Respeitamos os Direitos Humanos das Mulheres mas …

PorLígia Dias Fonseca,4 dez 2023 7:45

​Na 2ª Edição Fórum Nacional de Igualdade de Género, no momento de debate sobre o tema «Acesso a justiça- Ganhos, desafios futuros – VBG», o Procurador da República, António Andrade, referiu que na Comarca da Praia , na secção de VBG o MP tem dois procuradores homens porque é muito difícil encontrar um magistrado (seja homem ou mulher) que queira trabalhar nesta secção.

Nem as mulheres aceitam ou mostram disponibilidade para investigar este tipo de crimes. Nestes 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres e meninas, fica o meu apelo para que as mulheres que estão na magistratura judicial e do Ministério Público, façam a formação técnica necessária para trabalhar na investigação e julgamento dos crimes de VBG e de violência sexual . É uma área muito difícil, onde a investigação encontra muitos obstáculos, uma área que emocionalmente arrasa pela natureza horrenda dos factos, mas se não tivermos mulheres com coragem emocional, preparação técnica e muita determinação, não conseguimos fazer justiça nem garantir que as Mulheres e Meninas no nosso país tenham acesso à Justiça. Nesta matéria, no que se refere à tutela jurisdicional efetiva, o Comité da CEDAW ( Convenção contra todas as formas de discriminação contra a Mulher) recomenda aos Estados Partes que adotem medidas para garantir que as mulheres estejam representadas em igualdade no sistema judiciário e em outros mecanismos de aplicação da lei, como magistradas, juízas, magistradas do Ministério Público, advogadas(…).

Para uma mulher, seja qual for a sua idade, é sempre um pouco menos doloroso relatar a outra mulher a agressão física, moral ou sexual sofrida, descrever os factos, o que sentiu, do que fazer isso perante um homem. Por outro lado, será sempre um pouco menos difícil para uma mulher compreender a dor de outra mulher do que um homem.

Também por esta razão, e ciente que para uma boa decisão judicial é necessária uma perfeita compreensão da prova produzida, o Comité da CEDAW recomenda aos Estados Parte que revejam as regras sobre o ónus da prova, a fim de assegurar a igualdade entre as partes em todos os domínios em que as relações de poder privem as mulheres da possibilidade do tratamento justo dos seus casos pelo sistema judiciário.

Como foi relatado pelo Procurador da República, a maior parte das vezes o crime da VBG é perpetrado dentro de 4 paredes, no seio familiar e quando não há provas físicas, fica difícil provar o crime, é a palavra da vítima contra a do agressor. Ora, é necessário que os magistrados tenham formação adequada para conseguirem avaliar estes depoimentos e não deixar o crime impune, até que volte a ser novamente praticado.

Neste importante fórum organizado pelo ICIEG, também ficamos a saber que ainda há muita conivência das famílias relativamente à violência contra as mulheres e meninas. Mulheres que após serem socorridas e retiradas do alcance do agressor, preferem dar o dito por não dito e encobrem os companheiros que as violentaram, traçando uma imagem dos mesmos como «homem de sonho», porque receiam perder a fonte de rendimento que assegura o pão que alimenta os seus filhos. Mulheres estas que, no fundo vendem o seu bem estar físico e moral para garantir que os filhos não passem fome.

Significa isto que o acesso à Justiça para estas mulheres só será efetivo se houver mecanismos que lhe proporcionem rendimentos e a capacidade destas gerarem o seu próprio rendimento de forma a que não tenham de fazer a opção entra a porrada e o pão para os filhos.

Ficamos, igualmente, a saber que as famílias ainda continuam a proteger os homens e rapazes que violentam mulheres e meninas na família, recusando-se a depor ou mesmo eliminando as provas. Sabemos que em muitos casos de violação sexual, a prova é eliminada porque a avó ou a mãe antes de darem a conhecer o que passou com a menina se apressaram a lavar a mesma eliminando os elementos capazes de determinar categoricamente quem foi o violador.

Infelizmente, também no Fórum se disse que hoje ainda muitas mulheres não sabem que serem forçadas pelo marido ou companheiro marital a ter relações sexuais quando não querem constitui crime de violação.

A questão do assédio sexual nas universidades foi igualmente salientada pelos participantes. Todos sabemos que as desigualdades que encontramos na sociedade – económicas, de raça, género, sexualidade, deficiência – se repercutem na Universidade, também, e, talvez por isso, se ache como natural a existência de docentes vistos como “galanteadores” insistentes, e que no exercício das suas funções usem a agressividade nas palavras e a humilhação como uma espécie de pseudo exigência intelectual. Todo este conjunto de comportamento dos docentes é tolerado em geral e usado por uns tantos abusadores como forma de obter vantagens sexuais. É importante não ignorar estes factos e criar mecanismos dentro das Universidades para que alunas e alunos que se sintam agredidos por um comportamento do (a) professor(a) possam denunciar a agressão e obter apoio psicológico, sem que se transformem em acusados e sejam perseguidos. É necessário, ainda, que as denúncias sejam investigadas e sempre que se apure que a denúncia é procedente, a queixa deve ser encaminhada para as vias judiciais para que o autor de agressões seja responsabilizado.

Enfim, muitos foram os relatos de situações que pensávamos já não existir, ou melhor, não serem tão recorrentes, mas que continuam a ser e necessitam , por isso, que nós mulheres e associações de defesa dos direitos humanos continuemos a pôr o pé no chão e a percorrer as nossas comunidades e a falar com as mulheres, ouvi-las, intermediar na resolução dos conflitos, mostrar que é totalmente errado escravizar as meninas consentindo ou promovendo a sua entrega a uma vida marital ou de concubinato com um homem só para obter rendimentos económicos para as famílias.

Não queremos traçar um quadro negro sobre a situação dos direitos das Mulheres em Cabo Verde. Isso seria totalmente errado porque falso. O nosso país é reconhecido internacionalmente pelo respeito pelos Direitos Humanos e Democracia e quem cá vive sabe que é, no geral, verdade. Mas não podemos ignorar que apesar de todos os avanços feitos na defesa da equidade e igualdade entre homens e mulheres em Cabo Verde, ainda persistem preconceitos e práticas culturais que ofendem gravemente o bem estar integral das mulheres e meninas entre nós. Por isso todo o discurso político e toda a atuação de cada um de nós, principalmente dos hoje chamados «influencers» deve ser cuidada e muita atenta. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1148 de 29 de Novembro de 2023.

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Autoria:Lígia Dias Fonseca,4 dez 2023 7:45

Editado porAndre Amaral  em  4 dez 2023 7:45

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