Qual acha que é o estado actual da economia do país?
É uma situação em que todos nós estamos expectantes, não é? Em relação ao desenvolvimento da economia de Cabo Verde, os empresários, o motor principal do desenvolvimento, esperam sempre dos governos uma atitude positiva e uma atitude empreendedora em relação à alteração das leis e da melhoria do ambiente de negócio, para que proporcione novas oportunidades. Cabo Verde está numa fase excelente para poder ter ganhos substanciais. Temos a consciência que dos mercados aqui próximos, da Macaronésia, as Canárias estão quase a esgotar o seu potencial da carga máxima de turismo – já têm mais de 15 milhões e a carga máxima será de 17 milhões – e Cabo Verde, estando aqui ao lado, poderá beneficiar substancialmente com a deslocação de investimentos das Canárias para Cabo Verde e de outras partes do mundo também para Cabo Verde. Cabo Verde coloca-se, neste momento, num patamar excelente de oportunidades. Agora, falta efectivamente aos decisores políticos gerirem e criarem oportunidades.
Um empresário e um político pensam a economia de maneira diferente?
Completamente diferente. Não temos o mesmo diapasão. O empresário tem uma agenda com um tempo muito curto de realização, os políticos trabalham com uma agenda eleitoral. Enquanto trabalhamos com uma agenda de propósitos, a política trabalha com uma agenda que satisfaça o eleitorado. De forma que as nossas agendas são diferentes, mas não quer dizer que tenham que ser divergentes, não é? As nossas agendas podem convergir se houver um sentido crítico no desenvolvimento E se os governos entenderem que a prioridade das prioridades é criar condições para que o tecido empresarial privado possa alavancar a economia. Tentamos, em certas ocasiões, pressionar o poder político para que se façam as reformas necessárias, para que o país possa avançar e para que haja ganhos para todos.
Acha que é por isso que os políticos tomam mais rapidamente decisões conjunturais, porque estão a trabalhar para a reeleição, em vez das mudanças estruturais, que são as mais difíceis de fazer?
Não queria utilizar esta argumentação porque é uma argumentação demasiado pesada, mas que em algumas circunstâncias verifica-se. E é uma realidade constatável. Muitas vezes, os empresários esperam muito, por exemplo, em questões de autorizações, em questões das respostas dos organismos públicos às pretensões do investidor. O investidor não tem tempo a perder, porque o tempo custa caro, e muitas vezes os empresários não têm tempo para que os decisores públicos decidam quando lhes apetece ou lhes convém. Temos que caminhar rapidamente para um novo patamar de desenvolvimento, um patamar de entendimento se assim quisermos, para gerarmos um país competitivo e gerarmos um país rico. Quando entrei para a Câmara de Comércio do Sotavento, disse que Cabo Verde pode ser um país rico se assim o desejar. É uma questão de políticas públicas assertivas, prioridades àçquilo que é prioritário e levar os privados para os sectores onde são críticos e onde podem cooperar, transformar e gerar riquezas ao país. Para ver que as nossas agendas muitas vezes divergem temos, por exemplo, os transportes aéreos internos. É uma questão crítica que nós, na Câmara do Comércio, temos batido, já há alguns anos, para que se encontre uma solução definitiva.
Defende, inclusive, que os TACV esqueçam o internacional e se foquem no doméstico.
No entanto, o Governo entende de que deve ter uma companhia aérea internacional em detrimento de uma companhia aérea doméstica. Essas situações criam problemas críticos ao desenvolvimento e os empresários, obviamente, não aprovam esse tipo de caminhos. Porque são caminhos que um país pobre, como o Cabo Verde, não pode seguir. Compreendemos quando o governo não tem capacidade para responder a certas frentes, mas importante é que haja prioridades, em que se determina o que é prioritário e fazer o que é prioritário. O transporte aéreo doméstico é prioritário, urgente, inadiável e não podemos desperdiçar dinheiros públicos em transportes aéreos internacionais quando esse segmento está resolvido pelas transportadoras aéreas internacionais que operam actualmente em Cabo Verde e com bastante eficiência. Não temos condições, nem económicas nem operacionais, para ter uma grande companhia aérea internacional. Não temos recursos financeiros para tal, nem temos condições para criar uma companhia aérea internacional de peso que possa competir com as grandes companhias. Se reparar, mesmo as pequenas companhias aéreas internacionais têm no mínimo 10 aviões e nós, com 2 aviões, não conseguimos fazer qualquer tipo de operação que possa viabilizar o negócio de uma companhia aérea internacional. É uma questão de prioridades e os empresários entendem que a prioridade é o transporte aéreo doméstico. Se reparar, os transportes aéreos internacionais têm aumentado substancialmente e temos diminuído substancialmente a operação doméstica, o que é algo inaceitável.
Além dos transportes, quais acha que são os principais desafios que o Sotavento enfrenta?
O Sotavento é a região onde está o maior número de empresas nacionais, que emprega mais recursos humanos, onde há a maior contribuição fiscal e é aqui que realmente acontecem muitas realizações a nível industrial e comercial que merece uma atenção especial. Apesar disso, deparamo-nos com problemas complexos, como a questão do financiamento, a questão do transporte aéreo, que já referi, a questão da mobilidade, a questão da formação de recursos humanos, porque temos de acelerar a questão da formação de recursos humanos, porque tem havido uma emigração constante de recursos qualificados de Cabo Verde. No entanto, temos muitos jovens desempregados que podemos formar para podemos dar resposta aos empreendedores que vão chegando a Cabo Verde e aqueles que em Cabo Verde vão fazendo os seus investimentos. Há alguns desafios e os dois maiores são os transportes aéreos interilhas e o financiamento às empresas.
O inquérito da PwC, onde Cabo Verde entrou pela primeira vez, mostrou que os CEOs cabo-verdianos são dos mais optimistas do mundo, apesar de todas as dificuldades. Acha que essa é uma das forças do empresariado nacional?
É uma característica do povo cabo-verdiano, não é dos CEOs, é do povo cabo-verdiano. Um povo optimista por natureza, apesar de todas as suas fragilidades, que acredita sempre que é capaz de fazer mais e melhor. E não é por acaso que quando somos colocados frente a desafios, lutamos para que sejam superados. O optimismo é uma condição do povo cabo-verdiano e é por essa razão que procuram novas oportunidades também em outros mercados e lutam porque acreditam neste país. Os empresários cabo-verdianos também acreditam no país em que vivem. Tenho feito algumas palestras e tenho dito que Cabo Verde tem oportunidades gritantes de desenvolvimento, mas ainda estamos aquém do desenvolvimento deste país. Se compararmos com as Canárias, que tem as mesmas dificuldades ambientais de Cabo Verde, como a questão da seca, a questão da mobilização da água, a questão da mobilização de energia, compreendemos perfeitamente que temos tudo por fazer em Cabo Verde e que os cabo-verdianos podem enriquecer e podem gerar riqueza, podem criar emprego e podem vir a pagar muito bem os seus recursos humanos. É uma questão de atitude e é uma questão também, acima de tudo, de uma estratégia afirmativa de desenvolvimento. Os países não desenvolvem sem uma estratégia assente na preparação dos seus recursos humanos, numa economia assente em geração de riqueza para os seus intervenientes e que acima de tudo haja condições de financiamento e de operacionalidade das próprias empresas.
A diversificação da economia cabo-verdiana é um dos temas do momento, e o exemplo disso é o último relatório do GAO. Que sectores, devem ser aposta para essa diversificação?
Esse é um dos temas em que tenho alguma preocupação, porque quando se fala em diversificação da economia, pode haver alguns tecnocratas, que pouco entendem da economia real, que não entendem efectivamente a matriz do desenvolvimento de Cabo Verde, e que podem estar a desenhar certos desenvolvimentos que não se enquadram na diversificação da nossa economia. Dou-lhe exemplos. A nossa economia assenta no turismo e é à volta do turismo que devemos diversificar a economia, é a volta do turismo que devemos criar empresas. Não podemos estar a pensar em sermos altamente competitivos na área da agroindústria, mas podemos gerar ou podemos produzir produtos de alto valor para o mercado interno e para o turismo. Podemos diversificar na questão do artesanato, da cultura, da música, podemos melhorar um pouco e criar novas experiências, porque não é só o sol e mar que conta em Cabo Verde, podemos, enfim, produzir muitos outros produtos de alta qualidade, por exemplo, vinhos, queijos e outros produtos, mas para responder realmente à procura turística e não criar grandes indústrias transformadoras para exportar, porque nós não temos capacidade. É a realidade dos arquipélagos, nenhum é diferente do outro, e a diversificação das economias assentam na resposta turística. Em Cabo Verde, vejo alguns eventos e ouço algumas coisas, alguns indivíduos a falarem que essa diversificação da economia pode assentar em grandes indústrias transformadoras e não temos capacidade de resposta. Poderá haver saúde ligada ao turismo, produção de medicamentos, em que temos, sim, condições de produzir para exportar, mas são realmente sectores muito concretos. Basta estudar as experiências dos outros arquipélagos e não sairmos muito dessa matriz. Não podemos ver o nosso desenvolvimento alinhado naquilo que Bruxelas, ou a França, ou Portugal faz, mas devemos alinhar o nosso desenvolvimento com a região da Macaronésia, com as Canárias, Açores e Madeira. O nosso desempenho, está assente em realidades completamente diferentes das realidades continentais. A maior parte dos técnicos e das organizações internacionais trazem uma agenda de desenvolvimento para Cabo Verde que não se coaduna com a sua fragilidade arquipelágica. E é nesta senda que temos de procurar novos caminhos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1180 de 10 de Julho de 2024.