homepage
A IA ocupa hoje um lugar central na agenda geopolítica internacional, sendo disputada sobretudo por potências como os Estados Unidos e a China, que reconhecem que liderar nesta área poderá redefinir profundamente o equilíbrio global de poder, moldando uma nova ordem mundial. O domínio da IA influencia não apenas a economia e a defesa, mas também normas globais e valores internacionais.
Para os países em desenvolvimento, especialmente os africanos, esta situação coloca um duplo desafio. Existe o risco real de o fosso económico entre as nações mais ricas e as mais pobres se aprofundar de forma irreversível, criando uma exclusão digital e económica dramática. Contudo, simultaneamente, ela (a IA) apresenta-se como uma oportunidade única para o leapfrogging, permitindo aos países menos desenvolvidos saltar etapas tradicionais de progresso através do uso inteligente dessa tecnologia emergente.
Cabo Verde tem sido reconhecido pela sua estabilidade política e institucional. Segundo o Democracy Index 2024, da The Economist Intelligence Unit, o país classifica-se como uma "democracia com falhas", ocupando o 37.º lugar global com uma pontuação de 7,58, destacando-se como a terceira democracia africana melhor classificada, atrás de Maurícias e Botsuana. Embora esta estabilidade seja crucial, ela não garante por si só o sucesso num ambiente global marcado por rápidas transformações tecnológicas e digitais.
É fundamental complementar essa estabilidade com agilidade e adaptabilidade estratégicas, garantindo que Cabo Verde possa responder proativamente às exigências da era digital e aproveitar plenamente as oportunidades oferecidas pela IA para, primeiro, saltar etapas e, consequentemente, promover um desenvolvimento inclusivo e sustentável.
Estamos perante uma revolução tecnológica cujas proporções, para muitos, ultrapassam mesmo o impacto histórico da invenção da internet. A IA já alterou radicalmente setores como saúde, educação, negócios e administração pública. Segundo o relatório da McKinsey "What is AI (Artificial Intelligence)?", a IA é projetada para gerar um impacto económico global de vários trilhões de dólares nos próximos anos, transformando profundamente os padrões produtivos e sociais a nível mundial.
Para Cabo Verde, esta revolução tecnológica constitui uma oportunidade estratégica ímpar, perfeitamente enquadrada pela Estratégia da Economia Digital de Cabo Verde (EEDCV). O documento já aponta caminhos para o fortalecimento das infraestruturas digitais, a promoção da literacia digital e o estímulo à inovação tecnológica, colocando Cabo Verde como um potencial hub tecnológico regional. Ao seguir esta visão estratégica, o país pode impulsionar uma economia digital robusta, modernizar o tecido empresarial e preparar a sua juventude para os desafios globais futuros.
Globalmente, mais de 60 países já têm Estratégias Nacionais para a IA, refletindo a importância estratégica desta tecnologia. África parece também atenta, impulsionada pela recente "Estratégia Continental para a IA" da União Africana, que visa guiar os países na adoção de uma abordagem para a IA. Países como Ruanda, Egito e Tunísia já possuem estratégias próprias, colocando-se na vanguarda tecnológica continental.
Neste contexto, Cabo Verde precisa acelerar para não perder o ritmo. É imperativo acelerar a implementação da EEDCV, promovendo mudanças institucionais e legais essenciais para adaptar o país à nova realidade tecnológica. É preciso revisitar a Lei de Proteção de Dados para garantir que não seja um entrave e esteja alinhada com os desafios colocados pela IA. Igualmente importante é o reforço do quadro nacional de cibersegurança para enfrentar os riscos associados à automatização algorítmica sem, contudo, restringir a liberdade necessária e fundamental para a sua própria existência.
Além disso, é fundamental introduzir mecanismos legais específicos de supervisão algorítmica, capazes de regulamentar práticas como profiling, tomadas de decisão automáticas e transparência algorítmica, assegurando que as tecnologias sejam implementadas de forma justa e responsável. Finalmente, Cabo Verde deve rapidamente avançar para a criação de uma Lei de Base da Inteligência Artificial, uma legislação abrangente e inovadora que estabeleça os princípios éticos e operacionais para o desenvolvimento e utilização responsável da IA.
Paralelamente aos desafios estratégicos, o país precisa também antecipar questões práticas relacionadas aos custos elevados de propriedade (ownership) do hardware específico para IA, que dependem fortemente de tecnologias avançadas de semicondutores e metais raros, inseridos em cadeias de abastecimento altamente reguladas e competitivas. É igualmente essencial ponderar os custos operacionais destas tecnologias, especialmente o elevado consumo energético associado. Neste cenário, o papel dos parques tecnológicos existentes em Cabo Verde torna-se crítico, devendo atuar como centros catalisadores para soluções inovadoras que reduzam esses custos e otimizem o uso sustentável de recursos.
O avanço da IA está a reformular rapidamente a ordem económica e social global. Para Cabo Verde, adiar ou hesitar não é uma opção. Precisamos agir com rapidez e determinação estratégica, aproveitando esta janela de oportunidade para assegurar que o país se posicione não apenas como seguidor, mas como parte desta nova ordem mundial e, eventualmente, como líder regional, garantindo voz ativa, relevância económica e sustentabilidade social no futuro próximo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1218 de 2 de Abril de 2025.
