“A SOCIAVE especializou-se no fornecimento de ovos e frangos aos hotéis e o nosso plano de negócios era sempre crescer com o turismo”, diz João Santos ao Expresso das Ilhas. Este era o plano original, o turismo tem aumentado nos últimos anos e, naturalmente, também a produção da SOCIAVE foi acompanhando o desenvolvimento do turismo. “Com a queda acentuada e com a paragem do sector do turismo, a partir de Março, é natural que tenhamos perdido um grande nicho do nosso negócio”.
O mercado de turismo representava para a SOCIAVE cerca de 30 por cento do negócio, e não era só o Sal, Santo Antão também estava com numa dinâmica de crescimento, São Vicente já começava a dar sinais, a Boa Vista, mais esporadicamente por causa dos transportes marítimos.
“No início as expectativas eram outras”, explica o empresário, “que as coisas poderiam ser resolvidas num curto espaço de tempo, mas as expectativas mudam a cada dia e tivemos de travar a produção. Reduzimos a produção de ovos e frangos”.
Esta é uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde a doença atingiu grandes proporções, muitos animais, que estavam destinados à produção, foram abatidos e descartados.
Em São Vicente, além de parar a produção, o SOCIAVE procurou outros mercados e começou a exportar para a Guiné-Bissau. “Para tentar encontrar alternativas e para não dspedir ninguém, esse é o objectivo”, sublinha João Santos. “Temos um grupo grande de trabalhadores, são trabalhadores altamente qualificados e despedir esses trabalhadores seria provocar mais um problema ao país, mas também à empresa, assim que as coisas se normalizarem. Este é que tem sido o nosso dia-a-dia, a procurar alternativas”.
Mesmo assim, estas exportações não compensam a perda do negócio em Cabo Verde. “De maneira nenhuma, nem em quantidade nem em preço, porque o Sal representava uma grande percentagem do consumo da nossa produção. Na Guiné Bissau, o preço a que vendemos é praticamente o do custo de produção”, refere o administrador da SOCIAVE. “Porque para escoar, para ganhar escala e para sermos concorrenciais na Guiné, os nossos preços teriam de ser muito competitivos, até porque temos uma forte concorrência de Portugal e do Senegal. Infelizmente, há cerca de um ano que estamos a tentar ter o estatuto de exportador da CEDEAO, tem sido um processo moroso e complicado e estamos a pagar na Guiné-Bissau 35 por cento do valor da mercadoria”
Este valor não seria cobrado se a SOCIAVE já tivesse conseguido este estatuto e, segundo João Santos, a empresa passaria imediatamente a ter melhores preços do que a concorrência, o que está a emperrar o processo, diz o empresário, é a administração pública cabo-verdiana. “Neste país, tudo o que tem a ver com a função pública, é um problema. Para a CEDEAO, com excepção da MOAVE, que conseguiu o certificado há mais de um ano, ninguém mais neste momento tem o certificado de origem. Esta é uma máquina administrativa que não se entende, para ter uma ideia, vou falar de valores, já exportei para a Guiné Bissau cerca de 30 mil contos, são trezentos mil euros, é um valor considerável, são divisas que estão a entrar no país, imagine se não tivesse pago o despacho na Guiné daria qualquer coisa como 10 mil contos, para além que se não estivéssemos a pagar o despacho, teríamos vendido mais, porque seríamos mais competitivos do que os produtos que vêm de Portugal ou doutros países. É necessário que as pessoas ponham a mão na consciência. Não estou a pedir que ninguém facilite, que a máquina administrativa facilite, mas que, pelo menos, não atrapalhe”.
Como resultado desta conjuntura, os investimentos previstos pela SOCIAVE estão em espera. “Concluímos os investimentos programados para redução de custos, principalmente nas energias renováveis. Já montámos painéis solares, que vai reduzir em cerca de 30 por cento o consumo, estamos a terminar uma estação de tratamento de dejetos para a produção de energia biogás, investimentos que vão reduzir os custos de contexto, mas aumento de produção, ou outros investimentos em calha, não temos”, diz João Santos.
E o futuro é ainda um grande ponto de interrogação. “Ninguém, até agora, pode prever quando é que isto começa a normalizar”, sublinha o empresário. “Agora, à semelhança do que se tentou com a retoma do Sal, quando a ilha não tinha nenhum caso positivo, também já se deveria estar a vender o eixo São Vicente/Santo Antão. É um eixo seguro, os casos de São Vicente estão controlados, penso que o governo já devia estar a pensar numa retoma, mesmo que a título experimental, principalmente para o turismo rural. O de massa pode ser prematuro, mas o de pequena escala poderia já estar a ser trabalhado”.
“Este ano”, conclui João Santos, “e digo com toda a sinceridade, é um ano perdido. Aquele que conseguir chegar ao fim de Dezembro ainda com a cabeça acima da água já será bom. Espero a retoma, com ritmo normal, só para meados do próximo ano com a descoberta e a aplicação das vacinas, e é para essa data que estamos a prever a retoma da produção, para o primeiro trimestre de 2021”.
Os dois impactos nas petrolíferas
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA) com o isolamento social para conter a expansão da COVID-19, a procura por petróleo pode cair em 20%, equivalente a 20 milhões de barris por dia. Sem conseguir ainda estimar nem a duração nem os efeitos económicos da pandemia, o preço do petróleo caiu para o preço mais baixo em 17 anos.
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e os seus aliados, onde se inclui a Rússia - grupo conhecido por OPEP+ - não conseguiram alcançar um acordo para cortar a produção mundial de petróleo, o que baixaria a oferta para responder à diminuição da procura. No seguimento, russos e sauditas, dois dos principais produtores globais de petróleo, digladiaram-se numa guerra de preços, deteriorando os orçamentos dos países produtores de petróleo e lesando a indústria. Calcula-se que estes últimos seis meses deitaram abaixo a última década de crescimento no sector.
“O nosso negócio internacional, em 2019, representou 69 por cento dos volumes distribuídos”, diz ao Expresso das Ilhas Abílio Madalena, director-geral da ENACOL, “dos quais, metade é aviação e a outra metade é transporte marítimo internacional, bunkering. Em resumo, temos um impacto muito significativo”.
“Em relação ao transporte aéreo”, continua o responsável, “o turismo não existe. Tínhamos dois grandes clientes, a TUI, a maior operadora aérea em Cabo Verde, e a Cabo Verde Airlines, que neste momento era o segundo maior operador, estes dois clientes estão parados. Só para ter uma perceção em termos de números, o mercado está 40 por cento abaixo do volume, comparado com o ano passado”.
Este contexto provocou uma quebra acentuada em termos de facturação, porque à quebra de mercado, à volta de 40 por cento, junta-se a quebra significativa no preço dos produtos petrolíferos, à volta dos 60%. “A facturação apanhou com estes dois efeitos, volume e preço dos produtos petrolíferos”, explica Abílio Madalena, “o impacto deve andar nos 65% em relação ao que era a facturação do ano passado. Embora façamos a gestão do negócio por volumes e margens e não por facturação, neste processo, as margens também tiveram um impacto forte, fundamentalmente porque neste processo de lockdown a partir de Março, o que aconteceu é que tínhamos stocks elevados para garantir a segurança dos abastecimentos ao país, stocks comprados a preços de mercado nos meses de Janeiro e Fevereiro, valor esse que no espaço curto de um mês passou para metade. E portanto, tivemos prejuízos brutais, nomeadamente em Abril, Maio e Junho, o tempo que levámos a colocar esses stocks no mercado. No fundo, tivemos de comercializar produtos com margens negativas”.
Como noutros sectores, a ENACOL teve de adiar o plano de investimentos para 2020. “Concretizámos cerca de 20 por cento, e estamos a alocar grande parte dos investimentos para 2021 e 2022. Não estamos a pôr de parte qualquer investimento, vamos mantê-los, até porque a maioria têm a ver com segurança e questões ambientais e temos de fazê-los. O layoff não está em cima da mesa. Todos queremos acreditar que atravessamos a pior fase da pandemia e que estamos a sair desta crise, e eu acredito que sim, mas também acredito que a saída não vai ser fácil”.
Num mercado dos combustíveis super competitivo, a nível global teme-se uma guerra de preços entre gasolineiras para recuperarem as quotas de mercado. Abílio Madalena náo acredita que o mesmo aconteça em Cabo Verde. “Posso falar por mim, quero acreditar que não, porque o mercado em Cabo Verde já é muito competitivo, até porque há também o mercado internacional com quem concorremos. Na aviação não tanto, mas no transporte marítimo em Cabo Verde concorremos com a região, Dakar, Canárias. Ou seja, a competitividade já existe, as margens já são apertadas, por isso não se pode entrar numa guerra de preços para cometer a loucura de perder dinheiro. Numa perspectiva de bom senso e de continuidade da actividade, não me parece razoável”.
Independentemente do sector, esta crise económica é uma situação inédita. Já houve crises em que um sector foi afectado e outros não, e esta afecta todos. “Nunca como este ano todos os meses estamos a fazer previsões”, conclui o director-geral da ENACOL. “Há dois meses, dizia que se nós, em 2021, tivermos um ano próximo de 2019, seria excelente. Na altura acreditava que isso seria possível, hoje já não acredito. A retoma vai ser mais lenta do que aquilo que se previa há dois meses. Provavelmente vamos ter consequências em 2021 e 2022. A recuperação externa vai depender do turismo, assim como do transporte marítimo internacional. Porque ambos têm a ver com a confiança. Enquanto isso não acontecer, mais devagar vai ser o processo”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 981 de 16 de Setembro de 2020.