“Ter 3 a 4 milhões de turistas em Cabo Verde é um número realista a médio prazo”

PorJorge Montezinho,10 mar 2024 16:30

A Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL) bateu o recorde de público na edição deste ano, em que Cabo Verde foi o destino internacional convidado e um dos destaques do certame. Na quinta-feira passada, de manhã até ao final da tarde, o arquipélago mostrou a nova estratégia para o turismo, os novos segmentos a serem explorados, as oportunidades de investimento, os novos sectores estratégicos e modelos de financiamento. Falou-se da nova visão que assenta num desenvolvimento sustentável, um crescimento saudável, olhando para as preocupações ambientais, sociais e económicas. De um crescimento não apenas baseado na quantidade, mas também na qualidade. De um turismo praticado em todas as ilhas e que, em complemento ao sol e praia, abarque também a natureza, a cultura, os cruzeiros, ou os nómadas digitais. Apontou-se os objectivos de promoção que vêm com a nova marca do turismo de Cabo Verde, uma promoção feita de dentro e não a reboque dos grandes grupos. Em Lisboa, o Expresso das Ilhas falou com o Ministro Carlos Santos, que esteve na BTL a apresentar para os empresários portugueses a nova estratégia para o turismo cabo-verdiano.

Afirmou que nos próximos 5 a 7 anos serão anos de ouro para Cabo Verde no turismo. É uma afirmação ousada.

Sem dúvida. Em primeiro lugar porque há uma visão clara do Governo que demonstra o caminho que devemos seguir nos próximos anos e eu acho que isto está a contagiar muito bem os operadores turísticos e por isso é que nos últimos meses nós temos estado a ter uma procura cada vez mais crescente de turistas e de operadores privados para investir em Cabo Verde e isto é notório pelos números registados, em 2023, e o que está a acontecer neste primeiro trimestre, mas também pelo número de propostas de investimentos que começam a chegar aos balcões da CV TradeInvest e de outras instituições em Cabo Verde. Em segundo lugar, dizer também que dado aquilo que vamos assistindo a nível internacional, há cada vez mais uma preocupação do turista em rumar para destinos onde haja segurança: segurança jurídica, segurança pessoal, segurança sanitária e Cabo Verde felizmente está a dar cartas nesta matéria. Vide agora a nossa certificação enquanto país livre da malária, que é mais um activo a juntar a outros que temos, como a nossa estabilidade política, a nossa estabilidade social e a democracia que se tem afirmado com força no país. Isto tudo são activos que, silenciosamente e gradualmente, vão sendo disseminados pelos países que são os nossos potenciais mercados e que vão captando cada vez mais aquilo que são os nossos potenciais visitantes.

Cabo Verde está quase a atingir um milhão de turistas. Falou na sua apresentação em chegar aos 3 a 4 milhões. Será esta a meta realista?

Por aquilo que nós temos projectado e por aquilo que é a experiência de outros países, falar de 3 a 4 milhões é um número que nos deixa confortados, porque nós entendemos que um país arquipelágico, com um ecossistema frágil, tem que ter algum cuidado e por isso é que norteamos toda a nossa estratégia de desenvolvimento na sustentabilidade e na diversificação. E falar de 3 a 4 milhões é falar de 3 a 4 milhões de turistas com um bom poder aquisitivo para podermos ter rentabilidade dos negócios. E é por esse caminho que estamos a seguir. Olhando para a experiência de outros países e outros arquipélagos, queremos continuar neste caminho e estes são números que, num espaço de 5 a 10 anos, entendemos que é uma meta perfeitamente suportável e a que conseguiremos responder.

Referiu-se à fragilidade do ecossistema. Com esta nova estratégia do turismo como é que se vai promover o desenvolvimento sustentável do sector?

Quando falamos do eixo norteador do crescimento estar assente na sustentabilidade, olhamos para a sustentabilidade na sua verdadeira acessão, a sustentabilidade social, económica e ambiental. Social, em primeiro lugar, porque só se pode ter um crescimento saudável do turismo se a população autóctone estiver também incluída nesta equação. Se nós tivermos os trabalhadores a sentir também os efeitos dos ganhos do turismo. E foi isso que começamos a fazer em 2018, quando decidimos eliminar as barracas de Alto São João, Alto Santa Cruz e de Boa Esperança. Precisamente porque paredes meias com belíssimos hotéis, não podemos continuar com barracas e pessoas em habitações não condignas. Temos que eliminar a pobreza extrema, que é um objectivo do Governo, se não estaremos sempre a exportar os problemas dos bairros para os hotéis, para além de ser quase como obrigação do Governo dar um nível de vida cada vez melhor para os seus cidadãos. Sustentabilidade ambiental. Num país que enfatizamos que é arquipelágico, há necessidade de cuidarmos das nossas zonas protegidas, dos vales, das montanhas, porque esse é o activo que nós temos que apresentar. A diversificação do turismo está assente nesses activos, nesses recursos naturais, que podemos apresentar ao visitante. Se degradarmos e não preservarmos esses activos, o turismo acaba por não ter o efeito que nós queremos, que é de conseguir tum efeito multiplicador maior junto da nossa economia. Sustentabilidade económica, que é ver como conseguiremos inserir os recursos endógenos na cadeia de produção do turismo. E aí estamos a falar da nossa agricultura, como é que poderemos fazer com que os produtos agrícolas possam ser exportados para as ilhas do Sal e da Boa Vista, e esse trabalho está a ser feito. Mas também estamos a falar das indústrias criativas. Estamos a falar dos transportes, ou seja, como integrar todos os sectores nesta cadeia de valor do turismo. Portanto, julgo que é desta forma que podemos falar de um turismo sustentável e saudável para que possamos tirar proveito agora. Mas também as próximas gerações possam tirar proveito. E é nessa mesma linha que entendemos que o turismo em Cabo Verde tem que rimar com qualidade, para conseguirmos cada vez mais apresentar produtos que sejam apreciados e que possam levar o turista a repetir as suas viagens a Cabo Verde.

Disse que a morabeza não se repete em mais lado nenhum do mundo. Em termos de competitividade do turismo nacional, de que outras medidas se pode falar no plano estratégico de turismo?

Preparar os produtos turísticos que estejam inseridos naquilo que é só nosso. Apresento um exemplo: a música, é um produto turístico que precisa ser modelado e bem preparado e bem embalado para ser apresentado aos nossos visitantes. Ainda não estamos a fazê-lo, mas temos que o fazer. Porque cada vez mais, e por isso é que o turismo é considerado a indústria da tolerância e indústria da paz, é uma indústria que toca no coração daquele que nos visita. Cada vez mais, essa indústria é uma indústria dos cinco sentidos. Cada vez mais, é uma indústria que apela ao sentir, à experiência que a pessoa tem. E desta forma é que conseguiremos diferenciar-nos dos outros. Porque como eu disse, não poderemos almejar competir com mercados como o norte de África, ou o sul da Europa, devido à escala que eles têm e que nós não temos. E só conseguiremos fazê-lo se tocarmos nos produtos e nas potencialidades que não se repetem.

O plano ainda está a ser implementado, mas quais são os principais desafios que antecipam e como pensam superá-los?

Temos o desafio da concentração. É um desafio grande, tendo em conta que hoje 85% das dormidas concentram-se em duas ilhas. É um desafio que nos obriga a olhar com responsabilidade, sem querer atacar o nicho de mercado que é de sol e praia. É acoplar ao sol e praia outros nichos. E este é o caminho que estamos a seguir. E assim conseguiremos levar o turista a visitar outras ilhas que têm produtos diferentes do sol e praia. Designadamente Santo Antão e Santiago, que têm um produto de turismo da natureza. São Vicente que tem um turismo mais cultural e de cidade. Mesmo a ilha do Maio que também tem um turismo de natureza forte. Santiago também com a componente religiosa, mas ainda de investigação, da história e patrimonial, portanto, tudo isso poderemos fazê-lo de uma forma bem planificada, articulada, sem demonizar, digamos assim, o chamado All Inclusive e nem precisamos fazê-lo porque vamos continuar a necessitar dele.

Há-de ser o All Inclusive e o resto.

Sem dúvida. E Cabo Verde tem espaço para todos esses nichos que identificamos como nichos prioritários. Depois temos o desafio dos transportes, que, a par e passo, estamos a apresentar soluções. Julgo que nos próximos dois, três meses, já estaremos com uma situação completamente diferente. E temos o desafio da inclusão económica e social. É um desafio que também estamos a trabalhar e que está contemplado no nosso programa operacional, que é como levar os empresários cabo-verdianos e residentes a participar nessa cadeia de valor, e esse é um trabalho que tem que ser feito à base do empreendedorismo local, e também a nível social, como ter a nossa sociedade a sentir que está a ser beneficiada pelos investimentos que vão sendo feitos no nível do turismo.

De que forma esta nova estratégia vai procurar atrair investimento directo estrangeiro?

Esta nova estratégia irá, inevitavelmente, atrair esses novos investidores, porque julgo que a partir do momento em que apresentamos esta lógica e esta visão, assente na sustentabilidade, isso reforça a nossa consciência ambiental, social e económica e transmite para o investidor um sentimento de confiança, no sentido em que estamos a cuidar do nosso património, estamos a cuidar daquilo que é nosso, e, inevitavelmente, julgo que o investidor, aquele que tem a responsabilidade social e que olha para o mundo, vai ter um comportamento diferente, e, por isso, não tenho dúvida nenhuma que vamos captar esse interesse. Em segundo lugar, com esta nova estratégia de promoção, que agora está assente na nova marca que acabamos de lançar, também traz um sentimento de segurança e demonstra ao investidor que o Governo está com uma proactividade maior, contrariamente àquilo que vinha existindo nos últimos 20 anos. Significa que o Governo está a orientar, através dos sinais que dá, através da promoção, os mercados onde faz essa promoção, os nichos que quer captar, está a dar um sinal aos operadores onde é que queremos ir. E os operadores, a partir desse momento, acompanha-nos nessa caminhada.

Conseguem antecipar o impacto que toda esta estratégia vai ter a nível de emprego no sector?

Nós antecipamos, até porque ao lançar-se a ideia do hub da formação, em parceria com o Governo português, estamos crentes que a oferta de empregos vai aumentar consideravelmente. Hoje representa à volta de 20% daquilo que são os postos de trabalho em Cabo Verde. E vai ter um crescimento bastante grande e por isso essa preocupação de massificar a oferta de formação, tanto pela Escola de Hotelaria e Turismo, como pelo lançamento de outras instituições, designadamente o Instituto Superior do Turismo e de Aeronáutica, na Ilha do Sal, e outros núcleos da Escola de Hotelaria que estamos a pretender lançar em outra ilha. Portanto, esse faz parte desse pacote e é nessa visão é que nós incluímos essa proposta de um hub de formação na zona em Cabo Verde, que seja um hub regional.

E temos de falar de uma mão-de-obra que depois não fuja do país, como tem acontecido.

No futuro, vamos ter que nos habituar à mobilidade das pessoas. Não há como criar obstáculos a isso. Aliás, criar o obstáculo tem um efeito até contraproducente. O que temos que ter em conta é como é que podemos massificar a oferta da formação, através das nossas escolas, e como é que podemos até permitir a entrada de pessoas de outras nacionalidades que queiram vir trabalhar para Cabo Verde. É isso o futuro que Cabo Verde vai ter. E não tenhamos dúvida, e é com esta visão é que poderemos continuar a caminhar.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1162 de 6 de Março de 2024.

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Autoria:Jorge Montezinho,10 mar 2024 16:30

Editado porSheilla Ribeiro  em  27 abr 2024 23:28

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