Oito dos 15 juízes votaram pela revogação da medida que prevê suprimir o direito do poder judicial de se pronunciar sobre a "razoabilidade" das decisões do Governo ou do parlamento israelitas, segundo indicou o Ministério da Justiça, em comunicado.
"Na verdade, os juízes [do Supremo Tribunal] tomaram nas suas mãos, com esta decisão, todos os poderes que, num regime democrático, são repartidos de forma equilibrada entre os três poderes", executivo, legislativo e judicial, escreveu o ministro da Justiça Yariv Levin na rede social Telegram, criticando ainda a publicação do acórdão "em plena guerra [na Faixa de Gaza], o que vai contra a unidade necessárias nestes dias para o sucesso" dos militares na frente de combate.
A decisão do Supremo Tribunal pode reabrir a contestação na sociedade israelita que agitou o país antes da guerra contra o Hamas.
Os protestos foram colocados de lado quando o país se concentrou na guerra em Gaza, desencadeada após os ataques do Hamas em território israelita a 7 de Outubro, e a decisão de hoje do Supremo Tribunal pode reactivar a tensão que levou a meses de protestos massivos contra o Governo e que abalou a coesão da estrutura militar.
A lei aprovada em Julho foi a primeira de uma reforma do sistema judicial israelita, que ficou em suspenso após o ataque do Hamas.
A votação foi de oito votos a favor da revogação e sete contra, tendo o Supremo Tribunal anulado a medida devido "ao perigo severo e sem precedentes para a essência do Estado de Israel enquanto país democrático".
O tribunal votou ainda -- mas desta vez com uma clara maioria, de 12 contra três -- contra a alegação de que não teria legitimidade para reverter as 'Leis Básicas' do país, um aglomerado legislativo que é encarado como uma Constituição para Israel.
A decisão representa um golpe significativo para Netanyahu e os seus aliados, que argumentavam que os legisladores nacionais, não o Supremo Tribunal, deviam ter a última palavra sobre a legalidade da legislação e outras decisões fulcrais.
Os juízes decidiram que o Knesset, o parlamento israelita, não tem "poder omnipresente".
Netanyahu e os seus aliados anunciaram o seu plano de ampla reforma pouco depois de assumirem o poder, há cerca de um ano, pretendendo reduzir o poder dos juízes, limitar a acção do Supremo Tribunal sobre decisões parlamentares e alterar a forma como são nomeados os juízes.
O primeiro-ministro e os aliados alegaram que as mudanças têm por objectivo fortalecer a democracia, limitando a autoridade de juízes não eleitos e entregando mais poder a pessoas eleitas, mas a oposição vê a reforma como um assalto ao poder por Netanyahu, que está a ser julgado por acusações de corrupção, e um ataque a um órgão de fiscalização fulcral.
Antes do início da guerra, centenas de milhares de israelitas saíram à rua em protestos semanais contra o Governo de Benjamin Netanyahu, entre os quais se encontravam militares na reserva, como pilotos de caças e elementos de outras unidades de elite, que afirmaram que deixariam de se apresentar ao serviço se a reforma fosse aprovada. As forças militares israelitas dependem fortemente dos reservistas.
Os reservistas responderam prontamente à chamada após os ataques de 7 de Outubro de 2023, demonstrando unidade, mas não é claro o que acontecerá se houver uma insistência na aprovação da reforma, que pode levar ao retomar dos protestos e, nesse caso, colocar em causa a unidade nacional e a prontidão militar se os soldados se recusarem a apresentar ao serviço, como já anteriormente tinham ameaçado.
O primeiro-ministro israelita governa com base numa coligação maioritária no parlamento, o que na prática lhe dá o controlo do poder executivo e legislativo.
O Supremo Tribunal é, por isso, um supervisor crítico do sistema. Os críticos da reforma afirmam que, ao tentar enfraquecer o poder judicial, Netanyahu e os seus aliados estão a tentar eliminar o sistema de verificação e equilíbrio do país, consolidando o seu poder à custa do terceiro e independente ramo do sistema político, o poder judicial.
Os aliados de Netanyahu incluem partidos ultranacionalistas e religiosos, com uma lista de queixas contra o tribunal, e que têm apelado para mais construção de colonatos na Cisjordânia, anexação de territórios ocupados e limitação dos direitos da comunidade LGBTQ+ e dos palestinianos.
O tribunal emitiu o acórdão porque a sua presidente, Esther Hayut, vai reformar-se e hoje era o seu último dia no cargo.