Vai sair um novo Outlook elaborado pelo Banco Mundial. Quais são as perspectivas para a economia cabo-verdiana?
No Outlook, que vai sair daqui a algumas semanas, já temos alguma noção de que as coisas estão a melhorar. Cabo Verde vinha numa trajectória muito boa, mas a COVID criou uma problemática muito grande não só para Cabo Verde, mas para todos os países do mundo. Houve uma queda muito grande do PIB e a dívida aumentou. Acho que no final do ano passado, com o relançamento do sector do turismo que está muito ligado à questão da vacinação e reabertura do país, as perspectivas ficaram melhores do que aquilo que imaginávamos. Na altura apontávamos para um crescimento de 5% e agora estamos a pensar que será maior. Mas os números exactos vão sair daqui a poucos dias. Importante é dizer que a COVID ainda não acabou, estamos numa fase boa, o país está preparado. Só que a crise, causada pela guerra na Ucrânia, na Europa, que é o principal mercado emissor de turistas para o país, traz uma problemática nova para Cabo Verde. É preciso tomar cuidado com a expectativa de uma retoma muito optimista, mas acho que as coisas estão no bom caminho. O governo tem-se preparado para isso e acho que as perspectivas são boas tendo em conta o contexto que existe.
Este contexto actual, da guerra na Ucrânia, que consequências pode trazer para Cabo Verde que é, essencialmente, uma economia importadora?
Essa é uma coisa para a qual olhamos no próximo Economic Update, não só os impactos da questão do petróleo, nos custos dos combustíveis, de que a energia em Cabo Verde é altamente dependente, mas também no consumo dos outros produtos. Já se nota no mercado geral que está a haver uma mudança de fornecimento de algumas matérias primas como o trigo ou o milho para outros países, mas estamos a ver preços elevados e vamos sentir o impacto num curto espaço de tempo até que as coisas se ajustem em Cabo Verde para essa questão da importação. Acho que em termos de inflação e custos locais, vai ter um impacto sério e o governo já está a procurar medidas de como atenuar isso, tanto do lado do custo da energia como do custo dos produtos. O mesmo impacto que se vai sentir em Cabo Verde vai ser sentido noutros países da Europa com custos elevados e o turista que vem para cá, que é um turista de classe média, também vai sentir o impacto. Ou seja, isto também vai ter impacto no número de turistas que vai ter o poder de viajar. Penso que vamos ter uma diminuição de pessoas com poder aquisitivo para viagens nesse mercado emissor que é a Europa.
A economia cabo-verdiana não é excessivamente dependente do turismo?
A economia é dependente do turismo e o turismo foi o sector que realmente promoveu o desenvolvimento do país. Há já algum tempo que se fala na necessidade de diversificar, mas para um país como Cabo Verde e para países similares a Cabo Verde – Seychelles, Maurícias – o turismo vais sempre ser o core business e vai estar sempre no centro da economia. O que se notou com esta pandemia é que a necessidade de diversificação de que se falava, e que já era planificada desde o último PEDS, tornou-se ainda mais urgente. O turismo de massa que trouxe a alavanca à economia de Cabo Verde vai continuar, mas Cabo Verde tem de encontrar outros tipos de turismo e outras actividades ligadas ao turismo e identificar outros nichos de turismo que sofram menos impacto quando há estas questões como a pandemia. Um exemplo é Santo Antão que atrai um tipo de turista que já é um turista com um poder aquisitivo mais alto, não é um turista que depende do all inclusive, e é o tipo de turista cujo poder aquisitivo não foi tão afectado com a pandemia e continua a procurar destinos como Cabo Verde. O país tem um potencial enorme, nas outras ilhas, de desenvolver esse tipo de turismo e de o reforçar em Santo Antão. Porque são turistas individuais que vêm para Cabo Verde e que deixam cá um benefício maior. É uma visão diferente do turismo. Acho que Cabo Verde vai continuar muito dependente do turismo, mas têm de se criar diferentes nichos que não sejam tão afectados por estas crises.
Tem-se falado muito dessa diversificação da economia, mas os resultados práticos são poucos. O que é que está a faltar?
Eu acho que é preciso focar nos aceleradores necessários para desenvolver esses novos sectores. Fala-se muito na Economia Digital, na Economia Azul, mas ainda não temos o capital humano para esses sectores. É muito difícil atrair investidores para esses sectores independentemente do tipo de incentivos se não se estiver a preparar capital humano para isso. Eu acho que esse é um dos focos do governo e é uma das áreas que o Banco Mundial vai apoiar: identificar os sectores de aceleração do desenvolvimento e começar a capacitar as pessoas necessárias. Além disso, há a questão de ajuste das legislações de incentivos, de preparar os diversos sectores. Eu acho que, neste momento, a importância de se fazer isso é clara e o governo está a olhar para alguns sectores prioritários. O Banco Mundial tem programas na área digital, que é uma das áreas de grande potencial para Cabo Verde. Cabo Verde tem uma das melhores ligações à internet de África, se não me engano é a segunda melhor em termos do continente só depois de Madagáscar. Tem custos ainda um pouco elevados, mas que estão a baixar, mas é preciso capital humano para trabalhar nessas áreas. É a mesma coisa com a Economia Azul, há um potencial enorme que ainda não foi explorado e é preciso trabalhar com o sector privado para os investimentos e preparar o capital humano para esses sectores.
Uma das formas de se conseguir o desenvolvimento dessas aéreas é impedir que haja uma ‘fuga de cérebros’. Como é que se evita isso?
É preciso não perder a capacidade que há cá, mas também é preciso atrair a diáspora de volta para o país. E isso faz-se com incentivos e o mercado de trabalho tem de existir. Porque se não houver um mercado de trabalho local as pessoas vão continuar a sair. Essa é uma área que temos de trabalhar muito para conseguir identificar os sectores onde essas pessoas são precisas e criar incentivos para que eles venham. Eu acho que é uma área para onde é preciso, realmente, olhar mais e ver como se pode fazer.
Os efeitos da COVID em todas as economias vão ser sentidos ao longo do tempo. Quando é que poderemos voltar a valores de crescimento económico pré-pandemia?
As estimativas do Banco Mundial é que se levaria dois ou três anos para se voltar ao nível da economia de 2019. Então, nos próximos dois anos vamos estar a trabalhar a esses níveis. Só que, ao mesmo tempo, acho que é o momento de trabalhar a questão da recuperação e de ser agressivo na aposta nessas novas áreas de produtividade para que se possa chegar a esses níveis de 2019 um pouco mais cedo e continuar a trajectória do governo em termos económicos, mas também de eliminação da pobreza. Tem sido feito um trabalho enorme de reduzir a pobreza de 35% para 28% e agora voltamos quase aos níveis de 2019. Eu acho que o foco agora, no cenário actual, nos próximos dois anos será voltar aos níveis de 2019, mas com investimentos em áreas que possam alavancar ainda mais a economia. O desejo seria chegar lá o mais rápido possível e voltar à trajectória de desenvolvimento do país.
Falando agora dos projectos do Banco Mundial em Cabo Verde. Em que áreas é que a instituição está a investir?
O Banco Mundial tem um portfolio grande em Cabo Verde. Aumentou muito nos últimos anos. O banco trabalha com o governo com base na nossa estratégia-país. A actual é de 2020 a 2025 e foca-se no fortalecimento da economia do país olhando muito para áreas como o capital humano, focado na educação, capacitação e protecção social e sector privado e economia. Todos os projectos encaixam nessas duas áreas. Nós temos actualmente muitos projectos no portfolio do banco. A maior parte do nosso investimento no país tem sido na área dos transportes, trabalhamos muito a questão da infraestruturação, estradas, inauguramos há pouco tempo a estrada do Tarrafal de Monte Trigo em Santo Antão, e temos outra estrada que é financiada pelo banco que tenta desencravar o fornecimento agrícola na ilha de Santiago. A maioria dos investimentos eram na área da infraestruturação, agora o foco mudou um pouco e temos um projecto grande de capital humano para ser desenvolvido. Nós temos um projecto de educação e protecção social que se vai fortalecer mais como um projecto de capital humano mais amplo. Temos também um projecto de energia renovável que vai ao encontro do desenvolvimento do sector privado, de diminuição dos custos da energia no país. E estamos com um grande foco, agora, no sector privado. Seja através do projecto que apoia o sector network da Pró Garante, Pró Empresa e Pró Capital, mas também no sector do turismo alargando essa questão da diversificação, da Economia Azul e com foco em algumas infraestruturações, colocando o que é necessário para atrair o sector privado para co-investir com o governo. E temos o projecto de Economia Digital que é um programa que apoia o Cabo Verde Digital na área de reestruturação total desse sector da Economia Digital que é importante para o país, não só na parte de e-governance, onde o país já é bastante avançado a nível da África, mas onde se pode fazer mais. Mas também apoiamos a área do empreendedorismo digital.
Há dias a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública dizia, numa entrevista ao Expresso das Ilhas, que apenas 7% dos serviços públicos estão digitalizados. Até onde é que o Banco Mundial poderá apoiar Cabo Verde no aumento da digitalização?
Eu acho que em termos de África, Cabo Verde é bastante avançado na área de e-governance. Ainda há é o problema de ligação entre os diferentes ministérios. Há digitalização em diversos sectores, mas essa parte de integrar todos esses sistemas é uma das áreas que o Banco Mundial está a tentar apoiar agora. Acho que muito do trabalho já existe. Na minha opinião, é preciso um empurrão maior no sentido de ligar todos esses serviços para se evitar que se tenha de ir a vários lugares na área da abertura de empresas. O Cadastro Único é um exemplo em África de um programa bem feito, que é digitalizado, mas os sistemas não comunicam. Então as informações do Cadastro Único que estão ao nível de um ministério, o ministério da Indústria e Energia não consegue obter. Então, essa ligação é algo que podemos fazer e o projecto do Banco Mundial vai apoiar. Uma outra área muito importante é a da digitalização dos impostos. Isso é outra área que o projecto vai apoiar assim como a reestruturação do NOSi. O NOSi sempre foi avant gard em termos de digitalização e tem um papel muito importante na área da e-governance e o nosso programa visa apoiar o NOSi a ser, mais uma vez, líder, principalmente em África, nessa área do e-governance. É um projecto grande, o governo alocou 20 milhões de dólares para essa área da digitalização. Com a pandemia as coisas atrasaram-se um pouco e agora é a altura de levar isso adiante, porque vai facilitar, não só para os investidores, mas também para a área dos impostos.
Os transportes deixaram de fazer parte da agenda do Banco Mundial?
Nós temos um programa de transportes, que está a terminar agora, onde trabalhamos muito nessa questão marítima e transportes aéreos. Não vamos ter um programa, no próximo pacote de investimentos, dedicado especificamente sobre transportes. Mas entendemos que, no contexto do turismo, falar de requalificação de turismo, levar turismo para as outras ilhas, se não falar da conectividade, se não se apoiar a conectividade não se consegue desenvolver. Há um potencial enorme no Fogo, em São Nicolau. Mas se não se consegue trazer os turistas que estão no Sal para visitar essas ilhas a diversificação vai ser complicada. Não adianta criar museus se não se conseguem levar lá os turistas. Então, o nosso próximo foco é de realmente se fazer uma análise, a pedido do governo, dessa questão da conectividade e identificar o que é realmente preciso em termos dessa conectividade de fora do país para dentro, com a rede aérea que já existe mas também com a rede marítima e de apoiar na atracção de investimentos privados para suprir essa demanda e estabelecer quais são os apoios públicos que são necessários. Por causa da insularidade, de um modo ou de outro, o governo vai ter de investir em conectividade. A ideia agora é identificar onde pode o sector privado investir e onde o governo vai ter de o fazer nesse sector para realmente impulsionar a economia, porque sem conectividade é muito difícil desenvolver a economia. Neste momento estamos a trabalhar para o sector do turismo e, dependendo do resultado desse estudo, poderemos apoiar uma ou outra área.
Referiu também os projectos do Banco Mundial na área do ensino e na área da protecção social. Em que consistem esses projectos?
O projecto na área da educação é a reforma da educação básica, que está a ser finalizado e no projecto do capital humano entramos na área do ensino médio. É rever o currículo do ensino médio para que este tipo de ensino prepare os jovens para o mercado de trabalho na área digital, na área do turismo e, além disso, vamos trabalhar também com os que já estão no mercado de trabalho criando competências. Não do modo tradicional, mas a ideia é trabalhar-se com o sector privado para identificar quais são as capacidades necessárias para que eles possam empregar os jovens e fazer parcerias entre institutos de formação e sector privado para criar essa capacitação focada no emprego e para que os jovens sejam colocados no mercado de trabalho do lado da protecção social. É um trabalho que já vimos fazendo há muito tempo com o governo. Nós apoiamos muito na questão do Rendimento Social de Inserção (RSI). Durante a pandemia ampliamos muito o apoio ao RSI de emergência para as famílias do Cadastro Social Único do nível 1 e 2. No próximo programa, além de continuarmos a trabalhar com as famílias que são beneficiárias do RSI, vamos focar-nos muito na questão da inclusão produtiva. A ideia é trabalhar com núcleos familiares, identificando quais são as potencialidades, quais são as capacitações possíveis para a empregabilidade dessas pessoas, para que elas possam passar de receber auxílio do RSI para uma vida produtiva. Isto sabendo que sempre vai existir uma parte da população que ainda vai precisar do apoio do RSI, a ideia é de podermos focar-nos no próximo programa nessa questão da inclusão produtiva. Nesse contexto, a pedido do governo, vamos olhar também para a questão das habitações. Muitas dessas famílias do grupo 1 do Cadastro Único, além da questão da necessidade de capacitação e de empregabilidade, eles também vivem em situações bastante precárias. Então vamos apoiar a reabilitação das habitações em que eles vivem para que possam ter uma vida digna e possam, também, usar as suas casas para a empregabilidade. Nós podemos treinar uma pessoa em cozinha, mas se ela não tiver acesso aos equipamentos em casa, se não tiver um telhado onde possa fazer uma padaria ou outra coisa, ele não se vai poder desenvolver. É um apoio vinculado e holístico, olhando a parte de quem tem o RSI e produção inclusiva, mas também as famílias mais pobres, iniciando aqui em Santiago.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1060 de 23 de Março de 2022.