A listagem é da NomadList, uma das plataformas de referência para trabalhadores remotos, e de dia para dia as cidades vão mudando de lugar. Esta terça-feira (dia 14) Praia era a 32ª e São Vicente a 45ª melhor cidade africana para nómadas digitais (já estiveram nos 30 primeiros lugares), num total de 85 urbes analisadas. A lista é liderada por Nairobi (Quénia), Marraquexe (Marrocos) e Cidade do Cabo (África do Sul), aliás, nos 10 primeiros lugares, Marrocos e África do Sul têm três cidades cada um.
Luanda (14ª) e Huambo (36ª) – Angola – e Maputo (81ª) – Moçambique – são as outras cidades dos PALOP presentes neste ranking.
Cada cidade é pontuada segundo uma série de critérios. Praia, por exemplo, tem óptimas classificações nos custos, na diversão, na temperatura e na capacidade de bem receber estrangeiros, tem notas médias na segurança, acessibilidades, locais para trabalhar, Internet e no item cidade amiga das mulheres e tem má pontuação em questões como a qualidade do ar, racismo, nível de educação formal, segurança rodoviária, start-ups, na capacidade de falar inglês e é considerada uma cidade pouco amiga da comunidade LGBTQ+ (em termos mundiais, Praia está no lugar 823).
São Vicente também tem óptimas classificações nos custos, na diversão, na temperatura e na capacidade de bem receber estrangeiros, mas fica melhor igualmente em itens como as acessibilidades e cidade amiga das mulheres. Tem notas médias na segurança, racismo, locais para trabalhar e cidade LGBTQ+ friendly. E tem más pontuações no nível de educação formal, start-ups e na capacidade de falar inglês.
“Nós temos esta vontade de posicionar o país como um local onde os nómadas podem vir”, diz ao Expresso das Ilhas o Secretário de Estado da Economia Digital, “mas vamos aprendendo também o que são as necessidades. O nomadismo digital é algo recente. O país tem de perceber exatamente o que é que os nómadas digitais precisam”.
“Focámos durante muito tempo na questão do visto”, continua Pedro Lopes, “mas é mais importante focarmos na gestão de comunidade. Ver que o tipo de promoção que se faz ao destino tem de ser uma promoção feita no nicho, porque esta comunidade tem as suas próprias publicações digitais, os seus próprios sites. Porque às vezes nós temos uma ideia e na realidade é outra. Os nómadas digitais vêm à procura de experiências únicas. Se não, ficavam nos seus países. Vêm à procura de experiências autênticas. E há também uma nova geração que é movida com um propósito, querem dar um contributo para o país onde estão. Eu acho que é importante garantir redes, onde juntamos, por exemplo, start-ups que estão a começar com o nómada digital que está a chegar ao país. Porque, por um lado, há uma vontade de dar um contributo, e, por outro, o nosso ecossistema está a dar os passos iniciais”.
Nomadismo digital em África
Cerca de 35 milhões de nómadas digitais cruzam atualmente o mundo, destes, e de acordo com os números que se podem apurar, mais de 70 mil estão em África – os dados são da resume.io, que para os cálculos virou-se para o Instagram e procurou todos os hashtag #digitalnomad assinalados no continente, ou seja, o mais provável é que este número seja muito maior. Dos 70.479 nómadas digitais que vivem em África, 22.411 estão em Marrocos e 20.402 na África do Sul. Tanzânia (4482), Quénia (4328) e Namíbia (3091) fecham o top5.
Em Cabo Verde, no ano passado – e mais uma vez os números não correspondem à totalidade de trabalhadores remotos que passaram ou estão no arquipélago, porque muitos deles não precisam de vistos para entrar no país – tendo como base apenas números de pessoas que têm participado no programa de remote working do Ministério do Turismo, passaram pelo país entre 300 a 400 nómadas digitais. A maioria vem da Europa, alguns dos Estados Unidos, o tempo de permanência estima-se que seja entre 3 a 6 meses e têm entre 30 a 45 anos.
O Ministério do Turismo trabalhou entretanto com Gonçalo Hall, mentor do projeto de nómadas digitais da Madeira, para continuar a aprender com quem tem experiência na área – o programa “Digital Nomads Madeira Islands”, desenvolvido pela Secretaria Regional da Economia através da Startup Madeira e com Gonçalo Hall como consultor, atrai nómadas digitais de todo o mundo, tendo mais de 17.000 inscritos desde o seu início, em Fevereiro de 2021. O grande objetivo é levá-los para áreas que lutam contra o despovoamento, onde podem revigorar economias mais frágeis.
“Não podemos começar do zero, porque há muito trabalho já feito neste sentido”, explica Pedro Lopes. “Neste momento, temos um objetivo, que não é ganhar nem cobrar impostos aos nómadas digitais, mas ganhar visibilidade para o destino e temos o objetivo de que eles podem representar, acrescentar à economia do país”.
Apesar dos números de nómadas digitais em África parecerem demasiado baixos, há uma explicação: os problemas infraestruturais que persistem no continente. Apesar do número de utilizadores de Internet ter evoluído muito rapidamente nos últimos anos, a conectividade é ainda um problema. Quase metade dos africanos não tem ligação à Internet ou tem acesso à Internet com baixa largura de banda. Além disso, a maioria das nações do continente enfrenta o problema do fornecimento de energia. Quase 46% dos africanos ainda não têm acesso à electricidade e o custo da eletricidade é relativamente elevado.
“Estamos a reforçar a nossa conectividade”, garante o Secretário de Estado da Economia Digital. “Reforçámos com o cabo submarino EllaLink e temos que garantir, de forma contínua, que se melhora a qualidade do acesso à internet. E isso é feito através do reforço de infraestruturas. E é isso que o país tem feito também. Depois, temos que ter espaços, que podem atrair nómadas digitais, espaços como o nosso parque tecnológico. Tenho certeza que vamos ter lá também várias nómadas digitais”.
Fórum Económico Mundial
Pedro Lopes foi recentemente nomeado Conselheiro do Global Future Council do Fórum Económico Mundial por um mandato de dois anos (2023-2024) – é um órgão interdisciplinar, que inclui académicos, o sector privado e membros de governos. Como conselheiro, o Secretário de Estado da Economia Digital vai liderar a discussão sobre Nómadas Digitais no grupo “O Futuro do Turismo Sustentável” e já disse que conta aproveitar esta oportunidade para dar visibilidade a Cabo Verde no panorama mundial do turismo sustentável e da economia digital.
“Estamos a 4 horas de Lisboa, somos o país africano mais próximo dos Estados Unidos, estamos perto também do Brasil, temos uma centralidade Atlântica que tem que ser capitalizada numa altura em que o mundo vai evoluir para que os escritórios deixem de acontecer. Acho que daqui uns anos vamos estar a falar do escritório como algo completamente do passado”, refere Pedro Lopes.
“Acreditamos que Cabo Verde tem todas as condições para os nómadas digitais virem até cá e acreditamos que os nómadas digitais podem acrescentar muito valor para o nosso país. E já não somos só nós a andar aqui a gritar ao mundo, são os próprios nómadas digitais que querem vir ter a Cabo Verde”, sublinha.
“Nós ainda não somos uma referência mundial, mas queremos ser. Nós queremos ser uma referência na nossa sub-região. Nós queremos posicionar-nos dessa maneira. Existe trabalho, existe esforço e acreditamos que Cabo Verde sempre foi um país completamente aberto ao mundo. E que Cabo Verde é feito da sua ousadia, da ousadia dos cabo-verdianos que querem fazer mais”, diz o Secretário de Estado da Economia Digital.
“Queremos que as pessoas que nos venham visitar se sintam parte do nosso país. Acho que quem visita Cabo Verde ganha uma proximidade grande com o país. E quem vive cá, independentemente da sua proveniência, da sua religião, da sua sexualidade, se vier por bem, ganha um sentido de comunidade, de pertença à comunidade que é raro no resto do mundo. E Cabo Verde ainda tem isto. Acho que temos que tirar proveito disso e capitalizar para o benefício do nosso ecossistema. Há aqui um potencial tremendo”, conclui o governante.
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3 perguntas a Pedro Lopes
Quando lemos a imprensa especializada, e quando se referem às cidades africanas, escrevem sobre cidades que estão pior classificadas do que Praia e São Vicente, e Cabo Verde é raro aparecer nestas publicações. O que é que está aqui a falhar?
Excelente questão. Eu acho que, primeiro que tudo, os cabo-verdianos têm que ser mais orgulhosos dos nossos feitos. Há muito para melhorar? Claro que sim. Mas um país como o nosso, que tem estado nestes rankings e ocupa lugares cimeiros, tem que ser orgulhoso. E todos temos que ser embaixadores daquilo que estamos a fazer e da nossa vontade. Segundo, entrando numa questão mais concreta, a língua não ajuda. Ou seja, somos um país lusófono que tem que concorrer com países francófonos e anglófonos, que têm uma visibilidade maior. E as grandes revistas da especialidade, normalmente, dão preferência a histórias francófonas ou anglófonas. Mas é óbvio também que Cabo Verde tem que saber contar a sua própria história. Eu acho que aqui é o terceiro ponto. Como é que nós contamos as nossas histórias de sucesso? Como é que sabemos publicar e dar eco as histórias de sucesso de nómadas digitais que vêm para Cabo Verde? Cabo Verde tem que promover os seus ativos e perceber que são únicos. A nossa estabilidade democrática, instituições fortes, baixos níveis de corrupção, uma cultura vibrante, uma ligação com o mundo, a arte de bem receber com a nossa morabeza. Estas características têm que ser melhor vendidas, digamos assim, temos que contar melhor a história do nosso país e celebrar exatamente quais são as nossas vantagens comparativas com outros países.
Há nómadas digitais a querer começar negócios a partir de Cade Verde? E se sim, o país já oferece, seja em termos de legislação, seja em termos de agilidade burocrática, essa capacidade?
Tenho falado com alguns nómadas digitais que se apaixonaram pelo nosso país, não querem ir embora e começam a ter a vontade de criar o seu próprio negócio aqui. Muitos deles prestam serviços para empresas, mas começam a ver oportunidades. Depois, é óbvio que temos alguns desafios. A questão da língua é um desafio. A questão da morosidade de alguns processos. Estamos ainda numa fase inicial, mas se calhar justificar-se-á, no futuro, balcões para um atendimento digital para quem quer criar negócios em Cabo Verde. E sermos cada vez mais céleres. E apresentar exatamente estes serviços digitais, porque os nómadas são digitais. Lidam mal com a morosidade, lidam mal com processos demasiado analógicos, lidam mal com ter andar de uma instituição para a outra. Temos que lhes dar resposta. E o digital é o caminho para prestarmos o melhor serviço.
Como vê o futuro dos nómadas digitais em Cabo Verde?
Vejo cada vez mais serviços privados de saúde a acompanhar os nómadas digitais com seguros internacionais. Vejo escolas internacionais a acompanhar também os nómadas digitais. Vejo cada vez mais start-ups multiculturais. E nós queremos exatamente poder responder aos desafios do mundo com um japonês, um chinês, um americano, um europeu e um cabo-verdiano. De certeza que vamos ouvir várias línguas e vamos ver pessoas de várias nacionalidades no nosso parque tecnológico. Eu acho que isso vai ser o futuro de Cabo Verde. Pessoas que conseguem ter ainda um sentimento de pertença com a comunidade local, acrescentam valor à comunidade local, mas são de qualquer parte do mundo, têm formas e vivências diferentes, obviamente com respeito também pela cultura cabo-verdiana, mas vamos ter com toda a certeza aqui pessoas de diferentes países a viver e a passar mais tempo em Cabo Verde e a acrescentar também valor ao nosso país. Somos um país aberto ao mundo, vamos continuar a sê-lo, o digital vai permitir que mais pessoas cheguem ao nosso país, não só para uma curta duração e um mergulho nas nossas praias, mas também para passarem mais tempo em Cabo Verde. E acho que há aqui muitas oportunidades de negócio, co-working, intermediação de experiências, tudo aquilo que garanta conforto, qualidade e comodidade para os nómadas digitais que nos visitam. Acho que o desafio é o sector privado estar cada vez mais atento. Nós, enquanto Estado de Cabo Verde, vamos também estar atentos aos nómadas digitais. É uma tendência que veio para ficar e Cabo Verde não deve perder esta oportunidade. Quando falo com as pessoas dos países que são uma referência digital – se falarmos na Europa, da Estónia, ou se falarmos no continente africano, do Ruanda – todos me dizem que tudo começou com um sonho e com uma vontade de dizer que nós queremos chegar lá.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1146 de 15 de Novembro de 2023.