É toda esta intervenção plural e diversa que concorre para que a Rosa de Porcelana Editora seja considerada uma marca, uma referência nesse mercado específico aqui no país e em outros espaços internacionais. Cabe ressaltar como valores essenciais resultantes da sua atuação a difusão da nossa literatura, a procura da mundialização da nossa escrita e dos autores. Recordo o Festival de Literatura Mundo Sal, das presenças em feiras literárias internacionais seja na Europa ou África, na edição de autores estrangeiros que procuram a editora e, logo, por isso, reverberam o nome do nosso país. Isto, senhores convidados, é escrever Cabo Verde. Por tudo, à Rosa de Porcelana Editora, à Márcia Souto e ao Filinto Silva a minha homenagem.
Toda esta intervenção plural e diversa, dizia, exige financiamento. O livro Porto Memória não estaria hoje neste porto se não houvesse um mecenas a apoiar a sua viagem. Um mecenas que tem estado no caminho de vários projetos literários e culturais cabo-verdianos, incentivando o desenvolvimento da nossa cultura, nomeadamente a literatura. Estou a referir-me ao Banco Interatlântico e ao seu Presidente, Dr. Pedro Gomes Soares. Aproveito a oportunidade para, de viva-voz, saudar os vinte e cinco anos do seu, nosso banco. Parabéns e que a vossa política de apoio à cultura faça sempre parte dos objetivos de ampliação do Banco Interatlântico e dos destinos da sua função social. Isso é participar na construção de Cabo Verde.
O livro Porto Memória de Manuel Brito-Semedo resulta de uma compilação de artigos, crónicas e estudos publicados no Jornal Expresso das Ilhas e conforme o autor referia há dias numa entrevista, cito: “com o objetivo de navegar pelo campo da literatura, recordar e ler, porque, ler é preciso”. Seguindo a linha de orientação deixada pelo autor eu fixei a minha intervenção em dois aspetos: o livro e a memória.
Devo dizer que foi realmente prazeroso reler os artigos do Porto Memória, com o cuidado que a minha missão agora exige. Foi um entrar no jogo das memórias incompletas, das suposições académicas, das pesquisas envolvidas, das opiniões de populares que fazem a comunidade e os seus contornos e, finalmente a leitura-opinião do autor sobre cada tema ou assunto. Por isso, quero agradecer ao Manuel a confiança pelo convite que nos dá oportunidade para falar um pouco desses temas, da construção da memória, e da amizade que, certamente, motivou o convite.
Poderá não vir a propósito falar em amizade, mas tudo, quase tudo, é permitido quando estamos a falar de Memória além de que, acho, as ilhas e o mundo precisam do culto da amizade, da compreensão e da tolerância.
Mas fiquemos pela memória aquela que se constrói dia a dia, dentro de casa, na nossa rua, nos portos, na ilha, nas ilhas, na diáspora, no mundo, com as contribuições de todos além das lembranças que chegam dos livros, como é o caso deste livro que traz memórias da chegada dos descobridores, da terra, da nossa terra, dos fenómenos mais marcantes da nossa existência, das coisas simples, das gentes comuns, dos nossos músicos, da tabanka e morna, enfim com coisas das ilhas.
O que eu quero dizer, na verdade é que nós somos as nossas memórias. Essas memórias que nos levam atrás das gentes ao nosso lado, das nossas gentes emigradas, das nossas gentes afastadas, das nossas gentes já levadas.
Memórias que fazem com que o livro do Professor Brito-Semedo, com uma linguagem atrativa, e, no seu estilo conhecido, uma escrita muito proactiva, evoca figuras das letras cabo-verdianas, seja da escrita literária, seja da escrita-registo e investigativa e nos apresenta oportunidades para refletirmos e falarmos sobre a construção da nossa identidade ou das nossas identidades, do nosso imaginário e do das ilhas.
Por exemplo, leva-nos aos nossos escritores seiscentistas, os primeiros a serem publicados, como se pode ver a págs. 13 e 14 sobre Álvares d’Almada e André Dornelas. Provoca o encontro com as Bibliotecas, as primeiras, da Praia e de São Vicente; mostra-nos o primeiro escritor cabo-verdiano, pág. dezanove. Nós gostamos dos primeiros. E depois de Guilherme Dantas o autor vai ter ao ensino, da primeira escola pública, ou escola do rei, na Brava até ao Seminário de São Nicolau e ao liceu e a uma elite intelectual aí nascida pg.27.
Acompanhamos a Produção Cultural na Praia Maria do Séc. XIX na pág. 140 e nos reencontramos com os 120 anos do Poeta Jorge Barbosa na pág. 135. O livro leva-nos a Luiz Loff de Vasconcellos, Nativista Convicto na pág. 101. Lembra-nos oDoutor Baltasar: Substantivamente Professor, adjectivamente Advogado, pg. 109 e Nhô Roque e a sua paixão pela cidade, pelas mulheres da cidade, e a sua paixão pela paixão.
Há um março, Mês da Mulher, da Árvore & Poesia na pág. 115e também a escrita feminina em Cabo Verde pág. 119.
E, lembrando a capa, entra o Porto, a Claridade, a morna, os negociantes da Baía, os estudantes de todo o arquipélago que lá iam ter, contribuindo para uma unidade nacional afetiva e real, a meu ver. Escrever tudo isso é escrever Cabo Verde.
As crónicas ou artigos que escrevemos em jornais acompanham-nos, mas têm uma vida breve. Compilados em livro tomam outra dimensão, porque o livro é sempre uma oportunidade que se renova de partilha ou oferta de emoções.
Quando falamos em emoções, a meu ver, e vale o que vale, deve-se ter em conta considerar o conhecimento como a fonte de todas as emoções, ressaltando ainda que o conhecimento é uma emoção, seja pelo reflexo nas nossas expetativas, ou pela incidência negativa ou positiva que provoca, ou ainda pelo insucesso na derrota ou pelo deslumbramento no sucesso, e as reações que tudo isso provoca em nós e na relação com o outro. Sim, defendo que o conhecimento é uma emoção.
Para concluir, obrigada de novo, Brito-Semedo, porque tu escreves Cabo Verde, tal como Orlanda Amarílis, Eugénio Tavares, Manel d’Novas, Jorge Barbosa, B.Leza, Arnaldo França e tantos outros que referiste. Porque escrever Cabo Verde é escrever não só a sua História, suas datas e eventos mais importantes, mas é também escrever as memórias do povo, as lembranças de cada um de nós, as lendas e as nossas pequenas histórias, imensas memórias.
*Texto de apresentação do livro de Manuel Brito-Semedo, Porto Memória.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1183 de 31 de Julho de 2024.