Por sua vez, ambos tiveram marcantes experiências de ensino fora de um contexto académico: Platão como mestre de governantes que pretendia converter às suas ideias, sem sucesso, e Aristóteles como preceptor de Alexandre da Macedónia, que viria a conquistar um império desde a Grécia até ao Egipto e ao Oriente.
Aristóteles não era ateniense, como Sócrates e Platão, mas oriundo de Estagira, na Macedónia – daí ser denominado Estagirita. A Grécia acabou por ser vencida por Filipe da Macedónia, pai de Alexandre, e integrada por este no seu Império, sendo Aristóteles objecto de desconfiança, pelas suas origens, tendo de acabar por sair de Atenas e regressar à Macedónia.
O contraste entre o idealismo platónico e o realismo aristotélico seria retomado entre Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, na filosofia medieval (Santo Agostinho ainda viveu no fim do mundo antigo, mas as suas ideias já se inserem na visão medieval), e entre os racionalistas e empiristas, no mundo moderno. Para Aristóteles, não existia um mundo das ideias: estas representam uma unidade obtida a partir da abstracção da diversidade, e não um mundo alternativo ao das sensações e da experiência. As Ideias são requeridas para compreendermos o mundo dado na experiência, mas não existem separadas deste. A ideia de cavalo, por exemplo, não é uma realidade separada dos cavalos existentes, mas é obtida a partir do que todos têm em comum, o seu conceito ou essência (ousia). Não há um dualismo, mas uma complementaridade entre a matéria (hylé) e a forma (morphé) das coisas, o que caracteriza o hilemorfismo aristotélico.
O pensamento de Aristóteles é dinâmico, não apenas o da realidade actual, mas do possível ou potencial: a semente (acto) contém como potencial de realização a flor (potência). Esta transformação pertence ao mundo sub-lunar (a Terra), enquanto o mundo supra-lunar, do Sol e dos planetas, é caracterizado pela permanência. No centro da Universo está a Terra, comos planetas girando em volta dela (geocentrismo). O astrónomo Ptolomeu iria desenvolver esta visão, que se manteve durante os mundos antigo e medieval, sendo apenas alterada no mundo moderno, com o sistema heliocêntrico (O Sol no centro e a terra girando em torno dele) de Copérnico e Galileu.
Aristóteles foi precursor da problemática da demonstração racional da existência de Deus, exposta na sua Metafísica, a partir de uma teoria da causalidade e da finalidade. Como todas as coisas tiveram uma causa, deverá haver uma causa primeira que as antecede – Deus, que não tem uma causa, mas é uma causa primeira de tudo. Deus é origem e finalidade, o Alfa e o Ómega do Universo.
A Retórica desenvolveu um saber que não é de tipo demonstrativo ou exacto, à maneira das ciências, nem arbitrário, mas é antes argumentativo. Os sofistas ensinavam a argumentar visando vencer as discussões, e convencer os interlocutores. Para Aristóteles, há uma ética da argumentação, que deve visar o bem e o verosímil. Perelman retomou esta orientação para conceber uma Teoria da Argumentação ou Nova Retórica para a contemporaneidade.
A lógica aristotélica baseiase na dedução, ou seja, vai do geral para o particular, sendo o silogismo a sua forma: temos uma premissa maior, geral, uma premissa menor, particular, e uma conclusão. O exemplo mais conhecido desta formulação é: Premissa maior: todos os seres humanos são mortais. Premissa menor: Sócrates é humano. Conclusão: Sócrates é mortal. O Organon expunha este método, ao qual Francis Bacon iria opor um Novo Organon, que partia das observações particulares para os conceitos e leis gerais – a indução.
Platão idealizou um mundo perfeito, descrito na sua utopia – a República, como um modo de realização das suas Ideias, Modelos, Formas ou Arquétipos. Aristóteles pensava que a perfeição não se atinge neste mundo, por isso propunha somente um mundo melhor, exposto na Política. A política parte da condição do ser humano como animal político, ou seja, aquele que vive numa Polis – Cidade, não isolado, mas em comunidade. Para pensar um modelo de cidade, devemos partir das constituições e das cidades existentes, reais, e não, como em Platão, de uma cidade ideal. Platão e Aristóteles têm em comum a afirmação de que a política deve ter como finalidade uma sociedade justa. Platão começou por pensar que o seu modelo ideal de cidade dispensava as leis, visto que já era organizado de forma justa ética e politicamente, sem precisar de um fundamento jurídico. Viria depois a reconhecer a necessidade das leis, tendo intitulado a sua última obra As Leis. Inversamente, Aristóteles reconhece as leis como condição da justiça: A justiça não existe senão entre os seres humanos cujas relações são regidas por um sistema de leis. Esta noção é precursora da actual ideia de Estado de Direito.
Uma sociedade justa assenta numa ordem política, jurídica e ética. A ideia corrente de que a ética pertence à esfera privada, enquanto a política se refere à esfera pública, não era seguida por Aristóteles para qual ambas confluíam na procura da felicidade – individual e colectiva, pessoal e social. A finalidade ética da política consiste, para ele, na realização do bem comum, ao qual se devem subordinar as leis. Embora a mais elevada forma de vida fosse, para Aristóteles, a teorética – ou seja, dedicada à contemplação e compreensão do mundo – a praxis (prática) política e ética constituía igualmente um domínio do exercício da actividade humana.
O aristotelismo viria a ter um papel estruturante no pensamento medieval, como base da Escolástica, encimada por São Tomás de Aquino, que conciliou a filosofia aristotélica com a religião cristã, na sua Suma Teológica. As actuais ciências ou disciplinas mantêm em grande parte a denominação que lhes foi dada originalmente por Aristóteles: Política, Ética, Retórica, Física ou Psicologia. A organização e estruturação enciclopédica do saber por Aristóteles permanece como um modelo para conectar a diversidade das disciplinas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1210 de 5 de Fevereiro de 2025.