Começo por lhe perguntar que país encontrou e que país é que deixa. O balanço passa muito por aí.
Eu comecei a trabalhar em Cabo Verde em Julho de 2020, numa altura em que o mundo se encontrava num momento muito difícil, no meio da pandemia do Covid. E cheguei aqui num contexto de onde a gente precisava dar respostas urgentes à questão sanitária. Um país com a economia completamente fechada por conta da dependência do turismo. E tudo um pouco parado do que se tinha resolvido em termos de desenvolvimento do país. E o primeiro foco, acho que os primeiros seis meses cá, foram realmente resposta à situação sanitária e fazer tudo o que era necessário para se reabrir o sector do turismo. Mas com uma surpresa muito boa também, que é a visão do governo, o PEDS I, que já existia, com uma visão muito clara do que tinha de se fazer, além dessa resposta. Então, acho que se conseguiu trabalhar na resposta imediata, na reabertura de um sector que era muito importante. E com uma visão de que se precisava mudar um pouco esse tipo de desenvolvimento do país. O Turismo vai continuar sempre a ser a base do que Cabo Verde é, mas como é que se faz isso de uma forma diferente? Eu acho que se adiantou um pouco o que se tinha feito e viu-se a necessidade de se fazer mais rápido. Então, ao mesmo tempo, nós conseguimos apoios técnicos e financeiros para resolver o problema mais imediato, mas também focar na implementação da visão do governo, do PEDS e da nossa parceria com Cabo Verde. Tínhamos um programa de implementação de seis anos de apoio em áreas críticas, na questão do capital humano, social, educação, mas também no desenvolvimento do sector privado, pelo que tudo foi antecipado. Conseguimos concluir o programa, que era para seis anos, em menos de três anos e com um valor três vezes maior do que era previsto. E penso que a visão do governo continua. O novo PEDS mostra que as áreas de desenvolvimento não mudaram muito, mas a urgência de se fazer algumas coisas que é muito maior em algumas áreas.
Quais foram os grandes projectos? O que é que mais a marcou enquanto representante do Banco Mundial em Cabo Verde? Que projectos é que a marcaram e que procurou levar em frente?
Eu acho que é a resposta sanitária ao Covid e o trabalho na questão da vacinação. Cabo Verde foi super avant-garde, mesmo em termos do Banco Mundial, ao identificar a necessidade de se colocar o dinheiro para a vacina quando ainda não existia vacina. Eu acho que a resposta ao Covid foi muito importante. E acho que alguns programas que nós tínhamos, que já haviam sido implementados pelo Ministério das Infra-estruturas, de infra-estruturação do governo, e algumas estradas críticas, para mim, são importantes. É por isso que vamos praticamente triplicar o volume de investimentos. Estradas como a do Tarrafal de Monte Trigo, em Santo Antão, ou a da Ribeira dos Picos, aqui na Ilha de Santiago, são infra-estruturas que são importantespara o desenvolvimento económico das famílias que são mais dependentes de agricultura e das pescas. Acho que a nossa mudança programática de não se ver infra-estruturas separadas e se ver realmente como é que conseguimos mudar a dinâmica de uma área, de uma certa região, foi uma das áreas mais impactantes que nós tivemos nesses últimos anos.
E acha que já são visíveis os resultados dessa tentativa de mudança?
Eu acho que sim. É uma mudança até de como o governo trabalha connosco em termos de identificar novas actividades. Acho que o novo programa PRRA, que estamos a negociar esta semana, mostra claramente a importância de se seleccionar e de ter actividades mais regionalizadas. Já se vê o que está sendo feito em Santo Antão, em São Vicente em termos de turismo e todas as infra-estruturas que vão ao encontro disso. Acho que já se começa a ver uma dinâmica diferente de melhoria de transporte aéreo, de mais conectividade e de uma parceria muito mais forte com o sector privado. Acho que se começam a ver agora esses resultados.
Uma das iniciativas tem sido a construção de estradas de desencravamento de localidades que estavam isoladas. Que benefícios é que resultam dessa infra-estruturação?
Se não conseguirmos chegar a essas populações, essas populações não conseguem chegar aos hospitais. Há toda essa parte social, mas também tem toda a parte económica de se poder escoar a produção de produtos que muitas vezes estavam perdidos. Acho que a Ribeira dos Picos, para nós, é um exemplo clássico, onde se vê algumas pessoas que perdiam um grande percentual das suas produções agrícolas cá na ilha de Santiago e que actualmente montaram pequenas empresas de distribuição que têm alguns produtos que já vão para a ilha do Sal. Eu acho que a importância de se chegar a essas comunidades é enorme, não só nessa área económica, mas também para que eles possam ter acesso aos hospitais, possam ter acesso às escolas. E eu penso que o impacto disso já se está a ver. Eu acho não fizemos um trabalho muito bom de avaliação de impactos e que nessa nova geração de projectos do Banco olhamos muito mais para a performance em resultados do que só para investimentos. É muito fácil dizer que se financiou uma estrada de 5 km. Mas quais foram os impactos nas pessoas? Eu considero que daqui para diante vamos ter resultados baseados em impactos. Inclusive, o modo de financiamento do Banco a Cabo Verde vai mudar. Em vez de nós financiarmos actividades, vamos começar a financiar resultados. Então, pagamentos por resultados obtidos com alguns investimentos.
Falava também de um novo PRRA...
O mais importante do PRRA vai ser a parte de urbanização e investimentos em mais estradas de desencravamento. Antes tínhamos dois projectos separados, de fazer estradas num local e investimentos urbanos noutro. Agora essa é a visão conjunta de entrar com os dois programas. Vai ser um pacote novo, sendo a primeira fase em torno de 40 milhões de dólares. Já há uma segunda fase programada para mais 30 milhões. Ou seja, um envelope global de 70 milhões realmente localizado onde se entra com a infra-estruturação, mas entra também com a parte urbana e isso ligado aos nossos outros projectos na área da economia azul ou do turismo. Tudo para que se possa realmente ter um impacto real a nível regional.
Pela primeira vez aqui em Cabo Verde ouviu-se falar na participação da IFC em iniciativas de financiamento de empresas nacionais. O que é que levou a IFC a olhar para o país?
Cabo Verde é um dos países-piloto onde o representante residente também representa a IFC (International Financial Corporation). Foi uma coisa muito inicial, acho que é um dos primeiros países onde nós fazemos isso. Nós não tínhamos uma presença local em Cabo Verde. Abrimos um liaison office em 2019 e eu fui a primeira representante local já com esse chapéu dos dois (Banco Mundial e IFC) e com a missão de ter mais atenção sobre quais os projectos poderiam ser financiados pela IFC. Com isso, aumentamos a nossa presença em Cabo Verde, passamos de quatro pessoas no Banco para as 16 que temos hoje. Estamos a passar por um processo de repensar o Banco, o que deveria ser e essa questão do sector privado e os financiamentos do Banco. Estando eu cá aqui, e a minha área também é o sector privado, ajudou um pouco e conhecendo a IFC nós conseguimos identificar que tipo de investimento a instituição poderia fazer e chamar as pessoas do sector. Estamos a olhar agora para o sector dos aeroportos com o estudo que foi feito pelo Banco Mundial, mas a IFC também está a financiar, além dos aeroportos, alguns hotéis. Estou em crer que nos próximos anos a presença da IFC aqui vai ser ainda maior no país.
Uma das áreas em que o Banco Mundial também investiu bastante foi na formação para o emprego junto das famílias mais pobres. Que balanço é que faz desse programa?
Fez-se um programa piloto nessa questão da inclusão produtiva que agora vai ser ampliado no projecto Capital Humano. Os resultados estão a começar a surgir. Mas quando se conversa com as famílias que receberam não só o RSI, que cobre os seus custos básicos, e que puderam economizar para poder investir no seu negócio próprio, e com a capacitação em algumas áreas específicas, já se começa a ver as pessoas saindo da pobreza. Algumas delas já mudaram, no cadastro social, do grupo 1 para o grupo 2. Foi um programa pequeno. Notámos que existia uma necessidade muito grande também em trabalhar em tudo que é creche, porque muitas das famílias que estão nos grupos mais pobres são lideradas por mulheres e por mais que se capacite, se elas não têm com quem deixar os filhos, não conseguem fazer isso. Agora, nesse novo programa, a ideia é atingir 5 mil das 12 mil famílias que estão no nível de pobreza extrema. Queremos também reforçar, na área do RSI, a inclusão produtiva com apoio nos municípios. Vemos que este pacote integrado de apoio às famílias tem um impacto muito maior do que essas actividades que são dispersas. Daí o trabalho no cadastro social único, de este ter um feedback do sistema. O cadastro sempre foi utilizado para seleccionar as famílias, mas não se tinha esse retorno, o que tornava difícil saber que família estava a receber o quê. Agora é mais fácil.
Que projectos acha que, numa perspectiva de futuro, deveriam ser aposta do Banco Mundial?
Penso que nós vamos continuar nas mesmas áreas de apoio que estão muito ligadas ao PEDS. Como falei antes, vamos mudar um pouco a mecânica de se apoiar o governo. Por exemplo, no capital humano vamos continuar com o foco na educação, formação profissional, mas também nessa questão da inclusão produtiva. Mas, em termos de performance e não actividades específicas. Também estamos a ver que as necessidades em algumas regiões são diferentes de outras. Por exemplo, quando se vê o perfil da pobreza no país do modo geral. O custo de vida no Sal é muito diferente do de Santiago, por exemplo. Muitas vezes tem-se pobreza no Sal que não é identificada nos sistemas normais, mas encontra-se áreas de pobreza muito mais acentuadas. Assim, no próximo projecto de capital humano vamos focar-nos no apoio às famílias mais vulneráveis do Sal.
Cabo Verde tem sido um país, em termos económicos, de uma monocultura relacionada com o turismo. Quais deveriam ser as áreas em que Cabo Verde deveria investir?
Penso que o governo já tem uma visão muito clara das áreas em que quer investir. Estão bem identificadas no PEDS. São as áreas que nós temos apoiado. Eu acho que há uma aposta clara do governo em tudo que tem a ver com o digital. Tem também uma aposta em tudo que tem a ver também com um turismo diferente. O turismo all inclusive que temos actualmente em duas ilhas transformou o país, não se pode negar. Mas agora tem de se ver como fazer a ligação desse tipo de turismo com um turismo mais permanente e que se estenda para as outras ilhas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1137 de 13 de Setembro de 2023.