Assumiu a tutela no início de Fevereiro, que balanço faz destes meses à frente do ministério?
São meses que usamos para organizar a implementação daquilo que já estava definido. As políticas já foram definidas, as grandes opções já foram definidas, os projectos já tinham sido definidos. Estamos a fazer as coisas acontecer, seja nas infra-estruturas, seja no fornecimento de energia e água, seja na diversificação, especialização, formação e financiamento de pequenos negócios. E continuamos a trabalhar nas questões dos transportes aéreos e marítimos.
Já vamos falar um pouco de cada uma dessas questões. Começamos pela integração entre o turismo e os outros sectores económicos. Como é que está a correr?
Neste momento, o turismo é um sector transversal. Atinge todos os sectores. Desde o sector agrícola, pescas, portos, cultura, património histórico. O POT, o Programa Operacional do Turismo, tem projectos em todos os sectores de actividade – veja-se as infra-estruturas de acessibilidade, as estradas estruturantes estão a ser financiadas no âmbito do POT, em articulação com o Ministério das Infraestruturas, pelo Fundo do Turismo, mas também através do projecto resiliente do turismo e da economia azul, financiado pelo Banco Mundial. Estamos a actuar a nível das infra-estruturas portuárias: portos, gares de passageiros, cais de pesca e fomentar a actividade de pesca e de distribuição de pescado, tudo isso para fazer com que esses produtos cheguem ao turismo, façam parte do ingrediente do nosso produto turístico. O turismo está a impulsionar todas essas atividades. Na cultura, temos vindo a promover actividades em todas as ilhas, com o património, a história, na Cidade Velha, em São Nicolau, em todas as ilhas estamos a intervir, porque a cultura é um produto turístico por excelência.
É o produto diferenciador.
A essência da nossa actividade do turismo está na nossa cultura, temos vindo, através do Fundo do Turismo, a investir no sector, mas também na formação, quer a formação de profissionais do turismo, mas também dos profissionais na área de construção civil, na área de manutenção, porque são esses profissionais que são necessários quando há investimentos a nível, por exemplo, de hotéis, de restaurantes, precisamos de mão-de-obra de uma forma transversal. O turismo tem vindo a gerar receitas através do Fundo do Turismo e essas receitas são aplicadas exactamente para melhorar a oferta turística em todas as ilhas, em todos os municípios, em todos os sectores de actividade. E assim atrair mais turistas e assegurar a tal diversificação e desconcentração do turismo, porque a oferta turística está a melhorar em cada vila, em cada município, em cada ilha e de uma forma diversificada.
A oferta turística está a melhorar
Claro que o turismo é importante para o desenvolvimento económico, mas também terá que haver limites. Quais são esses limites?
O plano de desenvolvimento estratégico do turismo defende um turismo sustentável. Por exemplo, uma das acções que já iniciamos, quer no Sal, quer na Boa Vista, onde o impacto do turismo é mais forte, foi a assinatura do Pacto de Sustentabilidade, com todos os principais operadores e players turísticos dessas ilhas. Para que cada um desses players tenha um plano de sustentabilidade turístico, quer social, quer ambiental, mas também económico, para que o turismo tenha um desenvolvimento sustentável. Alguns desses operadores já estão a aplicar esses planos. Muitos hotéis já têm em todas as suas estruturas e investimentos a energia renovável. Praticamente não há um hotel que não tenha energia renovável. Todos os hotéis têm acções de sustentabilidade social, quer a nível de apoio aos filhos dos trabalhadores, para frequentarem creches, mas também unidades de saúde. Há também ONGs e outros players que estão a trabalhar connosco na sustentabilidade da biodiversidade. Temos vários projetos a funcionar, no Sal e na Boa Vista, como a protecção da tartaruga, ou a sustentabilidade da natureza, essencialmente nas ilhas que consideramos de forte potencial para o turismo de natureza e de aventura: Santo Antão, São Nicolau, Brava.
Por exemplo?
Por exemplo, em Santo Antão estamos a proteger os caminhos vicinais, na sua sinalização, no seu mapeamento, na sua recuperação, mas envolvendo a população toda, quer através de formação – vários cursos de guias turísticos, de agentes de segurança, para assegurar a segurança dos turistas que utilizam esses caminhos vicinais, que são caminhos perigosos, porque são montanhas – mas também desenvolver um conjunto de actividades ao longo desse circuito de caminhos vicinais para a sustentabilidade económica – aproveitar os jovens, os agricultores que estão ao longo desses caminhos vicinais para tirar vantagem da presença desses turistas desenvolvendo pequenos negócios. Ou seja, por um lado temos um turismo que cresce muito nas ilhas do Sal e Boa Vista, de sol e mar, porque é um produto que constitui o driver do desenvolvimento do turismo, mas ao mesmo tempo estamos a trabalhar nos impactos de sustentabilidade para que o tal limite não seja ultrapassado, através de planos de sustentabilidade, quer em termos de infra-estrutura, quer sustentabilidade social, económica e ambiental.
Sustentabilidade social que é cada vez mais importante.
A nível de sustentabilidade social há o Fundo Mais, financiado sobretudo pelo Fundo de Turismo, para apoiar as famílias, para apoiar os alojamentos sociais, para diminuir o esforço financeiro dos trabalhadores, sobretudo nas ilhas turísticas, no pagamento de aluguer das casas e dos apartamentos. Ou seja, os alojamentos sociais que o governo está a financiar são exactamente para assegurar o pacto da sustentabilidade. Não haver barracas e haver alojamentos com rendas acessíveis, para além das acções sociais executadas através do Ministério da Família, financiadas pelos recursos provenientes do turismo: creches, escolas e outras actividades de natureza social. O turismo está muito ligado à questão da sustentabilidade social em Cabo Verde. Direta ou indiretamente.
No turismo nada pode ser deixado ao acaso.
Não, tem que se planificar, tem que se assegurar a sustentabilidade. Obviamente, primeiro a sustentabilidade do próprio negócio, porque se o negócio não for sustentável, não se consegue ter os recursos para distribuir. Agora, é preciso distribuir bem o que provém da riqueza gerada pelo turismo. Temos que ter, em todo o programa de desenvolvimento do turismo no país, essas vertentes de sustentabilidade social, para não criar problemas sociais terríveis, como aconteceram em outros países.
Em relação à diversificação, há o turismo de massa, há o turismo de nicho, como se divide o espaço para os dois?
Há espaço para os dois. Mesmo nas duas ilhas em que o turismo está mais desenvolvido, Sal e Boa Vista, basta ver a quantidade de pequenos e médios negócios, na área da restauração, do comércio, lojas, boutiques, actividades de entretenimento, visitas a áreas de preservação, às salinas. O próprio turismo de saúde, de bem-estar, começa a desenvolver-se e já há investimento nessa área. Ou seja, há nichos de mercado, mesmo nessas duas ilhas que têm como principal actividade o sol e a praia. E nós estamos a estimular mais ainda esses pequenos negócios através, por exemplo, do programa Impulsiona, que está a fazer um trabalho, que chamamos de formiguinha, a fazer o levantamento dos jovens, da população interessada em ter pequenos negócios, ajudar na elaboração dos projectos, contactar os bancos para financiar através da linha de crédito, com garantia de 80% a 100% através do ProGarante. Isto já é uma realidade, já está a acontecer, obviamente, é um trabalho que leva o seu tempo. Em outras ilhas, já há uma forte actividade de pequenos negócios, em Santo Antão, em São Vicente, pequenos negócios que começam a dar sinais de desenvolvimento. Aliás, já há resultados da desconcentração no ritmo de crescimento do turismo das outras ilhas, que está acima da média do país. A média nacional é 16,5%, Santo Antão está com 60%, quando comparado com 2023, São Vicente está em 30 e tal por cento, Fogo 20 e tal por cento. Sinais concretos da desconcentração. Obviamente, há ainda um longo caminho a percorrer e esse caminho tem de ser estimulado pela melhoria da conectividade interna, quer aérea quer marítima.
É preciso distribuir bem a riqueza gerada pelo turismo
Já vamos aos transportes, mas ainda no turismo, acha que não há necessidade de estabelecer limites? Claro que Cabo Verde é uma economia aberta, mas há outras economias abertas que já começam a falar em regular o mercado.
Cabo Verde tem que aprender. Ainda está num processo que está longe daquilo que esses países já atingiram. Mas já estamos a trabalhar na sustentabilidade, na diversificação, na desconcentração. Muitos desses países concentraram demasiado num único produto, como sol e praia. É o caso, por exemplo, da Espanha. Nós não. Estamos a aprender e o nosso plano estratégico já prevê essas dimensões de sustentabilidade. A probabilidade de chegarmos ao limite é reduzida. Não significa que não temos que estar atentos. Já temos instrumentos que nos permitem avaliar o impacto do turismo em cada uma das ilhas e nas populações e também acompanhar como é que as infra-estruturas estão a reagir à procura
Ou seja, não esperar para depois remediar.
Não esperar que o turismo chegue a um patamar em que as infra-estruturas já não conseguem aguentar. Estamos em planeamento permanente para evitar esses fenómenos. Acredito que Cabo Verde ainda tem um potencial e uma margem que lhe permite crescer.
Nos últimos anos falou-se muito da concorrência dos outros destinos. Actualmente parece ser um tema esquecido. Cabo Verde já consolidou a sua posição enquanto destino turístico, sem ter de olhar por cima do ombro?
A questão da concorrência é relativa, não é? Por exemplo, muitos dos turistas que iam sempre aos mesmos destinos pretendem agora diversificar. E em Cabo Verde já temos diversificação de mercados emissores. A demanda turística a nível mundial já recuperou a de 2019 e Cabo Verde já ultrapassou 2019 em mais de 44%. Portanto, é o primeiro país, praticamente, a superar em 2022 a demanda turística mundial que havia em 2019. Neste momento, nas regiões do mundo que já ultrapassaram o nível de 2019, temos o Médio Oriente, com mais de 34% em relação a 2019, a África com um pouco mais de 7%, a Europa com 1% a mais, todo o resto está bem abaixo. Ou seja, o factor da competitividade está a funcionar e Cabo Verde está muito procurado.
Que políticas públicas considera essenciais para o sector?
Essas políticas já estão a ser executadas há praticamente uma década. Por exemplo, a política de melhoria da qualidade da oferta turística em todas as ilhas, em todos os municípios, em todas as aldeias com potencial, mostra que Cabo Verde está a apostar fortemente. Na sustentabilidade, a política de estimular energias renováveis em todos os aeroportos, mas também nas convenções de estabelecimento, em que já um dos aspectos considerado nos protocolos que são assinados. E nem é preciso pedir, porque os investidores sabem que se não tiverem um produto assente na sustentabilidade social e ambiental, podem ter dificuldade em vender o próprio produto.
E em relação aos desafios, quais são os que antecipa?
Em termos de turismo, é assegurar a conectividade inter-ilhas, marítima e aérea. Outro é continuar a fomentar pequenos negócios. É um processo lento, porque nem toda a população tem vocação. Temos que identificar, ajudar, avaliar, dar algum suporte para que esses pequenos negócios possam ser sustentáveis. Não é um trabalho fácil, porque é preciso ter a veia comercial e isso leva o seu tempo. Com o desenvolvimento do turismo, essas actividades vão começar a aparecer com maior intensidade.
Atracção de investimento? Há novos projectos em vista?
Neste período de 10, 15 anos, Cabo Verde já aprovou projectos que atingiram quase 4 biliões de euros. Obviamente, nem todos os projectos aprovados vingam, mas, até este momento, em investimento directo, estrangeiro e nacional, contabilizamos mais de um bilião de euros em hotéis, restaurantes, actividades turísticas de entretenimento e outras actividades. Isso tem vindo a gerar empregos directos, indirectos e induzidos. Só para ter uma ideia, em 2024, são mais de 11 mil os empregos directos criados.
Cabo Verde acaba de ser eleito para o Comité Mundial de Ética em Turismo. O que é que vai mudar?
É todo um trabalho que temos vindo a fazer. Cabo Verde ainda é, por exemplo, membro do Conselho Executivo da Organização Mundial do Turismo. Foi eleito por dois mandatos. E Cabo Verde tem sido um membro activo. É por isso que agora também vai fazer parte do Comité da Ética do Turismo e vai passar a ter um papel activo na questão da sustentabilidade. Vai fazer com que tenhamos um turismo ético, assente na ética da civilização humana, um turismo saudável. Cabo Verde também vai sediar, em 2027, a reunião da Organização Mundial do Turismo, fomos eleitos para receber esse grande evento.
Vamos então aos transportes, no aéreo, quais são as prioridades?
A prioridade é o transporte aéreo doméstico. A nível internacional vamos continuar a estimular a conectividade, mas também continuar a apostar em Cabo Verde como um hub aéreo, tendo em conta a nossa localização no Atlântico Médio, e ligar o hub aos principais hubs da Europa, das Américas e da África. Ao ligarmos a esses hubs aéreos, estamos a ampliar a nossa capacidade de conectividade de Cabo Verde ao mundo. Cabo Verde não tem mercado, só tem uma solução, expandir para um mercado global e tirar vantagem da sua localização estratégica. A nível doméstico, o grande desafio é a estabilização da conectividade interna. É o que estamos a fazer com a criação da companhia aérea doméstica 100% do Estado. O objectivo é assegurar a estabilidade, a regularidade, o crescimento da frequência e manter, ou melhorar, a nossa coesão territorial e a unificação do mercado. Para isso, temos que aumentar a oferta. Somos arquipelágicos, temos que assegurar, custe o que custar, a conectividade, a mobilidade da nossa população. O investimento que estamos a fazer na nova companhia aérea, trazendo novos aviões, é para que não haja esse problema de quando há avarias ficarmos sem voos. Estamos a apostar fortemente para que isso seja resolvido. Não é de um dia para o outro, mas o caminho é esse e o governo já assumiu o transporte aéreo doméstico como uma questão de soberania.
Em relação ao marítimo.
É praticamente a mesma coisa, porque o marítimo não é só passageiro, é passageiro e carga. Precisamos melhorar bastante. Melhorar a concessão, melhorar a oferta, a frota. O governo já lançou o primeiro concurso para construção de um navio, vai lançar um segundo concurso logo a seguir à selecção da melhor proposta técnica e financeira. Obviamente, construir uma embarcação de raiz leva tempo, mas o governo está também a trabalhar com a Enapor na busca de alternativas, embarcações em segunda mão para reforçar as rotas, quer do Sotavento, quer do Barlavento, para que não tenhamos a situação que estamos a ter neste momento com as avarias constantes. Estamos a reforçar a capacidade da reparação e, ao mesmo tempo, encontrar embarcação no mercado internacional. Não está fácil, porque tem que estar adaptada aos mares de Cabo Verde, mas o objetivo é resolver tudo isto a médio prazo, dentro de dois, três anos.
A pretensão é ter, pelo menos, 4 aviões
Há obstáculos institucionais ou financeiros à implementação de políticas eficazes de transportes?
Não, acho que tem a ver com a nossa característica arquipelágica. O problema do transporte, quer aéreo quer marítimo, não é de agora, é histórico. Se compararmos a evolução de 2012 até 2015, o transporte marítimo doméstico esteve estagnado. Não passou de 700 mil, 800 mil passageiros ao ano durante esse período. De 2016 até agora, houve um crescimento enorme em termos de transporte marítimo inter-ilhas, de passageiros e de carga. O que prejudica é a frota não ser suficiente para dar resposta. Há uma dificuldade a nível do mercado internacional para conseguir esses navios. Não é um problema simplesmente financeiro. É um problema de oferta a nível do mercado internacional. É isso que estamos a procurar para poder dar resposta ao que estamos a viver neste momento, que é uma situação, de facto, complicada.
E em termos aéreos?
É quase semelhante, ainda que um pouco melhor do que o marítimo, porque, se formos ver historicamente o aéreo esteve sempre numa situação de instabilidade. Mas já recuperamos, por exemplo, no primeiro trimestre deste ano atingimos o número de voos semanais que tínhamos em 2015. Aliás, já ultrapassamos, estamos praticamente com o número de voos inter-ilhas por semana que tínhamos em 2019. Eram 155 voos, em média, por semana e já estamos com 148 voos por semana, ou seja, 7 voos a menos do que 2019, e com vinda das novas aeronaves, facilmente vamos ultrapassar o nível de 2019, em número de voos e de passageiros transportados.
Optimista, portanto.
Optimista, mas com os pés no chão. Porque as aeronaves não estão disponíveis para se adquirir quando se pretende. Mesmo tendo recursos financeiros. Com a pandemia, toda a demanda das aeronaves que estava prevista para 2019 foi prejudicada e até hoje ainda não se conseguiu dar resposta às encomendas. Isso também tem vindo a atrapalhar-nos para conseguirmos aeronaves no momento que gostaríamos de ter. Estamos neste momento a adquirir duas novas aeronaves e estamos a trabalhar para adquirir mais duas, através do dry lease [aluguer de aeronave sem tripulação, manutenção ou seguro incluídos], para serem operadas pela nova companhia aérea. Mas, quer em termos de aeronaves, de peças, ou de motores, há uma falta de disponibilidade no mercado. Muitas companhias aéreas ainda não receberam as encomendas que tinham feito em 2019. Isso está a afectar o sector aéreo. Não só em Cabo Verde, mas a nível mundial.
Mas são precisas soluções e depressa.
Temos a consciência que, a nível do transporte aéreo doméstico, precisamos de estabilizar o mais urgente possível. É um problema histórico, não é um problema de agora. Já tomamos as medidas estruturantes para mitigar as avarias que estão a acontecer, com aeronaves que não são da TACV, são aeronaves de terceiros e que estamos a pressionar para aumentar a capacidade da manutenção e de stock de peças, para não haver essas avarias. Queremos os nossos próprios aviões, sermos independentes de aviões de terceiros. A pretensão é ter, pelo menos, 4 aviões. Dois agora, mais 2 aviões no próximo ano. Mas há problemas e nós reconhecemos isso. A mesma coisa com o marítimo. Estamos a trabalhar. Não está a ser fácil, mas acreditamos que as medidas de curto prazo para mitigar vão ajudar. E as medidas mais estruturantes vão resolver os problemas de conectividade.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1230 de 25 de Junho de 2025.