A política nos transportes marítimos inter-ilhas

PorLuis Da Graça Morais,9 mar 2020 6:11

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De facto, e ao contrário daquilo que muitos querem fazer passar, a história da marinha mercante em Cabo Verde não começou com a nossa independência.

O cabo-verdiano teve, desde sempre, uma ligação especial com o mar. A partir do achamento destas ilhas, seguido do seu povoamento, foi-se logo moldando a idiossincrasia do crioulo que, com os olhos postos no horizonte, foi desenvolvendo o seu espirito evasionista. No entanto, na maioria das vezes, o querer ficar dava lugar ao ter de partir. Mesmo assim, o mar mais tem ligado do que separado o povo destas ilhas.

A via marítima também teve um papel fundamental em épocas de estiagem. Foi por este meio que muitas famílias do campo, nas ilhas agrícolas, foram socorridas quando a Natureza resolvia pôr o povo à prova, através das secas cíclicas, com que, felizmente, já aprendemos a lidar. Neste ponto, muitos dos “capitães das ilhas” foram autênticos heróis, dando as mãos aos mais necessitados, fazendo-os chegar às ilhas onde seria possível ter uma sorte diferente. Por isso, há, de facto, razoes que justificam o carinho do “povo das ilhas” para com o nosso mar e a nossa frota, expressas num simples seló (a maneira como o habitante da zona portuária saudava a chegada do veleiro) ou também cantadas na nossa morna (hoje património da humanidade)

De facto, e ao contrário daquilo que muitos querem fazer passar, a história da marinha mercante em Cabo Verde não começou com a nossa independência. A armação em Cabo Verde tem um percurso muito mais longo e muito interessante que deve ser estudado e divulgado, para que os cidadãos, mais concretamente a nova geração, conheça a nossa evolução, neste sector. Dúvidas não há que, logo a seguir ao 5 de julho de 1975, a economia cabo-verdiana foi direcionada para um pendor estatizante com o Estado a entrar e a dominar todos os setores de atividade, incluindo a comercialização de produtos essenciais, através da então Empresa Pública de Abastecimento e o dos transportes marítimos, também, pela via de uma empresa estatal, sendo certo que a Arca Verde tinha como maior cliente a Empa, numa complementaridade Estado/Estado. É aqui que o sector privado começa a ser marginalizado, para não dizer estrangulado, criando uma cultura de um Estado omnipresente que, infelizmente, é defendido até aos dias de hoje, por um determinado grupo, e em contramão às dinâmicas da economia moderna e da economia global em que Cabo Verde tem de estar inserido.

Falando dos dias de hoje, ou seja, de todo o processo por que passou com a nossa frota até agora, convém relembrar que a chegada de mais uma unidade para o reforço da ligação das nossas ilhas tem sido sempre motivo de satisfação, em que, colegas do setor marítimo, embora concorrentes da praça, felicitam o proprietário pela nova aquisição, nunca poupando os seus votos de sucesso, demonstrando que, ao fim e ao cabo, a transversalidade da morabeza crioula também faz parte da nossa cultura de relacionamento. No entanto, a chegada do CHIQUINHO BL tem gerado um certo desconforto e tanta rebeldia numa determinada classe, mais concretamente de políticos, a tentarem influenciar as instituições técnicas com relação à certificação e disponibilização desse navio para servir a população, que tanto precisa de mais unificação e de ter cada dia uma melhor ligação entre as ilhas, num processo cujos meandros de aquisição, de teste, e de navegação desde o outro lado do mundo onde foi construído, até Cabo Verde foram devidamente divulgados e acompanhados pela população.

A realidade é que estamos num processo iniciado em agosto último e que se traduz num novo paradigma de transporte de mercadorias e de passageiros inter-ilhas, com previsão, regularidade e periodicidade a fim de satisfazer o cliente/utente, principalmente nas ditas “ilhas mais isoladas”. Por exemplo, é pela primeira vez na história do país, que a ilha de São Nicolau tem uma regularidade de ligações duas vezes por semana com as ilhas do Sal e da Boa Vista, (linha essa em que se pode viajar também até à cidade da Praia), três ligações semanais com a ilha de São Vicente e uma ligação direta com a cidade da Praia. Devido ao salto significativo, nesta área, são vários os emigrantes da ilha de São Nicolau que têm optado pela via marítima para fazerem a ligação Sal-São Nicolau e vice-versa, o que ficou demonstrado nas suas recentes deslocações à terra mãe por ocasião das últimas festas do Carnaval. Por isso, é um autêntico contrassenso e, de certa forma desproporcional, as declarações feitas pelo deputado da ilha de São Nicolau, do lado da Oposição, durante a última sessão parlamentar, relativamente às ligações marítimas desta ilha para com o resto do país.

De todo o modo, as descabidas afirmações de determinados políticos, nesta matéria, não ficam por aqui. Como têm estado, sistematicamente a insistir na existência de monopólio, neste sector, é de salientar que a concessão está a ser feita, neste momento, com um conjunto de cinco navios o que é muito inferior ao total das unidades navais da nossa marinha mercante em operação, tendo em conta que existem outras companhias e outros navios a laborar todos os dias e a darem a sua contribuição ao serviço da nação e das nossas gentes.

Perante a insensibilidade e a falta de sentido de estado demonstrados por pessoas que tinham a obrigação de serem exemplos, é fundamental que as entidades, as organizações e principalmente os políticos, adotem posturas de responsabilidade e moderação, visto que, a afirmação e o desenvolvimento do nosso querido Cabo Verde deve ser um desígnio nacional e é dever de todos acrescentar valor a este propósito.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 953 de 4 de Março de 2020. 

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Autoria:Luis Da Graça Morais,9 mar 2020 6:11

Editado porSara Almeida  em  4 dez 2020 14:54

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