no caso de Cabo Verde, pela sua dimensão e pela dimensão da sua economia, é medido a nível da capital. A por isso a outra interrogação é: o que é medido na Praia é equivalente aquilo que se poderia medir se a avaliação fosse feita no resto do país? “A experiência que temos diz-nos que não. Essa questão dos números é muito relativo, às vezes pode servir muito bem aos nossos egos, para subi-los ou fazê-los descer, mas depois quando vamos ver o que representa na vida das pessoas e das empresas é pouco relevante”.
Certo é, para Belarmino Lucas, que se a medição fosse a nível nacional o resultado do país seria ainda pior. “Porque há muitas coisas que funcionam, principalmente ao nível de acesso à administração, de acesso a determinados serviços e de acesso ao funcionamento de determinados serviços, com o eterno problema de centralização. Se medíssemos alguns desses itens fora da capital, os resultados seriam ainda mais negativos, não há qualquer dúvida”.
Segundo o Banco Mundial, o que é medido é feito. Nos últimos 15 anos, o Doing Business reúne dados detalhados e objectivos sobre 11 áreas de regulação de negócios, ajudando os governos a diagnosticar problemas nos procedimentos da administração e a corrigi-los.
Nesta última década e meia, o Doing Business inspirou milhares de artigos e criou uma plataforma para um debate informado sobre regulamentação e estruturas institucionais de desenvolvimento económico.
Num balanço feito pelo próprio Banco Mundial, desde o seu lançamento, em 2003, o Doing Business inspirou mais de 3.500 reformas nas 10 áreas de regulação de negócios medidas pelo relatório. Este ano, observou-se um pico na actividade de reforma em todo o mundo – 128 economias empreenderam um total de 314 reformas em 2017/18.
A África subsaariana tem sido a região com o maior número de reformas anuais desde 2012. Só este ano registaram-se 107 em 40 economias e o sector privado da região está a sentir o impacto dessas melhorias. A média de tempo e custo para registar um negócio, por exemplo, diminuiu de 59 dias e 192% da renda per capita em 2006 para 23 dias e 40% da renda per capita actualmente.
Cabo Verde aprovou em Setembro do ano passado o Plano de Acção para a Competitividade [Boletim Oficial nº 52, de 6 de Setembro de 2017], com o objectivo de mudar uma economia dependente de transferências externas para uma economia competitiva, virada para a produção de bens e serviços transaccionáveis nas áreas da economia do mar, transportes aéreos, serviços financeiros, turismo e serviços especializados diversos, suportados na inovação e na tecnologia.
Essa mudança passará, segundo o governo, por uma relação diferente com a economia mundial globalizada e por reformas estruturais no sistema educativo, institucional, político e económico “que melhorem de forma substancial o ambiente de negócios, reduzam os custos de contexto e promovam o desenvolvimento nacional com foco nas ilhas”. O plano está alicerçado numa série de medidas de curto, médio e longo prazo que incidem, principalmente, nos indicadores usados pelo Banco Mundial na produção do ranking do Doing Business.
“Há um esforço que tem sido feito”, admite o presidente da Câmara do Comércio do Barlavento. “Quando se fez a avaliação do ranking, que foi agora publicado, não se terão levado em consideração medidas que foram já tomadas e que, por mais imediatas que sejam, não vão produzir resultados no mesmo ano. Provavelmente só sentiremos os benefícios dentro de um ano ou mais. Para que nós saiamos da cauda em que nos encontramos, mais do que as medidas mais imediatas e que têm um efeito mitigado em termos de avanços, essas medidas têm de ser estratégicas a nível do país e há coisas que não se conseguem de um ano para o outro”.
Por exemplo, ao nível da organização do país. “Se pensarmos nos efeitos da regionalização, em termos de eficiência do funcionamento do país administrativamente, isso ainda vai levar tempo. Se ficarmos só nesta visão de estamos mais dois ou menos dois que no ano anterior, não faz qualquer sentido”, resume Belarmino Lucas.
O que o responsável adianta é que os empresários já vão sentindo o impacto do plano de competitividade. “Em termos burocráticos, por exemplo, no ecossistema do financiamento ao sector privado, onde os privados começam agora a ter acesso aos primeiros financiamentos. Isto é um processo, pelo que temos de olhar estrategicamente para isso”.
Os 10 países que mais melhoraram este ano incluem um gama de economias – grandes e pequenas; ricos e pobres – de cinco regiões. Esta diversidade mostra que qualquer economia pode melhorar a regulação de negócios quando a vontade dos decisores políticos é forte. É por isso que entre elas estão duas das maiores economias do mundo, a China (que subiu ao 46º lugar do ranking) e a Índia (que alcançou o 77º lugar) e, ao mesmo tempo, também lá está Djibouti, uma pequena economia, de um pequeno país africano virado para o Índico.
“As alterações só serão relevantes se, em vez de nos fazerem subir dois lugares, nos fizerem subir dez ou mais”, diz Belarmino Lucas. “Estes pulinhos para cima e para baixo, e este ritual da análise desses pulinhos anuais acaba por ser, do meu ponto de vista, quase patético”.
Para o Banco Mundial, um dos fundamentos do ranking Doing Business é o facto de colocar a informação na frente dos líderes, o que torna difícil ignorá-la. E esses tipos de dados promovem as reformas, não só porque são fáceis de analisar, rastrear e agir, mas também porque aumentam a transparência e prestação de contas. Depois, cabe aos governos a tarefa de promover um ambiente propício para os empresários e para as pequenas e médias empresas. A regulação eficiente de negócios, sublinha ainda o Banco Mundial, é fundamental para o empreendedorismo e para um sector privado próspero. “Sem eles”, como escreve o Jim Yong Kim, presidente do grupo Banco Mundial, “não temos hipóteses de acabar com a pobreza extrema e impulsionar a prosperidade compartilhada em todo o mundo”. Em Cabo Verde, mudar o perfil da economia é um desígnio nacional, mas vários estudos apontam que potenciais subidas podem ser postas em causa não pelos governos, mas pela administração pública que pode demonstrar pouco interesse por estas reformas nacionais. E este é um dos calcanhares de Aquiles do arquipélago. “Fala-se disso há muitos anos, quer dizer que é uma evidência”, reconhece Belarmino Lucas. “A reforma da administração tem de ir nesse sentido. Precisamos de uma administração pública voltada para a produção de resultados, onde não haja procedimentos pelos procedimentos, mas procedimentos visando um determinado objectivo e que esteja ciente que o papel da administração é fazer funcionar o país com um determinado objectivo, que é a dinâmica da economia, é o desenvolvimento, é atingir os objectivos do desenvolvimento sustentável. Isso implica que tem de haver um compromisso efectivo da administração com todos esses objectivos. O diagnóstico está feito há muito”, salienta o presidente da Câmara do Comércio do Barlavento.
Hoje não há qualquer dúvida que o ranking Doing Business é influente, e não só pelas reformas que originou, serve também de barómetro para qualquer investidor. Não é por acaso que tanto a China como a Índia apostaram forte na mudança da imagem das respectivas economias. Ambos os países apostaram em equipas que têm como única função implementar medidas que os façam subir na classificação. O que aconteceu. A China trepou 32 lugares, a Índia escalou 30 posições. Corre Cabo Verde o risco de afastar potenciais investidores?
“Se o investidor olha para Cabo Verde e a única coisa que analisa é o ranking, vai dizer que o país não lhe interessa para nada”, sustenta Belarmino Lucas, “mas felizmente para nós, os investidores são mais inteligentes do que isso, fazem outro tipo de análises e é com base nelas que decidem se vêm ou não. Mas o facto é que temos de fazer muito mais para que eles efectivamente venham a Cabo Verde”, conclui o presidente da Câmara do Comércio do Barlavento.
“Todos os tópicos são importantes porque no fundo a avaliação do Banco Mundial é uma espécie de montra para os investidores que quando olham para os países potenciais de investimento querem ver as condições do ambiente de negócios”, refere Avelino Bonifácio. “Quando vêem que Cabo Verde não só está numa posição muito recuada como ainda piorou, isso não é bom para o país”, sublinha ainda o economista. Mas para Avelino Bonifácio nem tudo é negativo. “Devemos dar algum crédito à meta do governo, porque a melhoria do ambiente de negócios não é algo que se consegue
num espaço de tempo curto. Tem a ver com medidas legislativas introduzidas, e pela nossa dimensão e cultura não temos capacidade para introduzir várias reformas profundas através de diplomas em simultâneo, mas a melhoria do ambiente de negócios tem a ver também com atitude, sobretudo a atitude ao nível da administração pública, e isso não se consegue no curto prazo”.
No fundo, diz o economista, “esta avaliação pode ser considerada como um alerta ao governo, mas também a toda a sociedade cabo-verdiana, à administração pública, às agremiações empresariais, no sentido em que estamos a perder terreno, não necessariamente porque estamos a piorar, mas porque os outros estão a avançar a um ritmo muito mais acelerado do que nós”. Traçado o diagnóstico, o tratamento é também conhecido, muito trabalho e depressa. “Aparentemente, há algumas medidas que o governo e as câmaras municipais estão a tomar, há diplomas em vias de serem aprovados, o que pode acontecer no final deste ano ou no início do próximo, e que poderão ter impacto já no Doing Business de 2020”, acredita Avelino Bonifácio.
Cabo Verde entre os países africanos
Maurícias 20º
Ruanda 29º
Marrocos 60º
Quénia 61º
Tunísia 80º
África do Sul 82º
Botswana 86º
Zambia 87º
Seychelles 96º
Djibouti 99º
Lesotho 106º
Namíbia 107º
Malawi 111º
Gana 114º
Egipto 120º
Costa do Marfim 122º
Uganda 127º
Cabo Verde 131º
Cabo Verde entre os países da CPLP
Portugal 34º
Brasil 109º
Cabo Verde 131º
Moçambique 135º
São Tomé e Príncipe 170º
Angola 173º
Guiné Bissau 175º
Guiné Equatorial 177º
Timor Leste 178º
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 884 de 07 de Novembro de 2018.