A ASA tem um programa de investimentos, para o período 2018-2020, de cerca de 5,3 milhões de contos, cujos principais objectivos são: a melhoria do sistema ATC; a extensão da pista do aeroporto da Boa Vista e investimento contínuo nos aeroportos do Sal e da Praia; a iluminação/sinalização nas pistas dos aeroportos da Boa Vista, São Vicente e Fogo (sujeito a viabilidade); e a melhoria de operações em condições de visibilidade reduzida na Praia, Boa Vista, São Vicente e nos aeródromos do arquipélago. É também uma das empresas públicas na calha para ser privatizada. E é de privatizações, que falamos nesta entrevista com o Presidente do Conselho de Administração da ASA, Jorge Benchimol Duarte, mas também da competitividade dos aeroportos cabo-verdianos, da estratégia do Hub, da diversificação dos investimentos, no fundo, fazemos uma radiografia ao negócio aeronáutico de Cabo Verde.
Qual é a estratégia por trás dos investimentos da ASA? E quais serão os próximos?
Em primeiro lugar, diria que o sector dos transportes aéreos é de investimento intensivo. Investimento tanto nas infra-estruturas, como na tecnologia e no capital humano. Tudo o que acontece tem de acompanhar uma indústria que é totalmente internacional, em que não podemos estar de portas fechadas, temos de seguir, acompanhar e, muitas vezes, antecipar os aspectos regulamentares, as evoluções tecnológicas e, sobretudo, com a responsabilidade que a ASA tem na gestão dos aeroportos e da FIR oceânica do Sal [Flight Information Region, espaço aéreo delimitado verticalmente desde o chão ou nível médio do mar até o ilimitado e lateralmente pelas FIR’s de Dakar, Canárias e Santa Maria dos Açores. A localização estratégica da FIR do Sal coloca-a na encruzilhada dos maiores fluxos de tráfego aéreo entre Europa e a América do Sul e entre a Africa Ocidental e a América do Norte e Central e as Caraíbas. Presentemente seis rotas ATS estão inseridas no espaço superior da FIR do Sal onde operam, actualmente, cerca de 43.000 aeronaves anualmente]. A FIR, na minha opinião, é talvez das maiores responsabilidades internacionais que Cabo Verde tem. Tudo no silêncio porque nada acontece. E este é um aspecto fundamental do nosso negócio, se está tudo silencioso é porque as coisas estão bem. Porque os milhões de voos que descolam e aterram não são notícia, o que é notícia é aquele que, infelizmente, não tem esse fim normal. Todo o investimento que a ASA tem feito, continua a fazer e há-de fazer sempre tem a ver com a implementação de uma estratégia muito clara e que tem a ver também com a importância dos transportes aéreos para Cabo Verde. Independentemente dos discursos, de décadas, sobre a importância estratégica do país, as coisas acontecem de facto nos transportes aéreos. Diria que não temos capitalizado da forma como podíamos, ou em função do potencial que temos, mas temos acompanhado, e bem, e temos viabilizado o próprio crescimento que o país tem tido. A economia de Cabo Verde ancorada no turismo só funciona se tiver o sector dos transportes aéreos a funcionar em condições. Sem transportes aéreos não há turismo e, consequentemente, temos de estar a acompanhar tudo o que tem a ver com a viabilização das economias das ilhas e do país. Enquadrado numa estratégia de potenciar o que Cabo Verde tem como um activo importante que é a sua posição no Atlântico médio. Há um outro aspecto fundamental, o transporte aéreo em Cabo Verde, sobretudo com o funcionamento deficiente do transporte marítimo, assume um papel ainda mais importante. Nós unificamos, de facto, o território. Estamos a falar dos cidadãos nacionais e dos turistas e nós temos de assegurar essa parte da liberdade que é a mobilidade dentro do território nacional e a partir de Cabo Verde com o mundo. Portanto, os investimentos seguem essa lógica: ser um veículo ao serviço do desenvolvimento e ser sempre parte da solução estratégica que se adopte para o desenvolvimento das ilhas e do país.
Falou da FIR do Sal e a navegação aérea tem representado, de fato, a maior fatia de rendimentos da ASA, mais do que os aeroportos. Este cenário deverá manter-se?
A navegação aérea é o negócio que apresenta uma melhor margem. Pela primeira vez na história da ASA os rendimentos provenientes dos aeroportos ultrapassaram os rendimentos da FIR oceânica no exercício de 2017. O ano de 2017 foi excepcional em várias coisas. Mas voltando à sua questão, se é para continuar, ou não, o sinal está dado que não é bem assim. O negócio da ASA tem o segmento aeroportuário e o segmento da navegação aérea – aqui falamos essencialmente da gestão da FIR oceânica do Sal – em 2017 os rendimentos dos aeroportos ultrapassaram os rendimentos provenientes da navegação aérea, não podemos dizer que é uma tendência para continuar, e poderemos falar depois de 2018 onde temos perspectivas excelentes para a navegação aérea. Estamos com um desempenho muito bom no exercício actual quanto ao tráfego na FIR. Os sobrevoos têm registado um crescimento tanto em número de sobrevoos como no rendimento por cada sobrevoo. E este é um elemento fundamental.
Porquê?
Porque a tendência que havia de 2012 a 2017 era decrescente. A ASA perdeu, em termos de rendimentos, de 2012 até 2017 cerca de um milhão de contos.
E qual foi o motivo?
Há vários factores. Os sobrevoos têm a ver com a dinâmica económica das sub-regiões que ligamos, são voos que passam no espaço que gerimos em função de uma procura e uma oferta que não é gerada por nós. Por exemplo, o tráfego da América Latina para a Europa depende da dinâmica que há entre essas duas regiões e nós servimos essas duas regiões prestando serviços de navegação aérea. Portanto, o volume do controlo de tráfego aéreo que asseguramos não depende de nós. O tráfego entre África e América do Norte, que também usa muita a FIR do Sal, também não é gerado por nós. Resumindo, a dinâmica da oferta e da procura entre as regiões do Atlântico: África, Europa, América do Norte e do Sul é que dita, em grande parte, o que acontece na FIR do Sal. Por outro lado, há um factor importante que é o preço do petróleo, o combustível para os transportes aéreos tem um peso muito grande. E a evolução do preço do petróleo determina muito o que acontece em termos de rendimentos. E tem a ver também com o preço das FIR vizinhas: Santa Maria (Açores), Canárias, Senegal, Trinidad e Tobago, Brasil, porque estamos no meio de várias FIR.
E a nossa é competitiva?
A nossa é competitiva. As menos competitivas condicionam a utilização, ou não, se se desviam ou não da nossa FIR. Quem se desvia das Canárias automaticamente desvia-se de Cabo Verde e vem apanhar apenas uma pequena parte, e o que nós facturámos é em função da distância percorrida dentro da FIR. Estes são os factores a ter em conta: a dinâmica económica das regiões que servimos, a evolução do preço do petróleo – quanto maior for o preço maior é a procura que temos – e a política de preços das FIR vizinhas.
Desviámo-nos para a questão da navegação e deixámos um pouco de lado o negócio aeroportuário.
O negócio aeroportuário tem evoluído de forma consistente, mas temos de realçar que o negócio aeroportuário gera rendimentos mas ainda não o transforma num negócio rentável. Um dos objectivos que esta administração tem é fazer com que os aeroportos em Cabo Verde se transformem num negócio também rentável. E creio que vamos poder alcançar isso no curto/médio prazo. Esse é um objectivo fundamental. E estamos a falar no cômputo geral, porque haverá sempre aeroportos e aeródromos cujos rendimentos não vão cobrir os gastos que têm, serão sempre deficitários.
Estamos a falar de quais?
São Nicolau, Maio, Fogo, o próprio aeroporto da Praia vai demorar algum tempo até se transformar num aeroporto rentável, o aeroporto de São Vicente. Este sector é caro, não é um negócio barato. As pistas custam muito dinheiro, a tecnologia subjacente ao funcionamento de um aeroporto custa dinheiro, a segurança custa dinheiro, a formação do pessoal custa dinheiro. É um sector de investimento intensivo e que, necessariamente, para ser rentável precisa de mercado, claro, e, fundamentalmente, de boa gestão e de políticas públicas que entendam essas duas coisas.
Por essa ordem de ideias, Sal e Boa Vista são os dois únicos aeroportos rentáveis em Cabo Verde.
Sim.
Auto-sustentáveis.
Sim
As mais-valias feitas nesses aeroportos estão a pagar o défice dos outros aeroportos?
Eu disse que um dos objectivos desta administração é fazer com que o negócio aeroportuário seja rentável. Neste momento, como lhe disse, não é. No cômputo geral continuamos a ter um negócio ainda deficitário. Mas a médio prazo, e as metas que temos projectadas apontam nesse sentido, temos de fazer com que os aeroportos se transformem num negócio rentável. O que o Sal e a Boa Vista representam em termos de negócio é importante, porquê? Aí está a ligação entre o sector do transporte aéreo e o turismo. São as duas ilhas que têm maior tráfego internacional, tanto de aeronaves como passageiros, e essa é a essência do negócio aeroportuário. Ainda e em Cabo Verde. Mas há outra vertente importante do negócio aeroportuário que é o negócio não aeronáutico. E os aeroportos, hoje, são lugares onde também aterram e descolam aviões. Também. Os aeroportos do mundo de hoje são centros de negócios, são pontos onde muita coisa acontece, incluindo, repito, a aterragem e descolagem de aviões. E os nossos aeroportos ainda não chegaram a esta fase. Estamos num estágio de desenvolvimento em que, se tomarmos o negócio aeroportuário de forma isolada, as receitas não aeronáuticas representam apensas cerca de 10 por cento do negócio. Já há aeroportos do mundo onde as receitas não aeronáuticas representam mais de 50 por cento. Temos um longo caminho ainda a percorrer para fazer dos nossos aeroportos centros de negócios onde também há algum negócio aeronáutico.
Mas quando fala em tornar rentáveis os aeroportos cabo-verdianos, que tipo de estratégias pode a ASA implementar para o conseguir?
Acho que há uma realidade que vai fazer com que os aeroportos procurem a sua sustentabilidade. O que tem acontecido até agora? Há um negócio altamente rentável que é a gestão da FIR oceânica do Sal e há um outro negócio que não é rentável. Dizendo de outra forma, não houve grande necessidade de recurso a uma gestão mais criteriosa dos aeroportos de modo a torna-los rentáveis.
Porquê?
Porque há o dinheiro da FIR que naturalmente subsidia os aeroportos. Portanto, os rendimentos da FIR até certo ponto têm contribuído para que a gestão pura dos aeroportos tenha sido colocada em segundo plano. Há investimentos, sim. Conseguimos coisas fantásticas para um pequeno país insular com uma micro economia, como termos dois aeroportos que podem emitir voos para os Estados Unidos, os chamados Last Point of Departure. São muito poucos os aeroportos em África que o fazem e dois deles estão em Cabo Verde [Sal e Praia], recentemente reconfirmados. Portanto, todo o sistema aeronáutico tem funcionado e conseguimos ganhos importantes e eu digo sistema porque há um papel importante do regulador, um papel importante da ASA e há um papel importante das companhias aéreas. Portanto, o sistema no seu todo, o quadro legal e institucional existente, proporcionou a este país, com o envolvimento de todos os players, estarmos no ponto em que estamos neste momento. Agora, os desafios para o futuro são grandes. Há uma evolução muito rápida nos transportes aéreos, o mundo prevê alcançar sete biliões de passageiros transportados até 2030, é um desafio enorme dar vazão a tudo isto. E nós temos de acompanhar, tanto em termos de infra-estruturas, como tecnológicos e de capital humano. E temos também de dar o passo seguinte e fazer com que Cabo Verde potencie melhor a sua posição no Atlântico.
Estamos a falar da questão da diversificação da receita.
Exactamente. Nós dependemos muito do turismo e temos um papel de solidariedade nacional que é unificar o território. Por lei, temos de assegurar a manutenção dos aeroportos para garantir a conectividade e a mobilidade, e temos de assegurar que o turismo não se sinta minimamente bloqueado por falta de infra-estruturas aeroportuárias ou de um mau funcionamento do serviço nos aeroportos. São desafios enormes, mas o maior é dar o salto para que o mercado seja maior, para que o negócio tenha uma evolução sustentada e, sobretudo, numa dimensão superior, e fazer com que os transportes aéreos sejam um driver importante do crescimento da economia cabo-verdiana e do seu desenvolvimento. Há uma correlação muito grande entre os transportes aéreos e a criação de emprego, por exemplo. Os aeroportos têm um potencial de criação de emprego muito grande. Temos também esse papel importante. Temos desafios enormes em termos de infra-estruturas, em termos de satisfação das necessidades das ilhas, e eu defendo que independentemente da estratégia nacional as ilhas têm de ter estratégias.
Porquê?
Porque se as ilhas não tiverem um rumo definido, todos estaremos a disparar para alvos móveis e a tentar acertar. E o desenvolvimento não pode ser alcançado dessa forma.
Vamos decompor um pouco tudo o que foi dito. Aumentar o lucro passa por aumentar o tráfego, reduzir os gastos…
(interrompe). Ligo sempre a questão da eficiência. Aumentar o mercado é importante, mas o papel da gestão é fundamental. Se conseguirmos aumentar o tráfego e se formos ainda mais eficientes, estaremos a conseguir o ideal.
E quando estamos a falar em aumentar o potencial de cada ilha, falamos, por exemplo, do potencial turístico. Porque quem vai para o Sal e a Boa Vista não vai com a ideia de apanhar um avião para conhecer outras ilhas. Cada uma delas é que terá de ter uma estratégia de atracção de turistas. No fundo, é como dizia o CEO da TAP ao Expresso das Ilhas a semana passada: a TAP ajudou ao crescimento económico de Portugal e a atractividade do país fez com que a TAP passasse a transportar mais passageiros. No fundo, tudo depende de uma vontade política forte para que tudo funcione?
Acho que independentemente de cada ilha ter uma estratégia, que seja parte da estratégia nacional, também podemos ter ofertas combinadas. Não creio que seja tão difícil combinar Sal e Santiago, ou Sal e São Nicolau, ou São Vicente e Santo Antão. Isto é possível, mas tudo será ficção se não houver um sistema de transportes internos a funcionar, tanto aéreo como marítimo. Sem isso vamos continuar a ter os turistas a chegarem ao Sal e a ficarem no Sal. As estatísticas mostram que a deslocação de turistas entre ilhas é residual, não tem impacto. Mais, havendo procura para as outras ilhas e um sistema de transportes que o garanta também faz com que o mercado interno aumente. Resultado, pode viabilizar as companhias aéreas do mercado doméstico, podendo haver mais do que uma. Aliás, é desejável que haja mais do que uma. Isso faz com que tenhamos um pacote turístico de oferta muito mais atractivo. Num mercado que é cada vez mais competitivo. Temos regiões do mundo a competir com Cabo Verde que já começam a dar sinais de retoma – como o norte de África e a Turquia – e precisamos de uma estratégia muito clara, que não pode ser dissociada dos transportes aéreos.
Quando há pouco referia que o negócio dos aeroportos este ano foi superior ao da navegação aérea, e que foi algo excepcional, presumo que teve a ver com o maior fluxo de turistas que houve também no país.
Estamos a falar de 2018, mas o ano ainda não acabou. Em relação à FIR, de 2015 a 2018 – e em relação a este último falamos da projecção que fazemos até ao final do ano – vamos ter um crescimento médio de 6 por cento em termo de número de sobrevoos. Em termos de rendimento tivemos um decréscimo desde 2012, mas 2018 está com uma tendência de inversão do que vinha a acontecer. Como disse, são os factores, o preço do petróleo, a dinâmica entre as regiões, etc. 2018 para a gestão da FIR está a ser um ano com indicadores bastante bons, contrariamente ao que se vinha registando. Por outro lado, em 2017, como disse, a ASA teve os melhores resultados de sempre. Foi um ano em que os aeroportos começaram a dar sinais de uma dinâmica totalmente diferente, com os aeroportos do Sal e da Boa Vista a terem um desempenho muito bom, o que faz com que o défice nos aeroportos seja mais baixo. Em termos de tráfego de aeronaves tivemos um crescimento médio nos aeroportos, entre 2015 e 2018, de 7 por cento. Nos passageiros, tivemos um crescimento médio de 12 por cento, entre 2015 e 2018, e os passageiros (embarcados e desembarcados) englobam os internos e os externos. 2017 foi de facto um ano excepcional, muito por causa do aumento que houve no transporte doméstico. Entre embarcados e desembarcados, passageiros domésticos, tivemos um aumento de 8 por cento entre 2015 e 2018, no tráfego internacional o crescimento foi de 14 por cento, entre 2015 e 2018.
E sabem porque foi um ano excepcional, tanto no segmento doméstico como no internacional?
O segmento doméstico teve um crescimento excepcional porque, pela primeira vez, Cabo Verde teve duas companhias a operar em regime de concorrência clara durante oito meses. Isso teve uma influência grande na procura, induzida pelos preços, quem ganhou aqui foram os consumidores. Esperamos que haja novamente concorrência no mercado doméstico. Do lado dos aeroportos vamos criar todas as condições para que isso seja possível. Mas no segmento internacional também tivemos um bom crescimento, por causa também do aumento da procura turística no Sal e na Boa Vista. O Sal teve um crescimento médio de 22 por cento entre 2015 e 2018, no segmento internacional. Estamos a falar de uma dinâmica muito boa no tráfego de passageiros. Temos indicadores que nos encorajam, mas há desafios.
Qual diria que é o principal?
A forma como temos de gerir o sector turístico. As duas coisas complementam-se: o turismo viabiliza os aeroportos e os aeroportos viabilizam o turismo. Isto quer dizer que não pode haver uma política para o turismo dissociada dos transportes aéreos no seu todo.
O papel dos aeroportos é o de prestar um serviço, que passa por muito mais do que aterrar e fazer descolar aviões. Uma parte desses serviços é prestada por entidades independentes da ASA, como as alfândegas ou a polícia de fronteira. Como coordenam tudo isso?
Os aeroportos, de facto, são uma zona de confluência. Os aeroportos não são a ASA, a ASA é a entidade concessionária que gere os aeroportos em Cabo Verde, mas os aeroportos são a ASA, é o ground handling, é a polícia, são as alfândegas, são as companhias aéreas, são os concessionários de espaços, são serviços de manutenção, são entidades privadas. A ASA tem um papel importante na criação das condições para que todos desempenhem de forma cabal e um bom desempenho a sua actividade, mas tem de haver uma convergência porque, no fundo, é o aeroporto que está em causa. Quando temos filas de espera para entrar em Cabo Verde porque há défice de pessoal na fronteira, é o aeroporto. Quando uma empresa de handling tem um mau desempenho, é o aeroporto. Quando a alfândega funciona de forma deficiente, é o aeroporto. Por isso, o aeroporto é o ponto que fica. Eu falo sempre do sistema da aviação civil. O papel do regulador é fundamental para que haja cumprimento das regras nacionais e internacionais, com as boas práticas e para que o capital que Cabo Verde conseguiu construir durante décadas continue a ser uma bandeira importante. Temos também de ter em conta que a segurança é vital para o negócio, mas o negócio não é só segurança. Temos de ter aqui uma visão muito mais abrangente que há uma infra-estrutura básica criada em termos regulamentares e institucionais, mas agora é preciso potenciar o negócio sobre essas condições já instaladas. E isso vai exigir melhor gestão, mais investimento, inovação, uma maior interacção com o mundo para que o mercado seja maior. E aqui a liderança do país também é importante. Penso que estamos no bom caminho.
Por falar em negócios, a ASA tem recebido “manifestação de interesse” de companhias aéreas que querem utilizar os aeroportos de Cabo Verde?
Sim, estamos sempre em contacto com companhias aéreas que vêm, que observam e que querem, mas aqui a avaliação não é tanto pelo desempenho dos aeroportos, depende da dinâmica dos negócios das próprias companhias aéreas. Se esta não passar por operações nos nossos aeroportos, as coisas ficam mais complicadas, naturalmente.
O que temos de assegurar é: se quiserem, estamos prontos.
Temos que ser até mais pró-activos. Não é se quiserem, nós é que devemos entender o que querem e o que podemos fazer para que utilizem os nossos aeroportos. E precisamos de outros elementos que compõem o negócio, sobretudo de expandir o mercado. Temos um mercado étnico importante, temos o segmento turístico, mas queremos mais. E aqui falo de tudo o que tem a ver com o desempenho desse papel estratégico que Cabo Verde tem e que tem de ser potenciado.
Do que precisamos para o potenciar?
De parcerias. De entidades, de empresas que já estão no sector e que sabem, provavelmente melhor do que nós, como atrair uma companhia aérea, que incentivos temos de dar. Mas tudo isso requer também avultados investimentos. Eu costumo dizer que tamanho não é documento neste negócio. Os aeroportos do Sal e da Praia são pequenos – O Sal chegou há pouco ao milhão de passageiros – mas podem emitir voos para os Estados Unidos. Há infra-estruturas que custaram centenas de milhões de dólares no continente africano que ainda não satisfazem os requisitos necessários para operar como o tal Last Point of Departure.
Quando fala em parcerias, as privatizações seriam uma solução para as encontrar, por exemplo?
Se analisarmos o que acontece no mundo, a maior parte dos aeroportos tem gestão privada. O figurino – concessão pura e simples ou privatização – será definido pelo governo, está na agenda do governo e definido o figurino a ASA estará preparada para o que o governo entender ser a melhor opção. A missão do conselho de administração é preparar a empresa para o futuro e o futuro da gestão aeroportuária, tudo leva a crer, terá de ser feita por entidades privadas.
Mas estamos a falar de uma das poucas empresas públicas que dá lucro. E quando se aborda a questão da privatização é porque se assume que há um know-how do privado que não há no público. Em relação à ASA, o que pode a gestão privada fazer que a pública não consegue?
Eu defendo que o envolvimento do sector privado deve trazer, no mínimo, três coisas: Know-How, mercado e capital. Essas três coisas temos de procurar. Mercado porquê? Porque não podemos ter a pequena ambição de gerir o que é cativo. Ampliar o mercado tem de ser um dos objectivos e isso consegue-se se Cabo Verde desempenhar um papel que hoje não desempenha nos transportes aéreos. Capital porquê? Porque temos de mobilizar investimentos avultados para o sector aeroportuário, que internamente, e sobretudo com o nível de endividamento que o país tem, é difícil obter. Know-How porque há outros que fazem melhor. Se há possibilidade de, em parceria com nacionais naturalmente, porque não ir buscar o que de melhor existe lá fora para os nossos aeroportos. Mas temos de destingir as coisas. A ASA no cômputo geral é uma empresa sólida financeiramente, mas é sólida porque tem no seu interior o negócio da FIR, porque os aeroportos, se geridos autonomamente, ainda não são rentáveis. Precisamos de investimentos avultados, e investimentos sem mercado fazem com que os resultados sejam ainda piores. Portanto, precisamos de financiamento, precisamos de mercado e precisamos de Know-How. O envolvimento do sector privado não pode ser visto apenas nos sectores onde o Estado não gera lucro, acho que até seria injusto querer envolver o privado na parte menos boa do negócio. Gostaria de realçar que a ASA também detém 100 por cento da CVHandling, actividade fundamental nos aeroportos. Portanto, temos a Cabo Verde Handling que é uma empresa com uma performance muito boa em termos financeiros, mas que também tem desafios. Eu definiria a ASA com as suas três actividades: a gestão da FIR oceânica/navegação aérea, os aeroportos e a actividade de handling.
Dois deles privatizáveis: os aeroportos e o handling.
Sim, nos termos que o governo vier a definir. A actividade de navegação aérea ficará sempre, claro, com o sector público.
Enquanto estamos à espera para saber qual será o modelo, pergunto-lhe se tem havido algum avanço com a Vinci?
Há vários interessados, mas essa é uma parte gerida directamente pelo governo.
Um dos factores de atracção, ou não, dos aeroportos são as taxas aeroportuárias. As taxas cabo-verdianas são competitivas?
De um modo geral, sim. Diria até que algumas taxas são irrisórias – e sabemos, por comparação, onde somos mais ou menos competitivos em relação a outros aeroportos – e nas quais não mexemos há dez anos. E estamos a falar de taxas aeroportuárias, outra coisa é a actividade de handling, que também tem os seus preços. Mas se focalizarmos nos aeroportos, o que se cobra sobre o passageiro doméstico, por exemplo, temos taxas que representam cerca de 1/3 do que os nossos vizinhos cobram. Nos passageiros internacionais estamos bem. No que cobramos sobre as aeronaves também estamos bem. Neste momento temos em estudo uma proposta para a revisão das taxas. Não estou a falar de aumento das taxas, estou a falar de revisão, onde vamos demonstrar onde é possível baixar e onde será necessário aumentar sem inviabilizar absolutamente nada e sem perder competitividade. Estamos num negócio internacional e temos de olhar mais para fora do que para dentro.
Por exemplo, notaram algum impacto por causa do novo aeroporto de Dakar?
Ainda não. E nem sei se vai ter. Repare, o que faz neste momento Cabo Verde? Tem um negócio voltado para dentro. Quando tivermos um negócio voltado para fora, por exemplo, com o conceito de Hub a funcionar, será diferente. Aí estaremos a concorrer directamente com outros aeroportos. Neste momento há alguma concorrência, mas não é nada palpável em termos de negócio. Há segmentos onde podemos ter um papel importante, como na carga, podemos ter um papel importante sendo um ponto de recepção e distribuição de passageiros, e é o que queremos, mas isto é um processo. Não é possível edificar um Hub do dia para a noite. É um processo que requer dos aeroportos um desempenho muito bom em termos de eficiência, em termos de celeridade, requer infra-estruturas – que já temos, mas que exigem sempre mais investimentos – de segurança, entre outras coisas. As operações de um Hub dependem em grande medida da estratégia de uma companhia aérea, em que o aeroporto cria as condições. Há sempre uma companhia aérea por trás: TAP em Lisboa, a Emirates no Dubai, e há muitos outros exemplos.
Lá está, um Hub não depende só de haver espaço aéreo, espaço para estacionar aviões, ou das infra-estruturas.
Não é possível ter um Hub sem aviões. Não é possível ter um Hub sem serviços eficientes. Não é possível ter um Hub sem escala volume. Não pode haver Hub sem preços competitivos. Porque a escala não pode ser um elemento de dissuasão para quem quer escolher entre viajar de um ponto para o outro ou viajar através de uma via, de uma escala.
Acha que a ASA deve estar a par do processo de privatização da Cabo Verde Airlines?
A ASA deve ter a informação necessária. Por exemplo, havendo uma estratégia de Hub, o aeroporto escolhido terá de estar envolvido. E não é só a ASA, é a alfândega, é a polícia, é o handling, todos os players devem estar envolvidos.
Uma última questão. Como disse, tirando dois aeroportos, a gestão de todos os outros é deficitária. Neste contexto, justifica-se a construção de mais aeroportos em Cabo Verde?
Eu digo sempre que depende da estratégia nacional e da estratégia que se tem para as ilhas.
E é boa estratégia construir mais um aeroporto deficitário?
Construir um aeroporto que se sabe, à partida, que vai ser deficitário e se o papel desse aeroporto pode ser colmatado por um outro, pelo menos é de se estudar muito bem porque não temos recursos para desperdiçar. Tem de haver sempre uma lógica e uma estratégia para os investimentos públicos. Veja, os transportes, no seu todo, tanto podem viabilizar como inviabilizar políticas. E os efeitos, as externalidades, positivos ou negativos que um investimento pode induzir no resto da economia têm de ser considerados. Um aeroporto não pode ser visto de forma isolada. Não se pode pensar em construir um aeroporto porque algum dia um avião poderá lá aterrar. Os critérios têm de ser racionais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 886 de 21 de novembro de 2018.