Os algozes do 31 de Agosto devem procurar o confessionário

PorJosé Maria Rosário,18 set 2019 6:06

“Meus senhores e minhas senhoras, é de bradar aos céus como esses homens foram torturados”. Advogado Silvestre Évora.

O 31 de Agosto marca uma das páginas mais negras da história de Cabo-Verde: o dia em que se cunhou com sangue o “assalto à esperança” do povo das ilhas.

“Falar de página negra de uma ditadura é um eufemismo, afinal qualquer ditadura é uma página negra na história de um país. Mas há momentos que marcam mais do que outros. O 31 de Agosto de 1981 é uma dessas datas que não se esquecem”, in Expresso das Ilhas. 

Nesse malogrado dia, a ilha das montanhas tremeu ao sentir na pele a verdadeira face oculta e diabólica do PAICV: soldados de Madina de Boé, desaforadamente, auto-intitulados de melhores filhos da nossa terra, em actos terroristas inqualificáveis humilharam, torturaram e prenderam pessoas indefesas, violando os mais elementares direitos inerentes à dignidade humana. 

“A tortura em nome do partido único”, largamente ilustrada pelo Dr. Onésimo Silveira, relata sevícias e barbárie praticadas de forma cruel, ostensiva e desumana. 

Esse livro deveria ser distribuído ao público estudantil para que possa construir valores que lhe permita amar e defender com paixão, a liberdade e democracia.

A narrativa das vítimas da polícia política do PAICV, fazem até os anjos no céu chorar: ”naquela situação só pedia a Deus para morrer depressa, nada mais do que isso”, disse Manuel Ferreira, para de seguida acrescentar “Foi quando deram cabo de Osvaldo (Rocha), ele era franzino e não conseguiu agarrar-se, nem subir. Deram-lhe então várias coronhadas e destruíram-lhe os rins”.

Esse macabro enredo não poderá ficar impune: se a lei dos homens for letra morta a divina far-se-á cumprir. Aliás, é perceptível ver alguns, particularmente, uma certa casta de cúmplices “assessores”, a andar em passos descompassados, sempre vendo para trás, tal o peso e remorso que levam na consciência, do tamanho das montanhas de S. Antão. 

É chocante que esses oportunistas com papel-chave naquele “acto carnavalesco de Ponta do Sol” e kafkiana trapalhada jurídica, tenham sido até agraciados com avenças “pornográficas”, havendo inclusive quem até se vangloria como sendo o melhor de entre os pares “provincianos”. 

Se em nome da estabilidade se defende a “Comissão da Verdade”( pois, forças geradas no dissenso poderão causar disrupção a qualquer momento), ou mesmo equacionar uma amnistia para os coronéis do partido, que ao menos peçam desculpas à nação e às famílias trucidadas e de seguida procurem o confessionário. 

Todavia, a tolerância tem limites: o arquitecto do resgate, das fossas do KGB, da temível máquina de choques eléctricos e os colaboracionistas “ad hoc”, a troco de interesses primários obscuros, deviam ser julgados e severamente punidos. Aliás, ao longo da história da humanidade, estes jamais foram perdoados e até países pioneiros da liberdade sempre os perseguem, mesmo além fronteiras, não importa aonde possam acantonar.

Num país “leader” dos PALOP em estudos, ainda ninguém viu um diagnóstico exaustivo que pudesse quantificar e qualificar a real dimensão dos danos causados pelo “partido único” e os seus reflexos sócio-económicos, bem como a genealogia de determinadas estirpes de vírus invisíveis que ainda resistem “na consolidação das instituições democráticas”. Isso não é senão um sinal do quão denso são os seus tentáculos, que no subterrâneo e a coberto de métodos “Savimbianos”, continuam a envenenar e condicionar processos inovadores e estratégicos de desenvolvimento, que o governo legítimo do MPD vem implementado desde de 2016. 

Duramente fustigado com os mil pés, a ilha mártir é um gigante adormecido que precisa de um tratamento diferenciado para o seu take off. Décadas de “sufri calado”, já é momento de se desenvolver um amplo programa de acções com vista a reorganizar e modernizar o seu ecossistema empresarial, com foco no que melhor a ilha sabe fazer, e assim não perder o comboio da dinâmica turística que se perspectiva. 

A par disso que a ilha tenha o mais depressa possível o seu aeroporto, instrumento vital e merecido ao justo desenvolvimento. (Custa acreditar que, por conveniência, alguém no qual menos se esperava, negar tal infra-estrutura). 

Vivemos uma experiência dramática em épocas já distantes, algures entre as ribeiras imponentes da ilha, ao admirar um camponês de olhar férreo e postura firme, diante de um montão de entulho, impotente e imóvel ante gritos que ecoavam dos vales profundos e os caprichos da natureza: aí estava, sumariamente, sepultado seu filho, vítima de um deslizamento de terra num dia ensolarado de labuta. 

Enfrentar com a cara levantada as vicissitudes da vida é o perfil do santantonense, perseverante e íntegro, ao mesmo tempo empático e caloroso com todos quantos visitam a majestosa ilha, que tem todas as condições de marcar a diferença na diversidade turística que se pretende. 

O dia 31 de Agosto deveria ser feriado nacional, para que em todos os cutelos, ribeiras e escolas do país se pudesse reflectir sobre o dia das “Calças Roladas” e o valor da LIBERDADE conquistada a 13 de Janeiro de 91. 

A tentativa de alguns egos, saudosistas da ditadura do partido único, em mitigar a história de Cabo Verde a determinados períodos específicos da sua existência, não é senão uma malfadada e frustrada tentativa de tratar os cabo-verdeanos por idiotas. 

Em vias do sangrento episódio completar 40 anos, é chegado o “momento de acção e não de palavras”, pois, já é altura dos ilustres filhos da ilha irmã de Monte Cara desencadear um processo de solidariedade de S. Antão a Brava, com extensão à diáspora, para recolha de recursos necessários e finalmente poder levar esses “camaradas” às barras do Tribunal de CEDEAO e porque não ao TPI (Tribunal Penal Internacional), que por razões menores tem apreciado outros casos. 

Cabo-Verde terá, fatalmente, ajuste de contas com a sua história, se as almas que “sussurram” justiça, no campo santo de S. Miguel, no alto da montanha de Ribeira Grande de Santo Antão, continuarem com angústia perene de que os seus algozes em vez de punidos foram condecorados. 

Que estranho país é este, que calvário tem sido o seu percurso: de “flagelados do vento leste”, aprendendo a comer “pedras” para sobreviver à fome e ainda ter que suportar o insuportável: permitir que se erguem pedestais aos torcionários do seu próprio povo.

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Autoria:José Maria Rosário,18 set 2019 6:06

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  7 jun 2020 23:21

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