Uma mudança abrupta no panorama global fez mudar as contas do FMI para a economia da África Subsaariana. Prevê-se agora que o crescimento da região abrande para 3,8% em 2025 e 4,2% em 2026 (-0,4 e -0,2 p.p., respectivamente). Isto depois de a actividade económica ter superado as expectativas em 2024, com o crescimento a atingir os 4%.
A turbulência internacional faz-se sentir, esperando-se uma redução da procura externa, descida dos preços das matérias-primas e condições financeiras mais restritivas. A ajuda pública ao desenvolvimento deverá diminuir.
Tudo isto num contexto de vulnerabilidades persistentes, particularmente em países que enfrentam contracção de financiamento, a custos mais elevados. Apesar de uma queda na inflação, ainda há Estados a lidar com pressão assinalável nos preços.
Para Cabo Verde, recorde-se, as estimativas do FMI antecipam um aumento do PIB na ordem dos 5% em 2025, 4,9% para 2026 (PIB terá crescido 6% em 2024).
Um dos destaques do mais recente Regional Economic Outlook é uma revisão em baixa das expectativas de crescimento.
Essa revisão em baixa não se deve, fundamentalmente, aos efeitos directos das tarifas anunciadas, mas sobretudo pelos efeitos de segunda e terceira ordem, particularmente para os exportadores de petróleo, como Angola e Nigéria, com a redução dos preços das matérias-primas.
Também há factores secundários, como o abrandamento da procura mundial, potenciais pressões cambiais para alguns países e, globalmente, uma maior incerteza económica.
Neste clima de volatilidade, como é que os países africanos conseguem combinar serviço da dívida, necessidades de investimento e investidores a refugiarem-se em activos mais seguros.
A dívida continua a ser um desafio para a região. O pagamento de juros da dívida é bastante elevado e representa, no país mediano, 12% das receitas, taxa três vezes maior do que para as economias avançadas. Porém, também temos uma nota de optimismo neste relatório. Observamos que esse nível de dívida estabilizou em cerca de 60% do PIB.
Acompanhamos o relatório de uma nota de análise, na qual olhamos para os últimos 25 anos, observando que, em mais de 60 ocasiões, países da região foram capazes de reduzir o seu rácio de dívida, sem falar de casos de restruturação da dívida. Esses episódios aconteceram mesmo quando as condições externas eram um pouco difíceis.
Para conseguir diminuições do rácio da dívida é importante, claro, implementar uma política orçamental responsável, mas esse esforço orçamental deve ser complementado por taxas de crescimento mais elevadas. Isso pode ser conseguido através de reformas estruturais e também de melhorias das instituições.
O desafio é tornar a dívida em investimento produtivo, através de uma boa selecção de projectos, para gerar alta rentabilidade, que se transforme em recursos para o Estado, que permitam reembolsar a dívida, ao mesmo tempo que o projecto em si terá benefícios para a economia.
No actual momento, que tipo de ferramentas é que os governos podem desenvolver?
Temos um conselho, que não é específico do momento actual, que passa por acumular espaço orçamental e reservas externas durante uma conjuntura favorável, para poder usar quando as condições se tornam mais difíceis.
Até final de 2024, os desequilíbrios macroeconómicos reduziram-se na região. Além da desaceleração da inflação, da estabilização da dívida, também os saldos orçamentais primários estão em níveis inferiores aos registados antes da pandemia. Se olhamos o país mediano, o saldo primário melhorou 0,5 pontos do PIB em 2024, o que faz com que a consolidação entre 2022 e 2024 se situe em cerca de dois pontos do PIB. Isto é um esforço importante, que faz com que a região esteja numa melhor posição para enfrentar este choque.
O importante, e mencionamos isso no relatório, é encontrar um equilíbrio entre reduzir as vulnerabilidades macroeconómicas no curto prazo e responder às necessidades de desenvolvimento de médio e longo prazo, assegurando que as reformas que são necessárias, sejam social e politicamente aceitáveis.
Uma das características dos pequenos estados insulares em desenvolvimento (SIDS), como Cabo Verde, é que estão muito dependentes do mercado externo. Há algo que seja particularmente importante para as economias dos SIDS?
A evolução da actividade económica em Cabo Verde, e nas outras pequenas economias insulares abertas, dependerá crucialmente da forma como a economia mundial se comportar no futuro, incluindo no contexto de uma possível intensificação das guerras comerciais.
A exposição da economia de Cabo Verde ao recente aumento de tarifas é relativamente limitada, porque apenas cerca de 1,2% das exportações de bens de Cabo Verde têm como destino os Estados Unidos. Porém, como no resto da região, os efeitos indirectos poderão ser significativamente mais relevantes.
Continuar a investir na diversificação da economia é mais importante do que nunca. Reforçar a segurança alimentar e energética e também consolidar a resiliência face a choques climáticos. Reforçar as almofadas orçamentais também é muito importante e os laços comerciais regionais também poderiam desempenhar um papel fundamental para reduzir as vulnerabilidades da economia de Cabo Verde e das economias da região.
No caso de Cabo Verde, e também de outras economias da região, continuar com a consolidação fiscal, obter fortes saldos primários positivos, ajudará a reduzir a dívida pública e, portanto, as vulnerabilidades externas, além de libertar recursos para investir no desenvolvimento a mais longo prazo.
A entrevista completa a Thibault Lemaire poderá ser ouvida na Rádio Morabeza, esta sexta-feira, depois das notícias às 17h00.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1222 de 30 de Abril de 2025.