Fundamenta o Estado de Cabo Verde a sua decisão com as sistemáticas violações dos contratos assinados com o investidor. Ora, atento aos argumentos apresentados na referida Resolução de Conselho de Ministros, o Estado de Cabo Verde agiu conforme o Direito Internacional de Investimentos. É o que vamos demonstrar brevemente de seguida.
O Direito Internacional de Investimento (Internacional Investment Law ou IIL) regula a proteção de investimento no mundo, particularmente, entre investidor nacional de outro Estado e Estado que acolhe o investimento (Host State). Também procura o equilíbrio e a proteção do interesse privado (investimento) e interesse público (Public Interest). As principais fontes do Direito Internacional de Investimento são: Acordo de Proteção Recíproca de Investimentos (Bilateral Investment Treaty ou BIT), assinado entre Estados e Contratos Internacionais celebrados entre investidor e Estado.
Na génese de criação de Direito Internacional de Investimento1, os Acordos de Proteção Recíproca de Investimentos eram muito desequilibrados, favorecendo mais o investidor, nacional de países desenvolvidos, de que o Estados que acolhe o investimento, normalmente, Estado do Terceiro mundo. Esse desequilíbrio ficou bem patente no primeiro Acordo de Proteção Recíproca de Investimento, celebrado em entre a Alemanha e o Paquistão, em 1949. Paulatinamente, com a sua «multilateralização», esses Acordos passaram a ser mais equilibrados, sobretudo com o advento da doutrina da «Nova Ordem Internacional» (New International Order) proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966, ano em que os países em desenvolvimento começaram a liberalizar as suas economias, passaram a reivindicar o direito de aplicar as suas próprias legislações nacionais aos investimentos estrangeiros e ainda o direito de gerir os seus próprios recursos naturais2. Insatisfeitos com essa posição, os países desenvolvidos encetaram negociações com os países de terceiro mundo, tendo chegado entendimento no sentido de maior equilíbrio nos Acordos de Proteção Recíproca de investimentos. Nasce assim, a já anunciada «multilateralização» desses Acordos, que deixaram de ser apanágio de países ricos (europeus) e de terceiro mundo, com mais equilíbrio entre o Standard de proteção de investimentos e investidores e o interesse público (Public Interest)3.
Convém realçar que apesar desse aparente equilíbrio, o investidor estrangeiro continua a gozar, no plano do Direito Internacional de Investimentos, proteção substantiva como, por exemplo, Tratamento Justo e Equitativo (Fear and Equitable Treatment), Proteção e Segurança (Security and Protection), direito a uma justa compensação, em caso de expropriação ou nacionalização de investimentos e benefício do rincípio da não discriminação. Ainda, o investidor goza de direito de escolher a Arbitragem Internacional, nomeadamente, a Arbitragem-CIRDI (Centro Internacional de Regulação de Diferendos em Matéria de Investimentos (International Centre of Settlement of Investment Dispute)-CSID)4. É o chamado Procedural rights5.
Cabo Verde, a semelhança de outros países, que procuram o Investimento Direto Estrangeiro, acolhe no seu direito positivo todo esse Standard de Proteção de Investimento da arena do Direito Internacional de Investimentos6. Uma solução jurídica, aliás, acertada, tendo em conta que precisa de investimento Direto Estrangeiro para o seu desenvolvimento, sobretudo neste mundo de concorrência, incerteza e imprevisibilidade.
Como acima aflorado, outra fonte de Direito Internacional de Investimento são os contratos celebrados entre Estado e investidor, no âmbito de atribuição de Estatuto de Investidor Externo. Este é o caso da situação em análise.
Atento à Resolução do Conselho de Ministro nº 103/2024, de 18 de novembro, o investidor em causa beneficiou de todo esse Standard de Proteção vigente na nossa legislação e no Direito Internacional de Investimentos, tendo o Estado de Cabo Verde cumprido a sua obrigação para com esse investidor.
Todavia, de acordo com os fundamentos apresentados pelo Estado de Cabo Verde, o investidor incumpriu os contratos celebrados e a própria Convenção de Estabelecimento, um «privilégio» que o Estado de Cabo Verde confere a alguns investidores, considerando o volume de investimento e seu impacto no Interesse Público. Diz o Estado de Cabo Verde na citada Resolução de Conselho de Ministros, que o fundamento da COVID-19 apresentado pelo investidor «não pode proceder porque a COVID -19 acabou desde o ano 2021 e até hoje as obras se encontram paradas», isso, apesar das advertências feitas. Ora, no Direito Internacional de Investimento vigora, também, o conhecido princípio «Pacta Sunt Servanda», ou seja, os contratos e acordos devem ser cumpridos pelas partes, de acordo com os termos estipulados e a boa-fé contratual.
Assim, as alegações de reiterada violação de obrigações contratuais por parte do investidor, conferem ao Estado de Cabo Verde o direito de resolver os contratos de investimentos celebrados, em defesa do Interesse Público, nomeadamente, o ambiente e os Direitos Humanos que constituem hoje uma preocupação da comunidade internacional7. As Nações Unidas dispõem de Guia contendo obrigações de investidores (United Nations Guidance Note on Environmental Human Rughts Defenders) na salvaguarda de questões ambientais (questões conexas com os direitos humanos) nos países de acolhimento dos investimentos8, como é o caso de Cabo Verde.
Essa decisão, rara, em nada belisca a imagem de Cabo Verde como país de destino turístico. Muito pelo contrário, demonstra que Cabo Verde é um país sério que oferece garantias e proteção internacional aos investimentos e investidores no seu território, mas, como contrapartida, exige que estes cumpram com as suas obrigações e respeitem as leis de Cabo Verde.
Apesar de desconhecer os meandros dos contratos resolvidos, fazendo fé no conteúdo da Resolução de Conselho de Ministros nº 103/2024, de 18 de novembro, (o Estado é uma pessoa de bem), creio que o Estado de Cabo Verde agiu em conformidade com o Direito Internacional de Investimentos, defendendo o interesse público, como é seu dever.
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1 Radi Yannich – Professor of Public International Law (UC Louvain) – Course of International Investment Law,(2018) Chapiter 1, p. 4 (LouvainX: International Investment Law | edX); The Argentine Carlos Calvo, however, contested the minimum standard of protection imposed by developed countries and instead defends favoured national treatment. In his view, ‘developed’ States could not insist that the host States treat foreign nationals more favourably than their own nationals.
2 Anghie, A. et al. (2003), The Third World and International Order – Law, Politics and Globalization, Martinus Nijhoff Publishers, p. 61.
3 Kulick, A. (2012), Global Public Interest in International Investment Law, Cambrige University Press; See Piar Daniel, (2019) comparative reasoning in International Court and Tribunall, Cambridge University Press p.p 107-139.
4 Parra, A. R. (2012). The History of ICSID, Oxford University Press.
5 https://icsid.worldbank.org/rules-regulations. The last Amendments of ICSID Regulation and Rules occurred in July 2022.
6 Lei nº 13/VIII/2012, de 11 de julho (o nosso Código de Investimento)
8 Kulick, A supra citado.
Subedi, P. Surya (2021), Reconciling Public Interests with Private Interests in International Investment Arbitration and Securing Effective Remedy for Investment–Related Human Rights Violations, Cambridge University, P. 337.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1200 de 27 de Novembro de 2024.