Plataforma de Garantia de Bens Móveis vai agilizar negócios e garantir financiamento

PorAndre Amaral,6 fev 2022 8:26

Governo está a preparar uma plataforma digital que permite aos empresários entregarem bens móveis, como o stock das empresas, como garantia de financiamento juntos das instituições de crédito.

O objectivo desta plataforma é trazer para o mercado nacional a facilidade de obtenção de crédito por parte das pequenas e microempresas que constituem cerca de 95% do tecido empresarial do país.

“Esta ferramenta vai ter um pepel crucial de acesso a crédito por essas empresas”, explica Luís Teixeira, coordenador da Unidade de Competitividade do Gabinete do primeiro-ministro ao Expresso das Ilhas.

Nesta plataforma digital serão validados os créditos e as transacções e os empresários “serão reconhecidos ou não como cumpridores dos empréstimos e das transacções que fazem”, acrescenta Luís Teixeira.

Esta ferramenta, acreditam as autoridades nacionais, poderá ter um impacto grande na economia do país, fazendo com que haja mais movimentação de crédito, mais cashflow entre as empresas, entre os bancos e instituições de micro-finanças “e com isso vai haver mais expansão económica”, defende o conselheiro do Primeiro-ministro que entende também que esta medida terá um papel importante na retoma económica pós-pandemia, “porque as nossas empresas neste momento estão com carência de acesso a crédito depois de dois anos de uma situação bem difícil”.

A entrada em funcionamento desta plataforma está prevista para o primeiro trimestre, o que é visto como um momento oportuno para que as empresas nacionais possam ter maior facilidade na obtenção de crédito.

A plataforma servirá para quando um empresário for a um “banco, a uma entidade de microfinanças ou mesmo ter com outro empresário para obter financiamento e põe os seus bens móveis como garantia. Essa garantia fica registada numa plataforma que é pública e o banco viabiliza o crédito para a empresa. É tão simples como isso”, refere Luís Teixeira ao Expresso das Ilhas.

Sendo os dados, presentes na plataforma, públicos isso permitirá saber o histórico de cumprimento por parte dos micro e pequenos empresários que nela se inscrevam para obtenção de créditos. Assim, aponta José Augusto Fernandes, será possível que empresários e instituições de crédito avaliem o comportamento de outro empresário em créditos anteriores “respeitando sempre o princípio da protecção de dados, mas é um registo público. Eu posso saber se alguém tem ou não propriedades móveis registas” na plataforma.

“Torna, do nosso ponto de vista, mais transparentes as operações de crédito seja junto ao banco ou de um outro credor que não seja o banco”, aponta.

Esta plataforma vem, defende o governo, simplificar o acesso ao crédito por parte das empresas e diminuir a burocracia aumentando o fluxo financeiro no mercado.

Aberta a todas as empresas

A plataforma é aberta a todas as empresas existentes no país, “mas como 95% do nosso tecido empresarial são pequenas e microempresas e como são essas que muitas vezes têm dificuldade em aceder a crédito esta plataforma é muito importante para elas”, aponta Luís Teixeira.

A plataforma foi socializada com as câmaras de comércio “e todos reconhecem que vai dar uma outra dinâmica dentro do mercado de financiamento”, explica Luís Teixeira.

“Não há limitação de dimensão da empresa para a operação em si, o que há de limitação é que a garantia só é adstrita a bens móveis, não imóveis. Pode ser um animal, pode ser mobiliário”, acrescenta José Augusto Fernandes.

Esta medida está implementada e a funcionar em países como o Brasil ou Moçambique onde os resultados “têm sido muito satisfatórios. Por exemplo este tipo de plataforma foi um facilitador de acesso ao crédito nos países do Leste Europeu quando houve a transformação do regime comunista para a economia de mercado. Na CPLP funciona muito bem no Brasil e em Moçambique também já existe este tipo de plataforma desde 2018”, refere Luís Teixeira que refere que em África, na Zâmbia, “funciona muito bem, apesar de ter demorado cinco ou seis anos para entrar em funcionamento”.

Em Cabo Verde esta plataforma foi apresentada aos empresários nacionais, em 2019, pela Câmara de Comércio de Sotavento em parceria com o governo e o Banco Mundial.

Na altura da socialização do anteprojecto de lei de registo de penhora de bens móveis, Simão Monteiro, consultor do Ministério das Finanças explicou aos jornalistas que “em regra os bancos pedem a penhora ou hipoteca sobre bens imóveis porque os bancos funcionam com o princípio da confiança de que os créditos serão reembolsados. Então o Governo quer ver como é que em termos de legislação possamos trazer os bens móveis para o centro de acesso ao crédito”, explicou.

“Por exemplo se uma empresa tiver um computador, um estoque de mercadorias equipamentos porque é que eles não servem para dar de garantia aos bancos? e este projecto de diploma trata desta matéria e para isso é preciso que os bens móveis estejam registados e o que penhor seja publicitado”, acrescentou.

Sendo o acesso a crédito “uma necessidade”, refere Luís Teixeira, “com uma boa campanha a plataforma pode funcionar depressa e ter um impacto grande”. Já a facilidade ou não de se implementar um sistema deste género “vai alterar o nosso aspecto cultural. Quando nós dizemos execução de um compromisso, lembramo-nos dos tribunais. Esse aspecto desaparece neste contexto. Eu acredito que não se possa esperar por muitas operações iniciais até que o próprio ambiente de negócios ganhe essa cultura um pouco diferente da existência de um tribunal por trás. Enquanto não se perder essa cultura pode-se verificar alguma dificuldade nas operações”, acrescenta José Augusto Fernandes.

CCS aprova

Esta plataforma significa um avanço substancial na questão das garantias para que as empresas possam conseguir financiamentos, defende por sua vez o novo presidente da Câmara de Comércio de Sotavento, Marcos Rodrigues.

“É realmente uma proposta bastante interessante. Todavia vamos ver como se implementar. Em muitos mercados do mundo funciona, em Cabo Verde é uma experiência, mas acho que é uma garantia que oferece garantias extraordinárias aos bancos e estamos disponíveis para acolher essa nova oportunidade”, diz Marcos Rodrigues em entrevista ao Expresso das Ilhas.

Com a eliminação da burocracia o presidente da Câmara de Comércio de Sotavento acredita que com a implementação desta plataforma os negócios se vão realizar mais depressa. “Um dos maiores problemas que os empresários enfrentam em Cabo Verde é a burocracia”, reconhece defendendo que a tecnologia tem estado “a desmaterializar a burocracia” um pouco por todo o mundo, mas “infelizmente, em Cabo Verde, ainda deparamos com vários problemas que acabam por prejudicar brutalmente o desenvolvimento económico e consequentemente o desenvolvimento do país”.

A entrega de garantis móveis, defende Marcos Rodrigues, vai facilitar a realização de negócios entre empresas e a que estas consigam financiamento junto das várias entidades financeiras presentes no país.

“As vantagens são enormes. Por exemplo, as empresas cabo-verdianas têm stocks enormes porque têm de importar quase tudo e, por isso, têm de apostar na stockagem. Ora esses stocks podem começar a fazer parte das garantias e isso, até agora, nunca foi experimentado. E isso é um dos elementos que a nova lei vai trazer para agilizar os negócios em Cabo Verde”, explica este empresário.

A única dúvida de Marcos Rodrigues é se “os bancos, e é isto que é o problema principal, estão disponíveis para trabalhar nesse sentido de aceitar, por exemplo, a garantia dos stocks como garantia segura e fiável” para a atribuição de financiamento às empresas que os procurem.

“Em Cabo Verde, às vezes, começam-se a construir determinados caminhos e depois, a curto prazo, encontram-se barreiras enormes e que não são superáveis e que acabam por matar essa dinâmica”.

Questionado se a cassação e posterior venda, por parte dos bancos, dos bens entregues como garantia por causa de incumprimento pode ser pouco interessante para aquelas instituições, o presidente da CCS questiona: “se é interessante nos EUA porque é que não há-de ser interessante aqui?” Para Marcos Rodrigues esta é “apenas uma questão de interpretação, porque a lei vai permitir que os bancos façam execuções na hora, não terá de recorrer a tribunais para fazer valer o seu financiamento. Ou seja, os bancos terão melhores condições e mais agilidade para resolver essas questões e isso traz-lhes garantias substanciais do ponto de vista de solução o que não acontece com outras garantias que obrigam a recorrer à justiça para se resolverem”.

Sobre o interesse de todas as partes envolvidas Marcos Rodrigues diz que o “problema de Cabo Verde é complexo, porque nos debatemos com uma série de interesses instalados que não querem fazer a mudança, porque estão confortados. Há um conforto no mercado. Essas instituições geram bastante lucro com as suas actividades, por isso, para quê mudar?”, questiona dizendo ainda que as instituições só “mexem quando começam a perder valor acrescentado. Só aí é que introduzem modelos disruptivos para poderem reiniciar a sua actividade num outro modelo. Mas aqui o que importa é que se faça essa transição a bem de toda a economia e, consequentemente, do desenvolvimento” do país, conclui.

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O caso de Moçambique

A Central de Registo de Garantias Mobiliárias de Moçambique, criada em Dezembro de 2018, é um sistema de registo totalmente electrónico baseado em notificações que pode ser acedido online através de um navegador de internet por indivíduos que tenham autorização prévia para se registar. Também é aberto ao público para pesquisas, a qualquer hora do dia. O sistema pode ser acedido de qualquer lugar do mundo por meio de um dispositivo conectado à Internet.

Segundo as informações do site da central de registo de garantias mobiliárias esta permite “o registo, alteração, cancelamento e alienação de direitos de garantia de bens móveis; pesquisas realizadas com os critérios estabelecidos; Certificações; e deve dar prioridade a créditos concorrentes registrados na mesma garantia”.

Têm acesso a esta plataforma “credores garantidos como Bancos Comerciais, Instituições de Micro-finanças, Organizações Cooperativas de Poupança e Crédito, Empresas de leasing, indivíduos e seus representantes estão autorizados a criar contas de utilizador e efectuar Registos por meio do portal online”.

“O público em geral também pode realizar uma busca electrónica no Registo para determinar se um determinado bem móvel está onerado e até mesmo solicitar um certificado de busca/pesquisa”, lê-se ainda no site da plataforma moçambicana. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1053 de 2 de Fevereiro de 2022. 

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Autoria:Andre Amaral,6 fev 2022 8:26

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  26 out 2022 23:28

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