Repensar a Educação - Crioulo e Português: Pontes do Saber

PorBrito-Semedo,10 mar 2025 8:05

A construção da cidadania em Cabo Verde está intrinsecamente ligada ao domínio da língua portuguesa, ao conhecimento da história nacional e à valorização da cultura crioula, elementos que definem a identidade do país. Nesse sentido, a herança cultural cabo-verdiana, resultante da confluência de influências africanas e europeias, não só enriquece essa identidade, como também representa um património singular que deve ser preservado e promovido.

Reconhecendo a centralidade desses pilares na construção da cidadania, as políticas educacionais contemporâneas sublinham a importância de os reforçar, assegurando que desempenham um papel essencial na formação de cidadãos críticos participativos e preparados para os desafios da modernidade. Além disso, há uma necessidade crescente de conciliar a tradição com a inovação, garantindo que o ensino acompanhe as exigências da sociedade globalizada. O desafio passa por desenvolver um sistema educativo que respeite a identidade nacional sem descurar a inserção de Cabo Verde num mundo interdependente.

Duas Línguas, Uma Identidade

A língua portuguesa, sendo o principal veículo de ensino, não se limita a um meio de comunicação, mas constitui um instrumento fundamental para o acesso ao conhecimento e à participação social. Ao mesmo tempo, a convivência entre o português e o crioulo expressa a dualidade linguística cabo-verdiana, tornando essencial a implementação de políticas educativas que promovam a inclusão e a valorização desta diversidade.

Nos últimos anos, o debate em torno da oficialização da língua cabo-verdiana tem vindo a ganhar destaque, sobretudo com a introdução da disciplina de Língua Cabo-Verdiana no ensino secundário. Para além da sua dimensão política e educativa, este movimento representa um reforço da referência ao papel da língua cabo-verdiana no contexto da crioulidade, evidenciando-a como um dos principais traços distintivos da identidade nacional. Esta iniciativa pretende lançar as bases para a plena oficialização do idioma, em paridade com o português, conforme estabelecido na Constituição desde 1999. Assim, o Governo cabo-verdiano introduziu esta disciplina, de carácter opcional, a partir do 10.º ano, nas 44 escolas secundárias do arquipélago, com o objectivo de testar abordagens científicas no que respeita a gramáticas, alfabetos e metodologias de ensino.

Um dos maiores desafios reside na formação de professores especializados, um processo que poderá levar pelo menos uma década para permitir a plena integração da língua crioula no sistema educativo. Para além da criação de recursos pedagógicos adequados, será essencial garantir uma abordagem pragmática e gradual, assegurando que a valorização do crioulo não implique a subalternização do português, reconhecido igualmente como uma língua identitária e fundamental para a comunicação e inserção de Cabo Verde no mundo.

História Viva, Cidadania Forte

O ensino da história assume um papel determinante na construção da identidade nacional e na formação de cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres. Isto, porque é um facto, que o conhecimento do passado facilita a compreensão das dinâmicas sociais, culturais e políticas que moldaram o país, promovendo uma visão mais crítica e informada do presente.

A história cabo-verdiana é marcada por processos de mestiçagem, resistência e adaptação a condições adversas, factores que contribuíram para a consolidação de uma identidade crioula única. No entanto, a valorização dessa história exige um compromisso efectivo com o ensino e a preservação da memória colectiva.

A integração da história no currículo escolar deve ir além da memorização de datas e acontecimentos, estimulando a análise crítica, o debate e a reflexão sobre os desafios contemporâneos. Para isso, é fundamental incentivar a investigação histórica e a produção de conhecimento sobre o passado cabo-verdiano, reforçando o sentimento de pertença e fortalecendo a cidadania. Além disso, é crucial adoptar uma abordagem global, contextualizando os acontecimentos nacionais no panorama internacional. Esta perspectiva amplia horizontes, permitindo que os estudantes compreendam melhor as interacções entre Cabo Verde e o mundo e desenvolvam uma identidade nacional sólida sem perder a capacidade de diálogo intercultural.

Educação para o Futuro

A construção da cidadania em Cabo Verde exige um investimento contínuo no ensino da língua portuguesa e da história, aliados à valorização da cultura crioula. Estes elementos não só garantem o acesso ao conhecimento, como também promovem a coesão social, a consciência cívica e o desenvolvimento de competências essenciais para a participação activa na sociedade. Temos de encarar o facto de que a diversidade cultural do país é um factor de enriquecimento e não um obstáculo. Na verdade, promover a cultura crioula nas escolas, aliada a um ensino de qualidade da língua portuguesa e da história, contribui para o fortalecimento da identidade nacional e para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, e não o seu inverso, como muitas vezes se argumenta.

O sistema educativo cabo-verdiano deve preparar os estudantes para enfrentar os desafios da globalização, fomentando a aquisição de competências tecnológicas, linguísticas e culturais que lhes permitam integrar-se num mundo em constante transformação. Por isso, a adopção de metodologias inovadoras, o incentivo à investigação e a implementação de práticas pedagógicas dinâmicas são cruciais para alinhar a educação cabo-verdiana com as exigências do século XXI. Nesse contexto, o reforço do ensino de línguas estrangeiras, como o inglês e o francês, ampliará as oportunidades de integração dos jovens nos mercados internacionais.

A educação, enquanto pilar do desenvolvimento, deve articular tradição e modernidade, identidade e abertura ao mundo, assegurando que Cabo Verde continue a afirmar-se como uma nação coesa, democrática e competitiva no cenário internacional, e é por isso que valorizar a língua, a cultura e a memória histórica não é apenas uma necessidade educativa, mas uma responsabilidade colectiva na construção de um futuro mais sustentável e inclusivo. 

Homenagem à Filóloga Dulce Almada Duarte

(São Vicente, 1933 – 2019)

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1214 de 5 de Março de 2025.

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Autoria:Brito-Semedo,10 mar 2025 8:05

Editado porAndre Amaral  em  10 mar 2025 8:05

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