O memorando do BM – Navegar em Mares Agitados: Acelerar o Crescimento e Fomentar a Resiliência às Alterações Climáticas – divide os outros Pequenos Estados Insulares em pares estruturais (Samoa, São Tomé e Príncipe e Vanuatu) e pares aspiracionais (Maurícias, Seychelles, St. Kitts e Nevis e Santa Lúcia). Os pares estruturais são países que partilham características económicas e dotações semelhantes, enquanto os pares aspiracionais são países que conseguiram crescer de forma mais rápida e sustentável do que Cabo Verde, apesar de partilharem condições estruturais semelhantes.
Como sublinha o BM, o modelo de desenvolvimento de Cabo Verde tem dado sinais de fadiga desde a crise financeira mundial de 2008. O crescimento caiu de uma taxa média anual de 7,5% na década dos anos 2000 para 2,8% na última década (excluindo 2020) e continua a ser volátil.
Em termos comparativos, Cabo Verde tem poucas “dotações de factores” que podem contribuir para o crescimento económico. Desde a independência, o capital social per capita de Cabo Verde diminuiu em relação aos seus pares aspiracionais, bem como em relação à média dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. Em média, entre 1975 e 2005, o stock de capital per capita de Cabo Verde cresceu 3,8% por ano, enquanto nos países pares aspiracionais cresceu 7,1%, e 5,1% nos SIDS.
A dinâmica histórica de crescimento incluiu três fases principais, começando com o legado pós-colonial, que abrange desde a independência em 1975 até 1990. Este período registou um crescimento relativamente baixo (3% ao ano, em média), marcado por um baixo investimento e um sistema político de partido único. A segunda fase, o período reformista, decorreu de 1991 a 2008 e caracterizou-se por reformas estruturais que atraíram o investimento directo estrangeiro (IDE). As principais reformas incluíram a democracia multipartidária, a ligação do Escudo ao Euro e a adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC). A taxa média de crescimento anual atingiu 6,8% e o país saiu do estatuto de país menos desenvolvido em 2007. A terceira fase, o período de desequilíbrio fiscal, começou durante a crise financeira mundial em 2009, quando o PIB real registou uma contração de 1,3%. O governo respondeu com uma política fiscal contracíclica de investimento público, no entanto, esta política não devolveu o país à trajetória de crescimento anterior, em vez disso, aumentou a dívida pública para quase 130% do PIB em 2019. O crescimento médio anual entre 2009 e 2019 foi de 2,4%.
Em geral, nas últimas três décadas, o crescimento abrandou e é muito mais volátil do que em países comparáveis. A taxa de crescimento anual de Cabo Verde caiu de uma média de 10,1% na década de 1990 para 7,2% na década de 2000, e para 1,2% na década de 2010. No entanto, a volatilidade do crescimento manteve-se estável.
Produtividade
A produtividade em Cabo Verde é baixa e cresce lentamente, diz o BM. “Esta situação é preocupante dado o baixo nível inicial e as anteriores taxas negativas de crescimento homólogas em 2009-10 e 2013-15”, refere o memorando. A produtividade diminuiu significativamente na agricultura, enquanto a indústria registou um crescimento positivo muito forte em 2016-2019. No entanto, a produtividade no sector dos serviços, que constitui a maior parte da economia, cresceu apenas 0,7%. O país não conseguiu alcançar os seus pares aspiracionais, e está mais atrasado: em 2009, a produtividade do trabalho de Cabo Verde era de 42% do nível dos seus pares, mas tinha recuado para 39% em 2019.
A baixa produtividade de Cabo Verde limita o potencial da economia. Entre os países pares de Cabo Verde, apenas São Tomé e Príncipe tem uma produtividade mundial ligeiramente inferior, medida pelo valor acrescentado por trabalhador. Em média, uma firma em Cabo Verde precisa de 2,5 vezes mais trabalhadores para produzir o mesmo que os homólogos pares aspiracionais, e de 1,5 vezes mais do que os pares estruturais. O crescimento da produtividade é também relativamente baixo, o que limita o crescimento económico e impede a recuperação. O crescimento médio da produtividade do trabalho, entre 2016 e 2019, foi de 1,9%, inferior ao das Ilhas Maurícias e da Samoa.
As grandes firmas, as firmas estrangeiras, os exportadores e as firmas mais antigas têm, em média, uma produtividade mais elevada.
As principais áreas que travam a produtividade das empresas em Cabo Verde
Alocação ineficiente de recursos: A alocação ineficiente de recursos é o principal obstáculo à produtividade agregada, especialmente dentro dos sectores. Isto implica que o capital e o trabalho nem sempre passam para as firmas que os podem utilizar mais eficientemente, e que as políticas de apoio nem sempre são dirigidas para as firmas mais produtivas. Há várias opções políticas para reduzir esta alocação ineficiente, como o aumento da concorrência, a abertura dos mercados ao comércio e ao investimento, a eliminação de regulamentos onerosos e o aumento do acesso aos factores de produção.
Capacidades empresariais fracas: as firmas com sólidas capacidades – especialmente em inovação, adopção de tecnologia, práticas de gestão e marketing, e competências da força de trabalho – melhoram a produtividade e, portanto, o crescimento.
Inícios de actividade improdutivos e saídas ineficientes: A produtividade das novas empresas em Cabo Verde é significativamente menor do que a das empresas já estabelecidas, retardando a produtividade geral e o crescimento da produtividade. Embora seja de esperar que as empresas mais antigas sejam um pouco mais produtivas do que as mais recentes, as grandes diferenças existentes em Cabo Verde exigem intervenções políticas.
Falta de acesso ao financiamento: Apesar dos esforços feitos recentemente, o acesso ao financiamento é um obstáculo maior em Cabo Verde do que para a média da África subsaariana.
Crescimento
Os factores determinantes de crescimento são o IDE, o turismo e as remessas. A recuperação do crescimento em 2016 foi impulsionada por elevadas taxas de investimento, principalmente na construção de infra-estruturas para promover o turismo. Entre 2016 e 2019, o investimento contribuiu com 2,6% para o crescimento do PIB, cerca de metade do crescimento observado, e no lado da oferta, a construção contribuiu com quase 20%.
Os níveis elevados de IDE (em percentagem do PIB) fazem de Cabo Verde uma excepção no cenário mundial. O stock de IDE em relação ao PIB, que mede o papel do capital externo na economia, representou 100% do PIB durante o período 2016-2019, um valor significativamente mais elevado do que o dos países pares aspiracionais.
Grande parte do investimento tem sido dirigido ao sector do turismo, que representa directamente cerca de um quarto do PIB e quase metade dos empregos formais, particularmente para as mulheres.
As chegadas de turismo aumentaram 20 vezes desde meados da década de 1990, tornando o sector dos serviços num factor determinante do crescimento. Isto provocou uma transição estrutural, de uma economia dependente das remessas e da ajuda pública ao desenvolvimento para uma economia em que as entradas de capital privado e as exportações de serviços – basicamente as receitas do turismo – são as fontes dominantes de receitas externas.
O sector do turismo, incluindo os sectores do alojamento, comércio grossista e retalhista, representa cerca de 25% do PIB, gera cerca de 45% do emprego formal e representa 55% do total das exportações de bens e serviços. Se os efeitos indirectos do turismo na economia forem igualmente contabilizados, a contribuição para o PIB atinge 44%.
As remessas apoiaram o investimento e o consumo privado e proporcionaram estabilidade ao sector financeiro. Os fluxos de remessas têm registado, em grande medida, uma tendência crescente desde o fim da crise financeira mundial, aumentando de 8% do PIB em 2008 para quase 13% em 2020.
As remessas (em percentagem do PIB) são mais elevadas em Cabo Verde do que em qualquer outro país homólogo, excepto a Samoa. Em média, cerca de 1 por cento da população de Cabo Verde emigra todos os anos, e as suas taxas líquidas de emigração são quase o dobro das taxas dos países pares aspiracionais e da média dos SIDS.
Entretanto, o choque resultante da pandemia provocou a maior contracção económica registada e expôs as vulnerabilidades do modelo de crescimento. Como resultado, o PIB caiu 14,8 por cento em 2020 (15,7 por cento em termos per capita), o segundo maior declínio na África subsaariana.
Invertendo os ganhos obtidos desde 2015, a taxa de pobreza nacional (baseada na linha de pobreza de renda média inferior a 3,2 dólares por dia) aumentou de 10,2% em 2019 para 14,7% em 2020.
O impacto da guerra na Ucrânia piorou a inflação em 2022, aumentou a insegurança alimentar dos mais vulneráveis e agravou a desigualdade. Os preços aumentaram 7,9% (numa base anual). A inflação anual para alimentos e bebidas e energia foi de 15,7% e 10,1%, respectivamente. Como o país importa cerca de 80% dos seus produtos de consumo, a elevada incidência dos preços internacionais sobre os preços internos afecta desproporcionalmente os mais pobres. Cerca de 9% da população foi considerada em situação de crise, emergência, ou de fome em Junho de 2022.
Os progressos na redução do peso da dívida pública foram apagados pelos efeitos combinados da pandemia e da guerra na Ucrânia. A dívida pública, em declínio desde 2017, aumentou de 114% em 2019 para cerca de 126,2% do PIB em 2022.
Turismo
O turismo continuará a ser um factor essencial de crescimento para Cabo Verde. Os turistas representam entre 17% e 20% do consumo doméstico total de carne, peixe e fruta. No entanto, cerca de 80% dos alimentos e bebidas consumidos pelos hotéis e resorts turísticos são importados. Além disso, 90% dos quartos de hotel são oferecidos por três ou quatro cadeias de resorts internacionais “tudo incluído”, que não gostam de correr riscos e dão prioridade ao volume, qualidade, certificação, rastreabilidade e fiabilidade da entrega. Todos estes elementos representam um desafio para os produtores locais em Cabo Verde.
O fraco desempenho da logística entre as ilhas não contribui para integrar a produção interna de alimentos em mercados de consumo com perspectivas promissoras, como os grandes hotéis. A fiabilidade do transporte marítimo entre ilhas é a preocupação mais comum. Os tempos de navegação pouco fiáveis e os atrasos são um impedimento no transporte de mercadorias perecíveis, bem como no cumprimento de encomendas e no fortalecimento das relações comerciais.
Infraestruturas
Como refere o BM, os serviços portuários são insuficientes e caros. As tarifas dos serviços de transporte marítimo em Cabo Verde são também relativamente elevadas – em parte devido a um ambiente operacional difícil.
As tarifas oficiais, nos portos, para o manuseamento de carga são mais elevadas do que as aplicadas pelos pares regionais, que dispõem de melhores equipamentos. Com excepção de Monróvia, todos os portos têm guindastes de cais. Ao alugar equipamento ENAPOR por hora, não há qualquer indicação da produtividade que o utilizador pode esperar. Existem exemplos de equipamentos que chegam e são deslocados com apenas alguns movimentos, enquanto o utilizador paga por uma hora de aluguer. Quando o equipamento regressa mais tarde, é cobrada mais uma hora. Todas estas ineficiências são transmitidas aos utilizadores sob a forma de custos de transporte mais elevados.
Já uma comparação com as rotas na Indonésia e nas Filipinas (ambas nações arquipélago) sugere que as tarifas de frete são significativamente mais elevadas em Cabo Verde tanto para serviços de contentores quanto para os de carga de menos de um contentor.
Os elevados custos de transporte interno limitam a conectividade das empresas nacionais com o sector do turismo. Embora o governo tenha privatizado o transporte marítimo entre ilhas, a frota marítima é ainda inadequada e não foi adaptada ao tráfego entre ilhas, prestando um serviço insuficiente e pouco fiável. Isto manteve os custos do transporte marítimo entre ilhas elevados, desgastando a vantagem competitiva dos produtos de nicho de mercado locais, incluindo produtos hortícolas, lácteos e da pesca, através das várias ilhas, e constituindo uma barreira importante para uma maior integração da economia nacional.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1129 de 19 de Julho de 2023.