Há dias, quando a minha filha completou 21 anos de idade ( e passou, como ela disse a ser adulta em todas as partes do mundo), na hora de exprimir os desejos de felicidades ( uma tradição que herdei do meu pai: os discursos dos pais, irmãos, tios, amigos e colaboradores presentes após o apagar das velas), não contive as lágrimas quando lhe desejei que fosse sempre uma mulher livre: livre de preconceitos, livre de vícios e economicamente independente para puder viver em pleno a sua liberdade de pensamento. Para isso, é fundamental que estude, prepare-se para ter uma profissão e para ser boa, muito boa, naquilo que escolher fazer na vida. Só assim será uma mulher livre. O mundo tende a ficar cada vez mais perigosos para as mulheres e, às vezes, não conseguimos entender como é que tanta luta pela liberdade, tantas vitórias alcançadas, tantos preconceitos derrubados e, de um momento para o outro, parece que o que era inquestionável, o que estava reconhecido como essencial, deixa de o ser e voltam à ribalta os discursos e práticas de dominação e subordinação da mulher, do seu corpo e da sua dignidade. Mas não desistimos e continuaremos, até ao último fôlego, a lutar pela liberdade das nossas filhas e das filhas delas. Que este facho seja tomado por uma delas no meu fôlego final.
2. Em setembro também inicia o ano judicial (16 de setembro). Para os advogados que vivem sempre preocupados com os prazos judiciais, com prazos de caducidade e de prescrição, a pressão aumenta. Não temos Natal, nem Páscoa para uma pequena pausa. É uma situação que não se compreende num país onde mais de 80% da população é cristã e pratica o culto. A liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais consagrados na nossa Constituição (CRCV), implicando a liberdade da prática individual e coletiva do culto religioso. Para os cristãos, o Natal e a Páscoa são momentos religiosos muito importantes, com tradições fortes, designadamente a reunião das famílias. Sendo nós um país arquipelágico, com muita migração interna e também com uma grande emigração, é por ocasião do Natal e da Páscoa que muitas famílias se deslocam para estarem juntas. Este facto aliado a todo o cerimonial religioso e cultural que caracteriza estas datas do nosso calendário, justifica só por si a instituição de férias judiciais por ocasião do Natal e da Páscoa. Os argumentos de que isso iria contribuir para aumentar a morosidade parecem-se muito pouco sérios. Na verdade, as causas de morosidade que temos no país estão muito bem identificadas: falta de recursos materiais e de recursos humanos, tramitação processual complexa e alguma baixa de produtividade. Com a entrada em funcionamento do Sistema informático da justiça e a tramitação informática dos processos civil e criminal, muitos ganhos teremos, acredito, nesta luta contra a morosidade. A continuação da política de simplificação processual e da criação de juízos de pequenas causas também vai nesse sentido de uma justiça mais célere sem descuidar a segurança e o rigor da decisão judicial. É neste quadro que peço a discussão descomplexada e séria sobre a oportunidade de se instituírem uns dias de férias de 23 de dezembro a 2 de janeiro e de 5ª feira de cinzas e à 2ª feira a seguir ao domingo de Páscoa.
3. Falando de questões de Justiça e considerando que a atividade parlamentar é, também, retomada neste mês, uma pergunta que muitos cidadãos colocam hoje, após a publicação do relatório da Inspeção Geral de Finanças às despesas com o pessoal da presidência, é se o Presidente da República pode ser responsabilizado por crimes cometidos no exercício das suas funções?
A resposta positiva é dada pela própria Constituição de Cabo Verde (CRCV) que expressamente prevê que o Presidente da República possa ser responsabilizado por crimes praticados no exercício das suas funções, sendo o Supremo Tribunal de Justiça o órgão judicial competente para os julgar.
Porém, a iniciativa do processo não cabe ao Procurador-Geral da República, mas sim à Assembleia Nacional, mediante proposta de 25 deputados aprovada por uma maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções.
Iniciado o processo-crime contra o PR, este mantém-se em funções e só fica suspenso das mesmas a partir da data do trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente.
Uma condenação definitiva e com trânsito em julgado do PR por crimes cometidos no exercício do cargo implica a imediata perda do mandato e a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição. A CRCV não estabelece o prazo deste impedimento.
Este é o quadro constitucional sobre esta matéria. A solução da CRCV de exigir uma aprovação por uma maioria qualificada de 2/3 dos deputados em exercício de funções é, decididamente, a solução mais correta e compatível com a natureza do órgão Presidente da República no nosso sistema político evitando que este órgão de soberania fique refém de uma qualquer maioria simples, por um lado, e, por outro obrigando a que os deputados, representantes do povo, se posicionem publicamente sobre o seu entendimento acerca da legalidade, ética e responsabilidade exigidas a um Presidente da República.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1189 de 11 de Setembro de 2024.