BCV afirma que face às vulnerabilidades identificadas, “a concentração em determinadas fontes de financiamento”, pondera definir instrumentos macroprudenciais para aliviar o risco de liquidez sistémico, “os quais já estão a ser estudados”.
O que pode estar aqui em causa, como explica o Comité de Supervisão Bancária da Basileia (organização que congrega autoridades de supervisão bancária), é o facto de uma concentração de origem de funding poder introduzir eventos críticos na gestão da liquidez (como se lê no documento Risk Concentrations Principles). Imagine-se um cenário hipotético onde 20% de toda a captação/funding de um banco está num único investidor. Este banco poderia ter um grande problema de liquidez se esse investidor decidir resgatar (ou não renovar) o investimento.
No início deste mês, o jornal A Nação referia que para rentabilizar os cerca de 20 milhões de contos depositados na banca nacional, a administração da Previdência Social resolveu recorrer a leilões de depósitos a prazo.
Agora, em comunicado, o Banco Central explicou ao Expresso das Ilhas que só tomou conhecimento da realização do leilão a 12 de Dezembro de 2023, quando recebeu uma reclamação subscrita pela maioria dos bancos participantes, na qual alegaram falta de transparência do processo, nomeadamente na “falta de comunicação aos concorrentes do regulamento do Concurso, do racional para a escolha dos rácios elegidos e da sua ponderação”, bem como preocupações dos riscos para o sistema financeiro, devido à natureza do INPS enquanto depositante sistémico.
O Banco de Cabo Verde tem como principais missões a manutenção da estabilidade dos preços e a promoção da estabilidade do sistema financeiro. Actua, também, como autoridade da concorrência para o sistema financeiro.
Para cumprir as missões, o Banco exerce um conjunto de funções, entre as quais, (i) a regulação e supervisão das instituições financeiras e (ii) a identificação e avaliação dos riscos que se colocam à estabilidade financeira, entre os quais o risco sistémico, e propõe e adopta medidas para prevenir, mitigar ou reduzir esses riscos, com o objetivo de reforçar a resiliência do sector financeiro.
Neste caso do leilão, O BCV sublinha que “não poderia ignorar a reclamação apresentada, sobretudo quando subscrita pela maioria dos bancos participantes no leilão (quatro dos seis bancos participantes)”.
O Banco de Cabo Verde, no âmbito das suas atribuições de assegurar a solvabilidade e a solidez financeira de cada uma das instituições financeiras individualmente e garantir a estabilidade e o funcionamento eficiente do sistema financeiro, definiu um conjunto de indicadores financeiros e prudenciais, aos quais faz o acompanhamento ajustado e periódico. De entre as várias medidas prudenciais implementadas, destacam-se: (i) os requisitos mínimos de capital que os bancos devem cumprir; (ii) avaliações frequentes da qualidade dos ativos dos bancos para identificar potenciais riscos; e (iii) acompanhamento da sua posição de liquidez.
Para além dessas medidas, no interesse da estabilidade do sistema financeiro, deve avaliar, periódica e regularmente, a resiliência do sistema financeiro cabo-verdiano e a solvência individual das instituições financeiras que o integram, perante determinados cenários macroeconómicos. Neste âmbito, são realizados periodicamente testes de stress aos bancos.
Esses testes são ferramentas que permitem avaliar a resiliência dos bancos diante de cenários adversos e medir o impacto desses choques na qualidade dos seus ativos, no nível de liquidez e no capital.
“Neste quadro”, avança o BCV, “recebida a reclamação, os testes internos demonstraram, de facto, que a continuidade dos leilões, nos moldes realizados, poderá impactar negativamente alguns rácios dos bancos, nomeadamente os rácios de liquidez”.
Já o Relatório de Estabilidade Financeira, de 2022, tinha identificado a concentração nos mercados de crédito e depósitos no sector bancário como uma das vulnerabilidades do sistema financeiro cabo-verdiano, e que a “elevada exposição a operações de maior risco e a dependência de financiamento de depositantes institucionais podem aumentar o risco sistémico e de contágio para todo o sistema bancário nacional, afectando, assim, a estabilidade financeira”.
Agora, no comunicado, o BCV diz que ponderou, também, “os impactos negativos que uma eventual materialização do risco de liquidez, sobretudo, nas instituições classificadas como de ligeira importância sistémica e nas classificadas sem dimensão sistémica, poderá ter na capacidade de financiamento da economia real. Efetivamente, essas instituições desempenham um papel importante no financiamento das famílias e das empresas, principalmente no contexto de retoma no período pós pandémico”.
“Perante este cenário e os testes realizados”, continua o BCV, “o Banco, enquanto promotor da estabilidade do sistema financeiro, teve, necessariamente, de agir, recomendando aos bancos que se abstivessem de participar nos leilões até que medidas de mitigação dos factores de risco de concentração a grandes exposições e métricas adicionais de monitorização da liquidez sejam equacionadas pelo Banco central”.