No passado dia 21 de fevereiro Cabo Verde, a República e a Nação comemoraram os 45 anos do ponto de partida para a segunda independência. Dessa vez a económica. Trata-se da instalação da FIR Oceânica do Sal, que Portugal, então potência colonizadora, abandonara nos anos 50 do século passado em consequência da Segunda Guerra Mundial.
Depois da independência política a 5 de julho de 1975 foram precisas grandes disputas com intensos encontros diplomáticos sob a égide da Organização da Aviação Civil Internacional por causa da reclamação que Cabo Verde fizera no sentido de recuperação de uma grande extensão do território em pleno Oceano Atlântico, adjacentes ao Brasil, Canárias (Espanha), Senegal (Dakar) e Santa Maria (Açores) que partilham a grande extensão do território de servidão aeronáutico no triângulo que liga África, Europa e Américas. Felizmente que Cabo Verde conseguiu recuperar grande parte do espaço aéreo que deveria ficar sob a jurisdição da FIR Oceânica do Sal. Ficaram mais. Foi a negociação possível, perante envolvência e interesses de outros Estados, antigas potências coloniais.
O desenho para a independência económica de Cabo Verde está registado no Boletim Oficial com data de 11 de fevereiro de 1980 com a publicação da criação da FIR Oceânica do Sal. A 21 de fevereiro pelas 12:00 horas TMG a soberania nacional tornou-se uma realidade concreta. O Decreto-Lei número 9/80 estabelece a Região de informação de voo Oceânica do Sal; o Decreto-Lei número 10/80 aprova o regulamento relativo à entrada, saída e sobrevoo do território de Cabo Verde por aeronaves civis em voos internacionais, complementado com a Portaria número 11/80 estabelecendo o sistema e a tabela de taxas de assistência à navegação aérea em rotas a aplicar na Região de Informação de Voo do Sal – FIR (Flight Information Region).
A conquista do início da independência económica de Cabo Verde fora precedida por intensos encontros técnicos e diplomáticos. O destaque é sem sombras de dúvidas a reunião Regional de Navegação Aérea para Caraíbas/América do Sul, que aconteceu em Lima, Capital de Peru, de 5 a 28 de outubro de 1976. Entre outros assuntos discutidos, recomendou-se o estabelecimento de uma Região de Informação de Voo do Sal (FIR Oceânica do Sal).
Tal recomendação, após o debate na sede da Organização da Aviação Civil Internacional, veio a ser confirmada pelo Conselho da referida organização através da resolução datada de 18 de dezembro de 1978. Desde essa altura o Estado de Cabo Verde deu início à criação de condições técnicas operacionais culminando com a instalação de equipamentos e organização do serviço tendo como resultado a instalação da FIR iniciando as operações no dia 21 de fevereiro de 1980. São 45 anos da entrada triunfal de Cabo Verde no setor da aeronáutica civil internacional. No Decreto-Lei 11/80 conforme o número 4 do artigo da Lei sobre a Organização Política do Estado de 5 de julho de 1975, foi constituído por 8 artigos sendo o último a determinar a entrada em vigor a 21 de fevereiro de 1980.
A recuperação da FIR Oceânica foi uma conquista gigantesca que originou uma maior autonomia do país dando assim o início ao crescimento da economia. Afinal de contas a localização geográfica na rota dos três continentes é a nossa principal riqueza.
A FIR Oceânica do Sal é uma fonte importante das receitas do Estado. Os dados que dispomos são os que estão publicados e referentes a 2022.
De acordo com a publicação no jornal Expresso das Ilhas de 26 de junho de 2022 os voos controlados pela FIR Oceânica do Sal aumentaram 32% no primeiro trimestre do ano, face a 2022 para o equivalente a 151 por dia praticamente regressando aos valores pré- pandemia, segundo os dados da ASA. Os dados estatísticos em relação aos movimentos entre janeiro e março de 2022 totalizou 13.618, crescendo face aos 10.318 no mesmo período de 2022 e apenas 156 movimentos no primeiro trimestre de 2019 por causa da Pandemia. As receitas em 2018 por exemplo foram 2.945 milhões de escudos e totalizava 43% de todas as receitas isto antes da concessão dos aeroportos e aeródromos do país à sociedade Vinci Airports SAS, por um período de 40 anos. No próximo artigo tentaremos fazer uma análise mais detalhada sobre a contribuição da FIR no Produto Interno Bruto (PIB).
Segundo informações produzidas pela Agência da Aviação Civil, a FIR Oceânica do Sal, sob a responsabilidade de Cabo Verde, possui uma área de 1,2 milhões de quilómetros quadrados; 99 por cento do território nacional que são 4.033 quilómetros quadrados. Uma questão que deveria suscitar uma reflexão profunda e séria por parte dos atores políticos e de todo o cidadão em geral.
Na verdade, um país insular sem grandes recursos naturais não poderá sozinho garantir segurança em toda sua plataforma marítima e aérea. A parceria com a NATO ou outras instituições como as Nações Unidas e organizações regionais é um desígnio nacional em que todos deveriam acreditar. Ao longo dos anos os sucessivos governos sempre disseram não à instalação de bases militares no arquipélago. O Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva também já deu garantias absolutas em relação a essa matéria.
O que mais interessa é que a nossa Soberania está garantida. A FIR Oceânica do Sal está confrontada a Norte com a FIR das Canárias (Espanha), a Sul com a FIR de Dakar (Senegal), a Leste não há delimitação específica, estendendo-se até o Oceano Atlântico. A FIR Oceânica do Sal desempenha um papel crucial na gestão do tráfego aéreo internacional, contribuindo para a segurança e fluidez dos voos. Sua localização Geoestratégica a torna um ponto de passagem fundamental para as rotas aéreas transatlânticas.
O arquipélago de Cabo Verde situado a 445 km da Costa Ocidental africana nos paralelos e 17 de latitude Norte, em pleno oceano Atlântico na rota dos três continentes, desde da sua descoberta pelos portugueses em 1460 no quadro da expansão, é um ponto estratégico da navegação marítima e aérea e por isso muito cobiçado pelas superpotências mundiais. Apelidado pelo historiador inglês Basil Davidson de ilhas afortunadas perdidas no Atlântico, ganhou um estatuto adicional depois da primeira Travessia aérea do Atlântico Sul protagonizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em 1922, com amaragem do hidroavião Lusitânia em S. Vicente e Santiago.
Nos tempos modernos e com a nova ordem internacional motivada pelos interesses vários, Cabo Verde tem a distinção de porta-aviões do Atlântico a par dos Açores e Canárias, dois arquipélagos que integram o espaço da Macaronésios, territórios importantes na segurança do Atlântico que partilhamos.
Cabo Verde continua sendo um país neutro em relação à disputa de territórios por parte das principais superpotências mundiais, entre as quais os EUA, Rússia e China nessa frenética luta pela hegemonia. A guerra na Ucrânia veio confirmar ainda o quanto é importante o domínio do apetecido corredor Atlântico e outras regiões ricas em minerais.
E assim vai Cabo Verde nos 45 anos da recuperação da FIR Oceânica, no ano em que celebramos os 50 anos de independência. Com cerca 500 mil habitantes no país e o triplo na Diáspora, apesar da sua pequenez, é uma referência democrática internacional devido à estabilidade política, económica e social que é motivo de orgulho de todos. Ainda persistem muitos desafios para o arquipélago perdido na imensidão do Atlântico com o mar cercando ilhas todas. Por essa razão o sentimento bipartido “querer ficar e ter que partir” ou “querer partir e ter que ficar, sempre fará parte do imaginário do povo das ilhas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1213 de 26 de Fevereiro de 2025.