Cabo Verde habituou-se a um perfil de Juízes do Supremo Tribunal de Justiça que apontou sempre para homens e mulheres respeitáveis, gente ponderada e de elevado bom senso, e, sobretudo, profissionais que devem cumprir as suas funções com grande recato.
Um artigo de opinião, assinado por uma Juíza do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Jornal Expresso das Ilhas, edição nº 988 de 4 de Novembro 2020, a respeito da minha intervenção sobre a SITUAÇÃO DA JUSTIÇA EM CABO VERDE peca, no mínimo, por falta de recato da sua autora. Francamente, não é isso que se espera de uma Juíza, mormente quando ela ocupa o lugar de Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. O facto de estar prevista para breve a sua saída desse Órgão, não justifica essa mancha que acabará inevitavelmente por marcar esse importante Órgão do Poder Judicial.
A Sra. Juíza não foi prudente quando preferiu, por razões que só a ela cabe justificar, privilegiar fontes secundárias relacionadas com a minha intervenção, ignorando o vídeo que regista com todo o rigor, e de uma forma completa, o meu discurso na Assembleia Nacional.
A Sra. Juíza ultrapassou todos os limites admissíveis num Estado de Direito Democrático ao utilizar a comunicação social para classificar como “abuso do mandato parlamentar” a minha já mencionada intervenção na Assembleia Nacional, criando uma situação verdadeiramente embaraçosa ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, que ainda preside.
Não deixa de ser desrespeitoso e abusivo um Juiz, neste caso concreto uma Juíza do Supremo, vir a público criticar a liberdade de uma Deputada Nacional de agir em consciência, pondo, assim, em causa o princípio da “separação e interdependência de poderes” imposto pela Constituição aos Órgãos de Soberania, nos termos previstos pela própria lei-mãe.
Nenhum Deputado ou Deputada (comigo incluída) alguma vez tentou sequer pôr em causa o nº 3 do artº 222 da nossa Constituição que diz que “Os juízes, no exercício das suas funções, são independentes e só devem obediência à lei e à sua consciência”. Da parte dos Deputados, o que tem acontecido sempre é o respeito absoluto por essa imposição constitucional.
Convém dizer que enquanto a Sra. Juíza procurava um jornal para atacar uma Deputada que apenas cumpriu o seu papel, da minha parte não contactei nenhum órgão de comunicação social e sequer utilizei as redes sociais disponíveis para divulgar a minha posição sobre “A SITUAÇÃO DA JUSTIÇA EM CABO VERDE”. Tudo o que foi escrito sobre essa matéria tem autores identificados, não existindo nenhum artigo na comunicação social e nas redes sociais da minha responsabilidade, a não ser um pequeno esclarecimento a respeito de um lapso na pronúncia de uma palavra que, apesar de tudo, não modificou o sentido da frase onde ela estava inserida.
A tentativa de interferência por parte dessa Juíza num Órgão de Soberania diferente daquele a que pertence desqualifica o nosso Estado de Direito Democrático.
Tivesse a senhora Juíza escutado o áudio-vídeo, teria chegado à conclusão de que não existe neste país ninguém mais defensora do que eu dos Juízes honestos. Há, seguramente, muitos como eu.
Na minha intervenção na Assembleia Nacional registada em vídeo muito divulgado, não por mim como atrás expliquei,digo o seguinte:
“A população de Cabo Verde sempre confiou e soube honrar os seus juízes, mas ao mesmo tempo sempre deles exigiu seriedade, responsabilidade e honestidade à toda a prova.”
Disse ainda que “é absolutamente anormal que alguns juízes sejam acusados de “gatunos, falsificadores de processos e aldrabãozecos”,sem consequência nem para o acusador, nem para o(s) acusado(s). “
Que esclareça a Sra. Juíza em que ponto da minha intervenção me posicionei contra os Juízes cabo-verdianos ou a favor de quem os acusa, para ser mais precisa, de quem acusa alguns deles de falsificadores de processos, etc., etc.?
Tenho que dizer à Sra. Juíza que, por razões que desconheço, foi precipitada na apreciação que fez da minha intervenção. Um mínimo de bom senso impedia que ignorasse a única fonte segura que é a gravação em vídeo da minha intervenção.
Não quero terminar este esclarecimento sem reforçar o seguinte:
Com os danos provocados na imagem da Justiça por um CASO como esse, sem paralelo na nossa terra, o Povo em nome do qual falo na Assembleia Nacional espera conhecer, num tempo aceitável, um culpado ou culpados, permitindo assim fazer funcionar a Justiça que se deseja que seja cega, o mesmo é dizer, imparcial.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 989 de 11 de Novembro de 2020.