Repensar a Educação: Do Saber ao Ser: Rumo ao Futuro

PorBrito-Semedo,28 abr 2025 9:46

Homenagem ao Professor e Escritor Baltasar Lopes da Silva (São Nicolau, 1907 – 1989)

O Ensino Secundário em Cabo Verde abrange um ciclo único de quatro anos, do 9.º ao 12.º ano de escolaridade, com duas vias opcionais – geral e técnica – e tem passado por reformas significativas para se tornar mais acessível, inclusivo e de qualidade. Para fortalecer o sistema educativo, há que se manter um esforço contínuo para melhorar a estrutura, aperfeiçoar práticas pedagógicas e ampliar o suporte socio-económico, criando melhores condições para alunos e professores.

Modernização Curricular e Identidade Cultural

O Plano Estratégico da Educação 2022-2026 visa modernizar o currículo, alinhando-o aos padrões da OCDE. No secundário, através de disciplinas como Matemática, Tecnologias de Informação e Comunicação, Filosofia e línguas estrangeiras, para desenvolver competências adequadas aos desafios do século XXI. Além disso, propõe reforçar o ensino da língua portuguesa e introduzir a língua cabo-verdiana, equilibrando inovação e tradição.

A implementação deste plano enfrenta obstáculos significativos. A adaptação às normas da OCDE pode não considerar plenamente as especificidades culturais e socio-económicas de Cabo Verde, um país insular com recursos limitados. A introdução de novas disciplinas e a valorização da língua cabo-verdiana exigem investimentos em formação de professores e o desenvolvimento de materiais didácticos e infraestruturas adequadas, o que pode sobrecarregar o orçamento educacional.

Além disso, a eficácia destas reformas depende da capacidade do sistema educativo em garantir uma educação inclusiva e acessível para todos os alunos, independentemente da sua localização ou condição socio-económica. Portanto, embora as intenções do plano sejam louváveis, a sua execução requer uma análise cuidadosa dos recursos disponíveis e das realidades locais para evitar a criação de disparidades e assegurar que as reformas beneficiem efectivamente toda a população estudantil.

O Abandono Escolar: Uma Barreira ao Desenvolvimento

A elevada taxa de abandono escolar, sobretudo entre os rapazes, continua a ser um problema crítico. Factores como dificuldades económicas, entrada precoce no mercado de trabalho e desmotivação por falta de perspectivas de futuro são determinantes neste fenómeno. O impacto vai além das consequências individuais, e compromete também o desenvolvimento do país ao limitar a formação de mão-de-obra qualificada.

Para mitigar este problema, além de fomentar o desenvolvimento da economia criando um mercado de trabalho estimulante para os jovens e que contribua para alargar o espaço fiscal (e com isso, o orçamento disponível para a educação), é essencial reforçar a orientação vocacional e implementar programas de apoio, tais como bolsas de estudo, reforço escolar e assistência psicológica. Assim, garantir-se-á que os alunos encontrem suporte para continuar os seus estudos.

Infraestruturas: A Urgência da Modernização

Apesar da expansão da rede escolar, muitas instituições ainda enfrentam problemas estruturais. Salas de aula sobrelotadas, mobiliário inadequado e instalações sanitárias precárias comprometem o ambiente de aprendizagem.

Nas zonas mais remotas, a carência de laboratórios, bibliotecas e espaços desportivos acentua as desigualdades, limitando as oportunidades dos alunos e comprometendo a equidade do sistema educativo. Investir na requalificação das escolas é, portanto, essencial para garantir um ensino de qualidade.

Destaca-se, neste contexto, a louvável iniciativa da empresa Adega SA, que, no âmbito da sua responsabilidade social, financiou a construção de um centro educativo na Achada Grande, proporcionando ensino desde o pré-escolar até ao 12.º ano. Este acto de mecenato reforça as condições de aprendizagem e promove maior equidade no acesso à educação, beneficiando directamente a comunidade e contribuindo para o desenvolvimento do país.

Outras empresas, especialmente nas áreas da banca e seguros, combustíveis, telecomunicações, transportes e construção civil, poderiam seguir esta visão de futuro. O envolvimento do sector privado na melhoria das infraestruturas educativas e da qualidade do ensino aliviaria significativamente o orçamento do Ministério da Educação, permitindo que os recursos públicos fossem direccionados para outras áreas estratégicas, promovendo um sistema de ensino mais eficiente e sustentável e que beneficia, a médio prazo, a qualidade da mão-de-obra disponível para as próprias empresas.

Professores: Valorização e Capacitação

A qualidade do ensino está intrinsecamente ligada à formação e às condições de trabalho dos professores. A actualização constante em metodologias pedagógicas e o acesso a formação contínua são essenciais para que os docentes possam responder às exigências da educação contemporânea.

No entanto, muitos profissionais enfrentam baixos salários, contratos precários e uma carga horária excessiva, factores que desmotivam e impactam negativamente a sua actuação. Incentivar a progressão na carreira, melhorar as condições laborais e promover um acompanhamento pedagógico mais eficaz são medidas fundamentais para valorizar a profissão e elevar a qualidade do ensino.

Ensino Técnico: Uma Alternativa Estratégica

A Via Técnica representa uma opção viável para os jovens que desejam ingressar rapidamente no mercado de trabalho, sem comprometer o acesso a níveis mais avançados de educação se assim o vierem a desejar. Com um percurso de quatro anos e dupla certificação, este modelo permite tanto o acesso ao ensino superior como a inserção profissional. No entanto, enfrenta desafios como a falta de infraestruturas adequadas, escassez de materiais didáticos e estágios profissionais insuficientes.

Para fortalecer esta via, é necessário desenvolver parcerias com empresas, garantir estágios de qualidade e promover campanhas de valorização do ensino técnico, desmistificando a ideia de que se trata de uma opção de menor prestígio.

Digitalização: O Futuro do Ensino

O acesso a recursos didácticos de qualidade continua a ser uma dificuldade, especialmente devido ao custo dos manuais escolares. A digitalização da educação surge como uma solução viável, facilitando o acesso a conteúdos educativos através de plataformas online.

O acesso está intimamente ligado ao domínio da língua (e de línguas) e de ferramentas digitais. Contudo, a vulgarização do uso de tais ferramentas enfrenta obstáculos como a falta de oferta educativa, de equipamentos adequados, e conectividade limitada em algumas regiões. Investir na modernização dos recursos educativos e na inclusão digital será fundamental para garantir um ensino mais dinâmico e acessível.

Gestão Escolar: Eficiência e Transparência

A eficácia da gestão escolar tem impacto directo no sucesso educativo. Esta eficácia depende de um bom planeamento estratégico e da simplificação burocrática. Acresce que a ausência de mecanismos eficazes de supervisão em algumas instituições, a burocracia excessiva, a falta de planeamento estratégico e a ausência de mecanismos eficazes de supervisão dificultam a implementação de políticas educacionais.

A descentralização da gestão poderia tornar as escolas mais dinâmicas e adaptadas às necessidades locais. Para isso, é essencial investir na formação dos gestores escolares e estabelecer sistemas de avaliação contínua, assegurando uma gestão mais eficiente e transparente.

Considerações Finais: Rumo a um Ensino de Excelência

A melhoria do Ensino Secundário em Cabo Verde exige investimentos sustentáveis e estratégias bem definidas. Reduzir o abandono escolar, modernizar as infraestruturas, valorizar os professores e fortalecer a Via Técnica são medidas essenciais para consolidar os progressos já alcançados.

A integração de tecnologias e línguas no ensino e a diversificação dos recursos pedagógicos serão determinantes para preparar os alunos para os desafios do futuro. Cabo Verde tem a oportunidade de construir um sistema educativo mais inclusivo, inovador e alinhado com as exigências do século XXI, garantindo que cada jovem possa transformar o conhecimento adquirido numa trajectória de realização pessoal e profissional.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1221 de 23 de Abril de 2025.

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Autoria:Brito-Semedo,28 abr 2025 9:46

Editado porSara Almeida  em  28 abr 2025 13:22

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