Dentre essas medidas contam-se o enceramento das empresas públicas, serviços públicos da administração central e local, bem como das empresas privadas e demais atividades do comércio e indústria e serviços, com exceção de, Farmácias, atividades de abastecimento de mercados, fornecimento de combustíveis e gás, serviços de produção, abastecimento, fornecimento e venda de água e eletricidade, e os demais previstos nas diversas alíneas do art. 10.° do Decreto-lei registado sob o n.º 36/2020, de 28 de março, com remissão para o art. 10.° do Decreto-lei registado sob o n.º 44/2020, de 17 de abril.
Prevê-se ainda que, o encerramento dos estabelecimentos comerciais não possa ser invocados como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, nem como fundamento de obrigação de desocupação dos imóveis em que os mesmos se encontrem instalados (“ex vi” do art. 11.° do Decreto-lei registado sob o n.º 36/2020, de 28 de março, com remissão para o n.º 2 do art. 8.° da Lei registada sob o n.º 83/IX/2020, de 4 de abril). E posteriormente foram também aprovadas outras medidas de proteção dos arrendatários, como é o caso da suspensão da produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio, e da execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado, (“ex vi” da al. a) e b) do n.º 1 do art. 8.° da Lei registada sob o n.º 83/IX/2020, de 4 de abril).
Além das supra referenciadas medidas, nos parece que, poderíamos levantar aqui a necessidade de se criar um regime extraordinário e transitório de suspensão das ações de despejo e os processos para entrega de coisas imóveis arrendadas, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a ordenar, como foram adotados por exemplo: em países como, Portugal – através da Lei registada sob o n.º 1-A/2020, mas concretamente no n.º 10 do seu art. 7.°), e Brasil (Projeto de Lei registado sob o n.º 1179/2020, aprovado por unanimidade na sessão virtual pelo Plenário do Senado). Mas, deve-se proferir que, tal medida não se demostra necessária, uma vez que, os Tribunais Judiciais se encontram sob o regime das férias judiciais “ex vi” do art. 6.° e 7.° da Lei registada sob o n.º 83/IX/2020, de 4 de abril.
Posto isto, é de se levantar a seguinte questão: Será que os estabelecimentos comerciais encerrados por força do art. 10.° do Decreto-lei registado sob o n.º 36/2020, de 28 de março, com remissão para o art. 10.° do Decreto-lei registado sob o n.º 44/2020, de 17 de abril, que operem em imóveis arrendados poderão ter direito a uma redução das rendas durante o período de estado de emergência?
Ora, o contrato de arrendamento comercial deveria conter uma cláusula específica para acontecimento que impossibilitam a fruição do imóvel pelo inquilino, ou seja, estipular os direitos e obrigações das partes em caso de ocorrências de uma situação extraordinária (por ex.: a crise pandémica/COVID – 19). O que na prática não acontece, ou seja, regra geral, os contratos de arrendamento são omisso nesta matéria.
Assim sendo, para respondermos esta questão temos de recorrer a norma especial aplicável aos contratos de arrendamento (Lei registada sob o n.º 101/VIII/2016, de 6 de janeiro), e a lei substantiva civil.
Atento o disposto no regime geral da locação, o art. 1037.° da lei substantiva civil, que descreve a possibilidade de redução da renda, o descreve da seguinte forma: N.º 1. “Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior.”
N.º 2 “Mas, se a privação ou diminuição não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só terá lugar no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato.”
O que significa dizer que, a diminuição do gozo da coisa locada, não procedendo de motivo tocante à pessoa do locatário ou seus familiares, pode dar lugar a redução da renda. E esta redução deve ser proporcional ao tempo de privação ou diminuição do gozo da coisa locada.
E analisando o caso específico ora em tela (crise pandémica/COVID – 19), que levou ao encerramento dos estabelecimentos comerciais, e consequentemente a privação ou diminuição do seu uso, não é imputável nem ao inquilino, mormente ao senhorio, de maneira que, uma possível redução da renda nos termos do n.º 1 (um) do supra referenciado preceito não se enquadra a este situação; já o n.º 2 (dois) deste preceito, que regula a situação do tempo de privação ou diminuição do uso do imóvel que ultrapassa um sexto da duração do contrato, e tendo em conta que, o estado de emergência não será estendido para além do dia dois do mês de maio do corrente ano (“ex vi” da al. a) do art. 2.° do Decreto Presidencial registado sob o n.º 07/2020, de 17 de abril), o mesmo não se poderá aplicar também a esta situação.
Ora, não podendo aplicar “in casu” o previsto nos termos do preceito supra referenciado,resta-nos recorrer as regras gerais do regime da alteração das circunstâncias em que as partes fundaram o contrato, previstonos termos do n.º 1 do art. 437.° da Lei substantiva civil.
Ora, antes de debruçarmos sobre este regime, cumpre-nos proferir que, o contrato advém de um acordo de duas ou mais pessoas com o conhecimento de vinculação jurídica, pelo qual se atua a disposição automática de interesses privados.
Em suma, importa destacar que, a resolução ou modificação do negócio jurídico por alteração das circunstâncias previsto nos termos do n.º 1 do art. 437.° da lei substantiva civil, determina a demonstração da lesão, que a alteração provocou-lhe prejuízos, e que o mesmo não está cobertos pelo risco próprio do negócio, e acima de tudo, têm de ser de tal ponto que permita concluir que, a exigência das obrigações assumidas pelo lesado afeta gravemente o princípio da boa-fé.
Por conseguinte, na situação de alteração das circunstâncias em que as partes contrataram, e aceitando a cláusula “rebus sic stantibus,” o devedor poderá não cumprir toda a prestação a que está adstrito pelo contrato.
A aplicação do supra referenciado preceito, deve andar de mãos dadas com o princípio da autonomia privada, previsto nos termos do art. 405.° da lei substantiva civil. Este princípio consiste na possibilidade atribuída e garantida às partes de auto-regularem as suas relações jurídicas, os seus interesses, impondo por sua vez que, sejam cumpridas as obrigações arrogadas pela“lex contractus.”
E, se por um lado analisarmos os pressupostos acima, que são cumulativos, e por outro lado, o encerramento dos estabelecimentos comerciais que operem em imóveis arrendados, chegaremos a ilação que, “in casu,” estamos perante uma alteração anormal das circunstâncias imprevisíveis que alterou tão profundamente as relações entre as partes que não possam razoavelmente exigir-se o cumprimento dos contratos nos termos em que foram previstos; o que aceitavelmente levaria a uma justificada redução das rendas. Uma vez que, a realidade em que as partes se contrataram mudou, e não acolher a alteração das obrigações assumidas seria estar até certo ponto a desconsiderar essa mesma vontade negocial.
Porém, deve-se proferir que, a supra referenciada possibilidade de obtenção da redução da rendasó poderá ser exequível nas situações em que houve encerramento dos estabelecimentos comerciais que operem em imóveis arrendados nos termos do art. 11.° do Decreto-lei registado sob o n.º 36/2020, de 28 de março, com remissão para o n.º 2 do art. 8.° da Lei registada sob o n.º 83/IX/2020, de 4 de abril.
No entanto, nas situações dos contratos de arrendamento para habitação nos termos do art. 1104.° a 1108.° da lei substantiva civil, não se aplica a supra referenciada redução, uma vez que, a dificuldade do inquilino em saldar as rendas não se consubstancia em uma anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram o contrato.
Destarte, nesta situação específica de arrendamento habitacional, somos do entendimento que, o Governo de Cabo Verde deveria criar condições que pudessem proteger os inquilinos, nomeadamente, moratória para os inquilinos que não possam custear as despesas com as rendas durante este período de crise em que vivemos. Tendo em conta que, nem todos os trabalhadores que viram os seus contratos suspensos devido a crise pandémica, terão acesso aos benefícios atribuído pelo Governo com as medidas preventivas, para fazer face aos efeitos da crise pandémica/COVID – 19 (Lei registada sob o n.º 83/IX/2020, de 4 de abril). Uma vez que, muitos deles não estão inscritos no Sistema de Previdência Social próprio dos trabalhadores por conta de outrem, não por culpa própria, mas, pela inércia da própria entidade empregadora.
Deste modo, uma possível flexibilização no pagamento das rendas durante o período do aportado do novo Coronavírus aos arrendatários que possuam comprovadamente, uma diminuição de rendimentos como consequência direta das limitações que, em nome da saúde pública, foi necessário decretar, seria uma forma de debelar até certo ponto, as situações críticas em que os mesmos se encontram, provocada pela crise pandémica/COVID – 19.
Neste viés, teríamos um regime excecional para as situações de mora no pagamento das rendas devidas nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional, atendendo à crise pandémica em que padece o país.
E, terminado o estado de emergência, o arrendatário teria por exemplo: um mês para começar a pagar as rendas vencidas durante este período, em prestações mensais a ser acordado com o senhorio, por um prazo de 12 (doze) meses, pagas simultaneamente com a renda de cada mês.
Cidade do Mindelo, aos 24 dias do mês de abril do ano de 2020
Amarílio Rocha/Jurista e Professor Universitário.