Mas confesso que ando desiludida com o que vejo. É relatório vai, relatório vem, e estamos cada vez melhor posicionados, - “uma referência”- em África, hoje, mundial, amanhã, e não se festeja? É como se nada se passasse? Onde é que estão os fogos de artifício? Batucada? Pelo amor de Deus, não me digam que não vamos ter um festival de música até de madrugada dentro com muito álcool, barulho, laxismo e produção de resíduos para comemorar? Ah, que desapontamento. Então não há liberdade para celebrar o fato de sermos cada vez mais livres? Mas há liberdade para questionar essa nossa liberdade, não? É que um dos pressupostos da liberdade é precisamente um conjunto de direitos, a existência do livre arbítrio, de liberdade de expressão do pensamento, de opinião, de questionamento, de participação … como dizia Cabral o “ pensar com as nossas cabeças, andar com os nossos pés (…) contar em primeiro lugar com os nossos esforços, com os nossos próprios sacrifícios”.
Liberdade convida a direitos, a capacidade de fazer escolhas, a busca da verdade, significa necessariamente responsabilidade. Quantos cabo-verdianos incluem-se nesta categoria?
Os cerca de 22.365 cabo-verdianos que usufruem de uma pensão social de 5.880$00, sentir-se-ão livres? Em que consiste a sua capacidade de escolha? E não me cinjo apenas às básicas, económicas (pão, habitação, saúde, educação), mas também as de ter condições para poder escolher e participar ativamente na tomada de decisões do seu país, por exemplo. A liberdade confere dignidade humana e respeito pelos direitos humanos. Que pensarão essas pessoas que vivem em situação de miséria extrema dessas nossas “conquistas”?
A comunicação social e os seus profissionais sentem-se refletidos nesses memoráveis índices de liberdade? Realizam a sua profissão na sua plenitude e em liberdade? Ou estaremos perante uma liberdade que embora dada não deva ser usada? Uma espécie de sapatinho de Cinderela que, por qualquer razão, não cabe nos pés da imprensa? A imprudência de se servir da “liberdade à cabo-verdiana”. O dilema nacional de “ou se tem pão e não se é livre” ou “se é livre e não se tem pão”. O medo que devora qualquer possibilidade de prestar serviço. A capacidade de harmonizar a ética e alguma dignidade pessoal/ profissional com um ecossistema predador e hipócrita de políticos e grupos económicos.
E você que neste momento lê o texto? Considera-se um cidadão… livre? Como é que vê a liberdade? Um valor a ser defendido a todo o custo ou algo tão perigoso de ser exercido nesse país, de tamanha boa reputação internacional, que mais vale encolher-se, curvar-se a situações indignas, ultrajantes e injustas? Sente-se livre para corrigir o seu chefe, que na maioria das vezes, a única aptidão que possui é pertencer ao partido no poder? Sente-se livre para tentar mudar as coisas que o prejudicam a si, à sua família, a sua zona/ilha/ ou país? Para contestar? Protestar? Denunciar abusos independentemente da proveniência dos mesmos? Em suma, quantos são os cabo-verdianos que, de fato, se revêem nesses relatórios de exaltação da nossa democracia e de seus valores? E como harmonizar esses resultados com a censura, a auto-censura, a opacidade política, a inacessibilidade da justiça, a corrupção, a violação de direitos elementares, a opressão e o medo generalizado existente no país?
A minha única certeza neste momento, e digo-o com total liberdade, é que há muito que “nos enfiaram o barrete” e que por este andar não tarda este pequeno, jovem, frágil país insular ganhará o Guiness em ilusionismo. Há quem diga que andamos tão competentes nesta arte que estamos cada vez mais arrojados. Já nos parece possível a proposta de Ovídio Martins para o poema o único impossível: Não me façam rir!... Experimentem primeiro deixar de respirar ou rimar… mordaças com liberdade.
Seja lá como for, Cabo Verde está no bom caminho, o complicado é chegar em algum lado. Até lá, …vénias para os relatórios abonatórios. Tenhamos juízo.