Lá fora como cá dentro. Os indicadores disponíveis mostram que na área do Euro, nos EUA e no Reino Unido, a confiança dos empresários e dos consumidores continuou a deteriorar-se no segundo trimestre, por causa dos elevados níveis de inflação e dos efeitos prejudiciais que esta tem sobre o custo de vida.
Em Cabo Verde, os indicadores económicos e financeiros de Julho de 2022, publicados este mês, apontam para um crescimento mais moderado da actividade económica no segundo trimestre. Segundo o Banco de Cabo Verde, é esperado um crescimento mais comedido da procura interna, como indica o abaixamento esperado da formação bruta de capital fixo, sugerido pela evolução negativa das importações de bens, de equipamentos e pela redução do ritmo de crescimento das importações de materiais de construção e de transportes.
Já o produto interno bruto (PIB) em volume, segundo dados do INE, registou um crescimento de 16,8% em termos homólogos, no primeiro trimestre de 2022 (11,9% no trimestre anterior). Do lado da oferta, o aumento do valor acrescentado bruto dos ramos de alojamento e restauração, comércio, administração pública, indústria transformadora, transportes, imobiliária e outros serviços, bem como dos impostos líquidos de subsídios, explicam o desempenho da actividade económica nacional entre Janeiro e Março de 2022.
Lá fora, o enquadramento da economia evoluiu menos favoravelmente no segundo trimestre de 2022. Consequências económicas do conflito na Ucrânia e dos bloqueios relacionados com a Covid-19 na China. Os indicadores disponíveis para a Área do Euro, EUA e Reino Unido, apontam para um crescimento económico mais moderado no segundo trimestre, com a guerra na Ucrânia a continuar a pressionar os preços da energia e de outras mercadorias, causando novas perturbações nas cadeias de abastecimento globais e aumentando a incerteza.
O preço médio do barril de brent, que serve de referência para o mercado cabo- -verdiano, aumentou 60,2%, em termos homólogos, em Junho de 2022, fixando-se nos 117,4 dólares (73,3 dólares em Junho do ano passado). Nos primeiros seis meses de 2022, o preço do barril de brent cresceu, em média, 62%, quando comparado com o período homólogo. Esta evolução tem uma série de causas: desde os constrangimentos nas cadeias de abastecimento por causa da guerra na Ucrânia, passando pela interrupção das importações de petróleo russo decretada pela União Europeia, pelas reduções do stock de crude nos EUA e da capacidade de produção na Líbia, pelo anúncio de novas sanções económicas ao Irão por parte dos EUA e pelo alívio de algumas das restrições relacionadas com a Covid-19 por parte da China.
O food price index da FAO (índex de preço dos alimentos), em Junho de 2022, aumentou 23,1% em termos homólogos (aumento de 34,3% em Junho do ano passado). Do início do ano até aos finais de Junho, aumentou em média 25,1% em termos homólogos. Esta evolução dos preços dos alimentos é devido, em grande parte, às restrições de oferta provocadas pelas interrupções nas cadeias de abastecimento globais por causa da guerra na Ucrânia.
Inflação em Cabo Verde
As pressões inflacionistas no país continuaram a aumentar em Junho, com as taxas de inflação homóloga (8,2%) e média anual (5,5%) a prosseguirem as trajetórias ascendentes, de acordo com o INE (em Março, estas taxas foram de 7,6% e 3,8%, respectivamente).
Este aumento dos preços é explicado pelas subidas nas classes: “Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas”, “Transportes”, “Vestuário e Calçado” e “Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis”. Esta trajectória reflecte igualmente o aumento dos preços internacionais das matérias-primas energéticas e não energéticas e a transmissão aos preços internos, bem como as restrições na oferta de alguns produtos face a uma procura interna crescente.
A inflação homóloga subjacente, ou seja, sem as componentes energia e bens alimentares não transformados do índice de preços no consumidor, fixou-se em 6,35% em Junho, 1,9 pontos percentuais abaixo da taxa de variação homóloga do índice agregado, o que significa que estas componentes mais instáveis do cabaz de consumo nacional (sobretudo, a energia) continuam a determinar a evolução dos preços pagos pelo consumidor.
Contas externas
Dados disponíveis apontam para uma contínua melhoria das contas externas em relação ao trimestre homólogo. O stock das reservas internacionais líquidas aumentou, em Junho de 2022, cerca de 103 milhões de euros, para os 620,6 milhões de euros, passando a garantir 7,1 meses de importações de bens e serviços.
Diz o BCV que apesar da esperada deterioração da balança de bens e redução dos influxos líquidos de financiamento para a economia (devido à queda dos desembolsos líquidos da dívida pública, com o esperado aumento das amortizações de capital da dívida), a evolução das contas externas em termos homólogos, no segundo trimestre de 2022, deverá beneficiar novamente de um excedente na balança de serviços, por causa do aumento que se espera nas exportações de serviços, sobretudo nas receitas vindas das viagens de turismo e de transportes aéreos no contexto da retoma.
No primeiro trimestre de 2022, a balança corrente já tinha registado um superavit de 508,1 milhões de escudos (no primeiro trimestre de 2021 tinha havido um défice de 7.689,5 milhões de escudos), explicado pelos aumentos registados nas exportações de serviços, em particular, nas receitas provenientes de viagens (485,3%) e transportes (85,5%) assim como nas remessas de emigrantes (29,8%) e outras transferências correntes privadas (14,9%).
O aumento das importações de bens e serviços (28,9%), dos pagamentos de juros da dívida pública, bem como, a redução das transferências correntes oficiais (24,7%) contribuíram, entretanto, para atenuar a evolução da balança corrente. O investimento directo estrangeiro realizado no país aumentou em 16,2%.
Crédito
O crédito líquido ao sector público administrativo aumentou 8,6 % face a Dezembro de 2021, em resultado do crédito ao governo central, que cresceu 13,9% (15,2% no período homólogo), explicado pelo aumento em mais 13.330,8 milhões de escudos no stock de bilhetes e obrigações do tesouro, dos quais, 69,4% foram subscritos pela banca nacional e 30,6% por outras entidades.
O crédito à economia cresceu 1,6% em relação a Dezembro de 2021, um abrandamento quando comparado com o crescimento de 2,5% registado no mesmo período do ano passado. Esta evolução justifica-se pela menor concessão de novos créditos, pelo processo de phasing-out gradual do serviço da dívida dos contratos de crédito sob o regime das moratórias que se iniciou em Julho do ano passado, bem como pela menor utilização das linhas de crédito Covid-19 garantidas pelo Estado no período.
A 30 de Junho de 2022, dados provisórios indiciam que o stock de crédito sob o regime das moratórias era de 10.921,6 milhões de escudos (menos 15.981,6 milhões de escudos face a Dezembro de 2021), representando cerca de 8% do stock agregado do crédito à economia e aos governos locais. O stock de crédito concedido no âmbito das linhas de crédito Covid-19 com garantia do Estado, a 30 de Junho de 2022, era de 3.214,2 milhões de escudos.
Contas públicas
As contas públicas tiveram uma melhoria, com o défice a fixar-se nos 3.518 milhões de escudos, em Maio de 2022 (défice de 6.347 milhões de escudos no período homólogo). Esta evolução ficou a dever-se, essencialmente, ao aumento das receitas de impostos e das outras receitas.
Indo ao encontro da contínua recuperação da actividade económica nacional, do agravamento de impostos sobre alguns produtos e da retoma dos serviços públicos, as receitas de impostos cresceram 32,6% e as outras receitas 44,9%, em termos homólogos.
Houve um aumento na arrecadação dos impostos sobre o valor acrescentado (47,9%), sobre o rendimento de pessoas singulares (8,8%), sobre as transações internacionais (37,3%) e sobre o consumo especial (89,6%), bem como um aumento das receitas provenientes da venda de bens e serviços (cobrança de taxas) em 52,5%.
Há ainda a registar, segundo os indicadores económicos e financeiros, as reduções no imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas em 0,9%, reflectindo o impacto da recessão económica registada no ano anterior e o pagamento dos impostos em prestações; nas transferências (donativos) em 32,0%, em particular, provenientes de organizações internacionais e das administrações públicas, bem como nas receitas provenientes de rendas de outras concessões no sector das pescas em 19,8%, em termos homólogos.
As despesas correntes (de funcionamento e de investimento) aumentaram 5,8%, por causa da subida nos gastos, sobretudo com pessoal, em 5,4%, com a aquisição de bens e serviços em 12,7% (a execução do projecto “Ocean Race Village”, assistência técnica de residentes e outros pagamentos), com os juros da dívida interna e externa (em 27,7%) e com as outras despesas correntes em 54,6% (pagamento às organizações não governamentais da subvenção do Estado referente às eleições autárquicas de Outubro de 2020, da participação da seleção nacional de futebol na Copa da África das Nações, bem como de indeminizações).
Por outro lado, há a registar a redução dos benefícios sociais (em 7,9%), com o pagamento do rendimento social de inclusão às famílias mais afectadas pela pandemia e das transferências correntes em 10,6%, aos municípios, devido às transferências excepcionais no ano anterior no âmbito dos apoios para enfrentar a pandemia e à descontinuidade da medida adoptada pelo Governo de discriminação positiva para os municípios com uma população inferior a 15.000 habitantes.
A necessidade de financiamento do Estado determinou um aumento no endividamento interno liquido de 4.520,3 milhões de escudos, tendo o Estado recorrido aos bancos e outros credores nacionais, num montante bruto de, respetivamente, 3.936,9 milhões de escudos e 3.313,5 milhões de escudos. O endividamento externo líquido, por seu turno, foi negativo, com as amortizações a superarem os desembolsos (de 903,8 milhões de escudos).
O stock da dívida do Estado incluindo e excluindo os Títulos de Rendimento de Mobilização de Capital (TRMC), a 31 de Maio de 2022, aumentou para, respectivamente, 302,4 mil milhões de escudos e 291,0 mil milhões de escudos, representando 154,2% e 148,4% do PIB projetado pelo Banco de Cabo Verde para 2022.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1081 de 17 de Agosto de 2022.