E mbora tenha garantido por diversas vezes que não seria o último país a ratificar a adesão da Suécia à NATO, a Hungria é mesmo o derradeiro obstáculo à entrada efectiva daquele país na Aliança Atlântica, depois da ratificação por parte da Turquia, a 23 de Janeiro passado, no fim de um longo processo negocial entre Ancara e Estocolmo que se arrastou durante cerca de 20 meses.
Assumindo agora em sede da NATO o papel de 'vilão' que tantas vezes tem protagonizado na cena europeia, Orbán justifica o seu bloqueio à Suécia por alegadas posições "difamatórias" de Estocolmo relativamente ao Estado de direito na Hungria, a mesma razão, de resto, que levou Bruxelas a 'congelar' fundos comunitários a Budapeste, suscitando como resposta os múltiplos vetos húngaros no âmbito da UE.
Ainda na semana passada, a 01 de Fevereiro, os chefes de Estado e de Governo celebraram uma cimeira extraordinária em Bruxelas por 'culpa' exclusiva de Orbán, que em Dezembro bloqueou uma ajuda financeira de 50 mil milhões de euros à Ucrânia, naquela que parece ter constituído 'a gota de água' para muitos dos líderes europeus.
Cansados das "chantagens" do primeiro-ministro húngaro, diversos líderes da UE já admitiam publicamente recorrer à pior sanção prevista nos tratados e nunca antes usada: activar a alínea no artigo 7º do Tratado da UE que prevê retirar o direito de voto a um país por violação do Estado de direito.
Os sinais de intransigência face a novos bloqueios de Budapeste parecem ter dado frutos, já que não foram precisos mais de 10 minutos de cimeira para Orbán levantar o seu veto, isto depois de alguns dos 'pesos pesados' do Conselho Europeu, casos do chanceler alemão Olaf Scholz, do Presidente francês Emmanuel Macron e da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, se terem reunido à porta fechada com o primeiro-ministro húngaro imediatamente antes do arranque oficial dos trabalhos.
À saída da cimeira, Orbán 'vendeu' internamente que o desfecho da reunião era "um sucesso" para a Hungria, argumentando que conseguiu que o dinheiro dos cofres europeus destinado a Budapeste não seria concedido à Ucrânia, mas na realidade a sua enésima chantagem não teve os resultados que ambicionava, já que cerca de 12 mil milhões de euros de fundos regionais que cabem à Hungria continuam retidos, por incumprimento da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.
Não foi preciso esperar, no entanto, muito tempo para que, num palco diferente, o primeiro-ministro húngaro voltasse a protagonizar o papel de 'vilão': na passada segunda-feira, o parlamento húngaro reuniu-se em sessão extraordinária por iniciativa dos deputados da oposição para inscrever na agenda a adesão da Suécia à NATO, mas a sessão foi boicotada pelo partido no poder, o Fidesz 'de' Orbán.
Apesar da presença, nas galerias da assembleia, do embaixador dos Estados Unidos em Budapeste, David Pressman, e de outros 14 representantes de países membros da NATO, numa óbvia manobra de pressão, os deputados do partido Fidesz, com ampla maioria no parlamento, optaram por não comparecer e deixando sós os 51 deputados da oposição, num total de 199 lugares, tendo por isso a sessão sido adiada por falta de quórum.
Viktor Orbán, o líder europeu mais próximo do Presidente russo -- como ficou uma vez mais evidenciado em Outubro do ano passado, quando, em Pequim, e para choque da grande maioria dos seus homólogos e aliados, se reuniu com Vladimir Putin e deu-lhe um aperto de mão posando para as câmaras -, e o único líder da Aliança Atlântica que se opõe de forma declarada ao envio de armas para a Ucrânia, faz agora depender o seu aval à entrada da Suécia de uma deslocação do primeiro-ministro sueco a Budapeste basicamente para se retratar daquilo que a Hungria classifica como anos de uma "política de difamação" de Estocolmo relativamente à deriva autoritária da Hungria.
A Suécia, que já teve de enfrentar um longo processo negocial com a Turquia -- que acusava o país nórdico de tolerância com os militantes curdos que se tinham refugiado no seu território, alguns dos quais considerados terroristas por Ancara -- e teve mesmo de rever a sua Constituição e adoptar uma nova lei antiterrorista, não está, todavia, disposta a entrar no 'jogo' da Hungria.
O governo sueco já indicou que primeiro-ministro, Ulf Kristersson, aceita o convite para se deslocar a Budapeste, mas não para negociar o que quer que seja, recordando que, na cimeira de Madrid de 2022, a Hungria deu o seu acordo de princípio à adesão da Suécia à Organização do Tratado do Atlântico Norte sem colocar reservas.
É uma incógnita quanto tempo demorará este bloqueio da Hungria, mas a pressão aumenta sobre Orbán, até porque agora o primeiro-ministro húngaro enfrenta a impaciência generalizada não de outros 26 Estados-membros, como sucede na UE, mas de 30 aliados, entre os quais os Estados Unidos, com Washington a enviar crescentes sinais de descontentamento, como sucedeu na sessão parlamentar da passada segunda-feira boicotada pelo Fidesz, ao recordar que Orbán "prometeu agir 'na primeira ocasião'" e defendendo que essa sessão era a oportunidade de o fazer.
Num evidente sinal de que a impaciência com Orbán já é transtlântica, o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado norte-americano, o senador democrata Ben Cardin, classificou o primeiro-ministro húngaro como "o membro menos fiável da NATO" e defendeu mesmo que a administração de Joe Biden deveria ponderar sanções, sugerindo designadamente uma eventual exclusão deste país do Programa de Isenção de Vistos dos EUA, e é de prever que a pressão vá crescendo se Budapeste insistir em arrastar um processo que já vai longo.
A Suécia anunciou a sua candidatura à NATO em Maio de 2022, ao mesmo tempo da Finlândia, que foi admitida na organização em Abril passado.
Na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada em 24 de Fevereiro de 2022, os dois países vizinhos romperam com décadas de neutralidade após a Segunda Guerra Mundial e a política de não-alinhamento militar desde o fim da Guerra Fria.