“Continuem a apoiar Cabo Verde, que retribuímos com resultados!”. Esta foi a última frase do curto discurso de Ulisses Correia e Silva, esta terça, na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas. 570 palavras para encaixar nos cinco minutos a que cada orador tinha direito.
O primeiro-Ministro lidera a participação de Cabo Verde nesta II Conferência dos Oceanos, que decorre em Lisboa desde segunda-feira e vai até à próxima sexta. A Conferência pretende impulsionar a comunidade internacional a adoptar soluções para a gestão sustentável do oceano, incluindo o combate à acidificação da água, poluição, pesca ilegal e perda de habitats e biodiversidade.
As Nações Unidas, com o apoio dos Governos de Portugal e do Quénia, que coorganizam o evento, apelam à acção pelos oceanos – exortando os líderes mundiais e todos os decisores a aumentarem a ambição, a mobilizarem parcerias e aumentarem o investimento em abordagens científicas e inovadoras, bem como a empregar soluções baseadas na natureza para reverter o declínio na saúde dos oceanos.
O chefe do governo levou ao palco a visão de Cabo Verde para com o desenvolvimento sustentável da economia azul, um sinal do interesse do país em demonstrar a importância que atribui ao mar, que representa 99% do tamanho do arquipélago.
“Todos os oceanos estão ligados entre si. Esta é uma evidência que se devia aplicar a muitas outras realidades da vida ambiental, climática, económica e social da humanidade”, disse Ulisses Correia e Silva.
“Os oceanos ensinam-nos que há uma responsabilidade colectiva e global para com a prevenção, regulação, preservação e respostas de mitigação, de adaptação e de mudanças transformacionais que interpela o Homem perante o seu planeta Terra”, sublinhou o primeiro-ministro.
Os oceanos da conferência
Os oceanos abrangem 70% da superfície da Terra, são a maior biosfera do planeta e o lar de até 80% de toda a vida no mundo. Geram 50% do oxigénio que necessitamos, absorvem 25% de todas as emissões de dióxido de carbono e captam 90% do calor gerado por essas emissões. Os oceanos não são apenas “os pulmões do planeta”, mas também o maior depósito de carbono – um amortecedor vital contra os impactos das alterações climáticas.
Os oceanos alimentam uma biodiversidade inimaginável e produzem alimentos, empregos, recursos minerais e energéticos necessários para a vida no planeta sobreviver. Há muito que ainda não sabemos sobre os oceanos, mas há muitas razões pelas quais precisamos de o gerir de forma sustentável – como estabelecido pelo Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 14: Proteger a Vida Marinha.
A ciência é clara: os oceanos estão a enfrentar ameaças inéditas devido a actividades humanas. A sua saúde e capacidade de sustentar a vida só irá piorar à medida que a população mundial cresce e as actividades humanas aumentam. Se queremos abordar algumas das questões mais marcantes do nosso tempo, como as alterações climáticas, insegurança alimentar, doenças e pandemias, diminuição da biodiversidade, desigualdade económica e mesmo conflitos e guerras, temos de agir agora para proteger os oceanos.
As soluções para um oceano gerido de forma sustentável envolvem tecnologia verde e usos inovadores dos recursos marinhos. Incluem também as ameaças à saúde, à ecologia, à economia e à governação dos oceanos – acidificação, lixo marinho e poluição, pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, e a perda de habitats e biodiversidade.
A missão de Cabo Verde
Enquanto Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento (SIDS), exposto e vulnerável aos efeitos prejudiciais das mudanças climáticas, Cabo Verde está na primeira linha pela causa da gestão sustentável dos oceanos e redução das emissões de carbono e em total convergência com o apelo das Nações Unidas para um forte compromisso das lideranças mundiais para salvar os oceanos e proteger o futuro.
“Os SIDS reivindicam legitimamente o reconhecimento das suas especificidades e uma discriminação positiva, como o Índice de Vulnerabilidade Multidimensional, em elaboração, irá demonstrar”, disse Ulisses Correia e Silva em Lisboa.
“Cabo Verde manifesta total convergência e apoio ao apelo das Nações Unidas à acção para salvar os oceanos e proteger o futuro”. Continuou o primeiro-ministro. “Defendemos normas e regras vinculativas de direito que expressem compromissos globais e que possam conduzir à Declaração Universal dos Direitos dos Oceanos. Apoiamos a Resolução da Assembleia das NU pelo Fim da Poluição Plástica e sua aplicação consequente. Defendemos o engajamento firme com o financiamento climático e acordos de dívida externa por capital natural e climático para a aceleração da transição energética, a estratégia da água para agricultura e a transição para a economia azul. Defendemos parcerias fortes no domínio da inovação, do conhecimento científico e de recursos tecnológicos”, continuou o chefe do governo.
Cabo Verde e o mar
Esta terça-feira decorreram diálogos para a promoção de economias sustentáveis, em particular nos países em desenvolvimento. Os perigos que assolam os oceanos são tantos que enfrentamos “uma urgência oceânica”, equivalente à do clima, como disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, na abertura da Conferência.
Três mil milhões de pessoas dependem da biodiversidade costeira e marinha para sobreviver. O oceano fornece quase metade de todo o oxigénio que respiramos e, no entanto, “todos os anos deitamos oito milhões de toneladas de detritos de plástico nos mares, que ameaçam a segurança e sobrevivência das populações de peixes”, tinha sublinhado o Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta.
Para Cabo Verde, como disse o primeiro-ministro, “o mar que antigamente representava partida para a emigração e saudade, hoje representa: turismo; água dessalinizada; exportação de produtos da pesca, aquicultura e da indústria conserveira; segurança alimentar; economia digital através de cabos submarinos de fibra ótica; centro de desenvolvimento de competências e de I&D na economia azul; potencial de exploração da Biotecnologia Azul; potencial de produção de energia limpa; potencial de valorização da localização do país para hub de atividade marítima e para segurança cooperativa marítima”.
Relativamente à segurança marítima, Cabo Verde reafirmou o compromisso para acolher o Centro Multinacional de Coordenação Marítima da Zona G.
Ulisses Correia e Silva falou ainda das reformas, políticas e investimentos que têm sido executados para proteger o mar cabo-verdiano. “Cabo Verde dispõe de: uma Carta de Politicas da Economia Azul, uma Zona Especial de Economia Marítima, um Campus do Mar orientado para o conhecimento, a investigação e a qualificação profissional, cerca de 7% do mar territorial classificado como áreas marinhas protegidas”.
O chefe do governo referiu ainda o Pacto de Sustentabilidade no Turismo, que está em fase de preparação. “Hotéis Verdes, sem plásticos, com energias renováveis, com forte nexo água/energia, com economia circular da água, com veículos eléctricos e com selo de qualidade sanitária. Criamos incentivos ao investimento para o efeito”.
Durante a estadia em Portugal, o primeiro-ministro vai ainda visitar a Universidade de Coimbra, esta quinta-feira, onde, a convite da Universidade, vai proferir a palestra: “Cabo Verde e a gestão da crise da pandemia da COVID 19 e da crise inflacionista derivada da guerra na Ucrânia”.
No mesmo dia, regressa a Lisboa e à Altice Arena, onde será orador num evento da Ocean Race, sobre a “Declaração Universal dos Direitos dos Oceanos”. O evento tem por objectivo lançar um apelo à acção para reunir a comunidade mundial no sentido de reconhecer e proteger o valor intrínseco da Natureza no plano jurídico, no contexto de um dos seus principais ecossistemas, o Oceano.
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Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14: Proteger a Vida Marinha
Adoptado em 2015 como um elemento fundamental da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030 em conjunto com os outros 17 objectivos de desenvolvimento sustentável, o Objectivo 14 sublinha a necessidade de conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos do mundo.
O progresso do Objectivo 14 é orientado por metas específicas que se centram numa série de questões dos oceanos, incluindo a redução da poluição marinha, a protecção dos ecossistemas marinhos e costeiros, a minimização da acidificação, o fim da pesca ilegal e excessiva, o aumento do investimento no conhecimento científico e na tecnologia marinha e o respeito pelo direito internacional que apela à utilização segura e sustentável do oceano e dos seus recursos.
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10 coisas que pode fazer pelos oceanos
- Minimize o consumo de plásticos de uso único. Prefira os sacos de pano e copos reutilizáveis
- Compre alimentos de origem sustentável certificados
- Compre produtos orgânicos para ajudar a reduzir a utilização de fertilizantes e pesticidas industriais que são despejados nos oceanos
- Ao visitar regiões costeiras, procure hotéis e operadores turísticos que tenham implementado boas práticas de sustentabilidade
- Faça todos os possíveis para minimizar a sua pegada de carbono
- Encoraje o seu governo a fazer mais pelos oceanos através de políticas eficazes
- Participe em limpezas de praias e apoie o estabelecimento de áreas marinhas protegidas
- Compre mariscos de origem local para apoiar os “pequenos” pescadores
- Contribua doando ou/e voluntariando-se em organizações que protegem e restauram os oceanos
- Informe-se sobre os oceanos e os desafios que estes enfrentam para o ajudar a tomar decisões informadas e para educar os outros.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1074 de 29 de Junho de 2022.