“Gostávamos de diversificar e estamos abertos a todos os sectores, sobretudo os mais estratégicos”, Pedro Barros

PorJorge Montezinho,23 mar 2024 8:20

Pedro Barros, Presidente do Conselho de Administração do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado
Pedro Barros, Presidente do Conselho de Administração do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado

A funcionar há pouco mais de um ano, o Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado (FSGIP) já atribuiu garantias a dois projectos que significam cerca de 700 postos de trabalho. O FSGIP, que está efectivamente operacional desde Janeiro de 2023, é um fundo direccionado para os grandes investimentos e dá a possibilidade às empresas comerciais privadas de direito cabo-verdiano de poderem ter acesso ao financiamento junto das entidades financeiras fora do país, actuando por duas vias: a primeira através da emissão de valores mobiliários, nomeadamente as obrigações, podendo ser realizado em Cabo Verde ou fora do país, e a segunda garantir financiamento através do crédito, quer sejam créditos junto da banca nacional ou junto das instituições financeiras externas. O FSGIP arrancou com um capital de 100 milhões de euros – 5% do PIB cabo-verdiano –, mas o Governo prevê, a curto prazo, capitalizar o fundo para um montante de 200 milhões de euros e, a médio prazo, chegar aos 500 milhões de euros. Como consta do preâmbulo da Lei que cria o FSGIP, afasta-se o suporte ao investimento meramente especulativo ao determinar que o Fundo será gerido de forma a nunca ter uma notação inferior a “A” atribuída pelas agências de notação financeira. Ou seja, pretende-se dar uma orientação indirecta às empresas, que ficam assim obrigadas a robustecer a sua organização, a apresentarem indicadores de solidez económico–financeira e a prestarem grande cuidado na avaliação dos seus projectos, tendo em conta a necessidade de lhes garantir a viabilidade económico-financeira num quadro de minimização dos riscos associados. Com um mandato de cinco anos, o presidente do FSGIP, Pedro Barros, falou com o Expresso das Ilhas sobre o presente e o futuro do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado.

O Fundo existe para diminuir o risco de quem financia. E como é que se diminui o risco do fundo de garantia?

Do fundo de garantia diminui-se o risco com a co-garantia e com a contra-garantia. Ou seja, quando damos garantia a um financiador, 50% do que ele financiou, poderemos recorrer a outras entidades de garantia para dividir essa mesma garantia. Ou seja, damos 50%, podemos ficar com 20% e passar a 30%. Ou podemos ficar com 30% e passar a 20%. No fundo, na mesma lógica que acontece, por exemplo, com os seguros: quando uma empresa faz um seguro, este é depois dividido por várias outras companhias de seguradoras que assim também partilham o risco.

A história deste Fundo ainda é demasiado recente para terem perdas. Mas estão preparados para isso?

A perda é sempre possível. Embora um outro princípio que o fundo de garantia tem é dar garantia, mas sempre com contra-garantia. Ou seja, por exemplo, um investidor que vai construir um hotel. No início, ele poderá não ter contra-garantia para dar. Mas esse investimento, ou esse financiamento, é para construir o hotel. Então, uma das contra-garantias que ele pode dar é, por exemplo, a hipoteca do hotel. Ou então, a quem damos a garantia fica sempre com o compromisso de, se estamos a assumir 50% do risco, o investimento que é feito também fica como contra-garantia de 50%. Não há risco zero, mas é quase. O maior risco é no início. Porque é no início que, às vezes, a garantia não é real. Avalia-se o risco do projeto, dos contatos que existem, mas o risco é minimizado por essas vias.

O FSGIP já teve 22 pedidos de garantia, 12 foram analisados, 5 pré-aprovados, 3 aprovados, 2 garantias atribuídas. Em um ano, são números que satisfazem?

São números que satisfazem. E porquê? Primeiro, porque nós só damos garantias de montantes de alguma dimensão e…

E não há assim tantos projectos dessa dimensão em Cabo Verde…

Exactamente. O problema é esse. Agora, são números que satisfazem porque nós somos tomadores de efeito. Nós não vamos atrás de. Ou seja, o processo não inicia com a garantia. O processo inicia com quem financia. Se há um financiador que quer ter a mitigação do risco através do Fundo Soberano, aí entramos. No fundo, é como um banco. Um banco não sai à rua para oferecer dinheiro. Também não podemos esquecer-nos que ainda estamos a sair da crise. É agora que está a recomeçar o investimento. Uma coisa é turistas virem a Cabo Verde, outra coisa é começar com novos investimentos. Os investimentos têm sempre um timing de maturidade. Para os preparar, para serem analisados, para serem aprovados. De modo que eu acredito que atingiremos a velocidade de cruzeiro nos próximos dois, três anos. Por exemplo, em Cabo Verde o governo criou uma linha de crédito de 6 milhões de contos para o financiamento de pequenas e médias empresas para a retoma. Mas essa linha ainda está a metade, porque é preciso reagir, é preciso preparar os projectos, etc. De modo que estamos satisfeitos com esse resultado. Gostaríamos de ter muito mais, mas a realidade é o que é. Não podemos mudar muito.

Desses 22 projectos, porquê só três aprovados?

Os promotores manifestam o desejo de ter a garantia, mas a garantia só é concretizada quando efectivamente houver financiamento.

Por sectores também não há grandes surpresas: turismo, agronegócio, energias renováveis, pesca. Está bom assim? Ou gostavam de diversificar mais?

Nós gostávamos de diversificar e estamos abertos a todos os sectores, sobretudo os mais estratégicos. Dos três que já foram garantidos, o primeiro foi com energias renováveis, a construção de um painel solar. Os outros dois são de turismo. Diversificação, sempre. E vamos ter que encontrar formas de tentar estimular, embora não possamos agir activamente, mas tentar estimular naquelas áreas que são mais estratégicas: digitalização, energias renováveis, agronegócio. Esse é o nosso desejo, mas como eu disse, somos um bocado um tomador de efeito. É quando aparece. Não conseguimos alterar a carteira de pedidos.

Uma parte dos promotores são cabo-verdianos, mas já há de Portugal, de Espanha, dos Países Baixos, ou seja, o trabalho de bastidores também já está a funcionar?

Isto vai depender, sobretudo, dos investidores em Cabo Verde. Agora, como são projectos que estão implementados em Cabo Verde e como temos investidores de várias origens, automaticamente vamos ter promotores de várias origens.

Os projectos em andamento garantem 690 postos de trabalho, ou seja, é possível medir o impacto directo do Fundo na sociedade cabo-verdiana?

Claro que sim. Se todos esses 22 pedidos tivessem sido garantidos, estaríamos a falar de 500 milhões de euros de investimento. Uma coisa extraordinária para Cabo Verde, 500 milhões é algo de muito importante para a economia do país. Contribuir para alterar as coisas para melhor é exactamente o nosso objectivo e o objectivo do Estado.

O Fundo neste momento tem 100 milhões de euros. A médio prazo, querem-se 200 milhões e o objectivo máximo é, para já, 500 milhões. Como é que se vai conseguir financiar?

O Fundo é público. É do Estado. E o Fundo tem uma particularidade, o Estado emite títulos de rendimento perpétuo. E o Fundo é capitalizado com esses títulos de rendimento perpétuo emitidos pelo Estado.

Isso significa o quê?

Isso significa que o investidor, que quiser adquirir esses títulos, fica com direito a um rendimento perpétuo, que pode ser cotado na Bolsa de Valores, e fica a receber um rendimento sempre, que pode ser transacionário, etc. O que não pode é entregar o título ao Estado para ter o seu investimento de volta. Mas tem rendimento perpétuo. Isso significa o quê? Isso significa que é apenas uma questão de identificar potenciais investidores para esse tipo de título financeiro ou de produto financeiro. Fundos soberanos de várias partes do mundo e outros tipos de fundos de investimento é que poderão estar interessados nisso. Como é que é remunerado? É remunerado com os dividendos do próprio Fundo. E os dividendos de onde é que vêm? Vêm da aplicação financeira que é feita. Os actuais 100 milhões de euros estão a ser geridos pelo Banco de Portugal. Aliás, como sabe, o capital inicial foi a transformação do Trust Fund para o Fundo Soberano. E a gestão financeira continua a ser feita pelo Fundo Soberano. E deixe-me dizer-lhe uma coisa, nós já temos resultados positivos. Em 2023, vamos ter resultados positivos. Estamos com uma expectativa de ter resultados acima de um milhão de euros. No primeiro ano de actividade efectiva. E estes resultados devem-se não a comissões que cobramos de garantia, mas sobretudo à rentabilização do próprio Fundo.

Quando Cabo Verde fala em criar um centro financeiro, o Fundo, directamente, não tem nada a ver com isso, mas acha que pode dinamizar a acção bancária, porque os bancos sentem-se mais seguros, e isso poderá dinamizar o próprio centro financeiro internacional de Cabo Verde?

Exactamente. O Fundo também faz parte do ecossistema financeiro que está a ser criado em Cabo Verde. Isso tudo faz parte do puzzle e faz parte daquilo que poderá ser a atractividade do sector financeiro, ou do mundo financeiro, em Cabo Verde.

Falou há pouco de outros fundos soberanos. Houve fundos que servissem de inspiração para este, ou com os quais tenham aprendido alguma coisa?

Estou à vontade para falar sobre isso, porque não tive nada a ver com a sua criação inicial. Mas acho que este Fundo Soberano é único. É o único nesta perspectiva: é um Fundo de Garantia. É um Fundo Soberano de Garantia, portanto, não tem nada a ver com o fundo de Angola, não tem nada a ver com o fundo de Timor, não tem nada a ver com o fundo da Noruega, que é o mais conhecido e o melhor. É por isso que no início também houve alguma discussão, até política, sobre a criação desse Fundo, porque um dos argumentos que se tinha era como é que se vai criar um Fundo Soberano se nós não temos rendimentos? Se não temos matérias-primas? Porque os outros países fazem assim. Mas o que nós estamos a fazer é criar um Fundo Soberano, mas para garantir e para facilitar o investimento. Nós não fazemos investimento junto com o empresário. Nós só damos o garantido ao financiador que quer financiar o investimento do empresário. É por isso que acho este Fundo é único.

Já disse que este Fundo é um instrumento muito poderoso. Continua a manter a sua opinião?

Muito poderoso para apoiar as empresas no investimento em Cabo Verde, para facilitar o investimento em Cabo Verde. E como sabe, investimento em Cabo Verde significa criação de empresas. E criação de empresas significa criação de empregos. E criação de empregos significa geração de rendimentos. E geração de rendimentos significa aumento do bem-estar social, etc. E isso conduzir-nos-á a uma das prioridades de primeira ordem em Cabo Verde: o combate à pobreza. E também, como sabe, o Governo tem uma meta muito ambiciosa para 2026: reduzir a pobreza global e eliminar a pobreza absoluta. Portanto, se pudermos contribuir com a garantia de financiamentos para a criação de empresas, também estamos a contribuir para esse objectivo.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1164 de 20 de Março de 2024. 

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Autoria:Jorge Montezinho,23 mar 2024 8:20

Editado porDulcina Mendes  em  25 mar 2024 7:54

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