Repensar a Educação - Universidade: O Futuro Começa Aqui

PorBrito-Semedo,23 mai 2025 11:04

Homenagem ao Professor e Escritor António Aurélio Gonçalves (São Vicente, 1901 – 1984)

O ensino superior é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de qualquer sociedade, desempenhando um papel decisivo na valorização do capital humano, na promoção do progresso económico e social, e na produção de conhecimento. Em Cabo Verde, este sistema revela um potencial promissor, mas enfrenta dificuldades significativas, como a limitada massa crítica, restrições financeiras e dispersão de recursos. Estas dificuldades são amplificadas pela reduzida dimensão do país e pela escassa população estudantil, que em 2023/2024 contava com apenas 9.213 alunos, dos quais 5.717 do sexo feminino e 3.493 do sexo masculino (Fonte: Agência Reguladora do Ensino Superior, ARES), sendo que a tendência indica uma diminuição.

O sistema de Ensino Superior em Cabo Verde é actualmente composto por onze instituições, das quais duas são públicas: a Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), que conta com três polos principais – dois em Santiago e um em São Vicente – além de uma extensão no Fogo, acolhendo um total de 3.902 estudantes; e a Universidade Técnica do Atlântico (UTA), que integra quatro institutos – dois em São Vicente, um em Santo Antão e outro no Sal – com 506 estudantes. Diante deste cenário, torna-se essencial uma reestruturação estratégica, orientada para a optimização de recursos, o reforço da qualidade do ensino e a ampliação do impacto das instituições no desenvolvimento nacional, promovendo uma abordagem mais integrada e eficiente.

As universidades têm o potencial de actuar como agentes de transformação, funcionando como centros de reflexão, inovação, criatividade e mudança social. A avaliação de 2023, conduzida pela ARES, evidenciou a importância de as instituições cabo-verdianas responderem de forma mais eficaz aos desafios locais e globais, promovendo soluções práticas e formando profissionais aptos a liderar mudanças.

Ensino Superior Integrado e Relevante

Além dos impactos imediatos no mercado de trabalho, as universidades cabo-verdianas podem tornar-se atraentes para estudantes internacionais, aproveitando atributos como o clima, as praias e a morabeza. Atrair jovens estrangeiros, no contexto da mobilidade global, tem o potencial de diversificar a população estudantil e fomentar investimentos no país, contribuindo também para mitigar a emigração de quadros qualificados.

Para atingir esse objectivo, é essencial adoptar uma perspectiva de longo prazo e estabelecer parcerias estratégicas. Além disso, a colaboração entre a Uni-CV e a UTA apresenta grande potencial para optimizar recursos, reduzir redundâncias e consolidar áreas de especialização, ampliando a oferta educativa com maior diversidade e qualidade. O sucesso desse esforço depende também da modernização de infraestruturas, como a construção de residências universitárias que garantam condições adequadas para estudantes, investigadores e docentes em mobilidade, além de requerer investimentos em tecnologias, nomeadamente de comunicação, que facilitem o ensino e a colaboração à distância.

A centralização em dois polos universitários (e não mais) não só contribui para a criação da já referida massa crítica, como também proporciona uma mais precoce e educativa autonomização aos jovens que ganham a oportunidade de viver em campus universitários mudando de ilha ou cidade. Tal como atesta o programa Erasmus+ promovido pela União Europeia e ao qual a Uni-CV aderiu, apoiou cerca de 1,3 milhões de oportunidades de mobilidade internacional em 2023 (Fonte: Relatório Anual de 2023 da Comissão Europeia). Esta experiência proporciona vantagens significativas no desenvolvimento académico e pessoal dos jovens, mas é ainda muito pouco explorada em Cabo Verde.

O Campus do Mar representa um modelo inovador de ensino superior especializado e orientado para as necessidades da economia azul. Através da formação qualificada e da investigação aplicada, este projecto visa transformar o conhecimento científico em soluções concretas para o sector marítimo. Modelos semelhantes poderiam ser desenvolvidos noutras áreas estratégicas, criando polos de conhecimento que impulsionem o crescimento do país. Para que isso aconteça, é fundamental apostar em programas de financiamento para a investigação, fortalecer parcerias com empresas e incentivar a produção científica voltada para desafios concretos.

Ambiente Académico Inovador e Inclusivo

As universidades desempenham um papel crucial ao fomentar o pensamento crítico, a inovação e a extensão comunitária. Nesse sentido, é importante envolver os estudantes em actividades investigativas desde o início da sua formação, promovendo o desenvolvimento de competências práticas e analíticas necessárias no mercado de trabalho. Para tal, é necessário incentivar a colaboração com entidades públicas ou privadas que implementam projectos de desenvolvimento (ministérios, ONGs, e outros nos quais os estudantes podem enquadrar os seus trabalhos de investigação e de tese) e fomentar fortemente o intercâmbio com a sociedade civil.

Para além da formação académica, o ambiente universitário deve também integrar experiências culturais, desportivas e sociais. Grupos musicais, eventos artísticos e infraestruturas desportivas modernas contribuem para enriquecer a vivência académica, promovendo o bem-estar e a coesão da comunidade universitária.

Sustentabilidade e Desenvolvimento do Capital Humano

Qualificar o corpo docente, ampliar o número de doutorados e criar incentivos para atrair profissionais qualificados são medidas essenciais para melhorar a qualidade do ensino e da investigação. Tais medidas, ao melhorarem e aumentarem a produção científica, credibilizam a universidade, promovem a participação em redes internacionais de I&D e facilitam a mobilização de recursos competitivos.

A diversificação das fontes de financiamento é essencial, sendo as parcerias com o sector privado e a captação de fundos públicos internacionais estratégias fundamentais para aumentar os fundos próprios e diminuir a dependência do Estado e das famílias. Assim, a criação de uma entidade dedicada à gestão de financiamentos para investigação e desenvolvimento seria um forte passo em frente pois contribuiria para optimizar parcerias e alocar recursos de forma eficiente, incluindo bolsas de estudo, prémios por desempenho, e financiamento de projectos por meio de concursos transparentes.

De notar que, apesar do Programa de Governo da VIII Legislatura (2021-2026) prever um sistema estruturado para o financiamento da Ciência, Inovação e Tecnologia, a sua implementação tem sido atrasada, seja por ineficiência governamental, falta de vontade ou mesmo ausência de visão política[1].

Visão Estratégica para o Futuro

Tal como demonstra a análise do impacto noutros países (OCDE, 2002)[2], os frutos de uma aposta séria na qualificação do ensino superior, da ciência e da tecnologia, revelam-se apenas a médio e longo prazo. No entanto, resultam numa melhoria palpável da competitividade e do bem-estar da população em geral.

O futuro do ensino superior em Cabo Verde exige um investimento sério e continuado, numa abordagem integrada que priorize eficiência, inclusão, qualidade e parcerias estratégicas. Contudo, a marcada fragmentação actual do sistema compromete a capacidade de atingir esses objectivos, ressaltando a urgência de uma reorganização estruturada. Acresce que é ainda relevante consolidar a conexão entre as universidades e as comunidades, assegurando que o conhecimento gerado seja efectivamente aplicado para resolver problemas concretos, promovendo um impacto positivo e duradouro na sociedade.

Ensino Superior: A Hora de Agir

Repensar o ensino superior em Cabo Verde vai além de uma reorganização administrativa; trata-se de um compromisso com o futuro do país. Um sistema universitário eficiente e inclusivo pode transformar as universidades em motores de progresso e inovação.

Com ensino, investigação e extensão comunitária alinhados a uma visão estratégica, Cabo Verde tem condições para se destacar em educação e inovação no contexto regional e global. O momento de agir é agora, com colaboração e determinação, para garantir um futuro sustentável e inclusivo.


[1] Cf. João Duarte Fonseca, “Fundação para a Ciência, Inovação e Tecnologia: uma oportunidade perdida?” – https://expressodasilhas.cv/opiniao/2024/12/23/fu...

[2] OECD (2022). Education at a Glance 2022: OECD Indicators. Paris: OECD Publishing. Disponível em: https://doi.org/10.1787/69096873-en

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1225 de 21 de Maio de 2025.

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Autoria:Brito-Semedo,23 mai 2025 11:04

Editado porAndre Amaral  em  24 mai 2025 23:30

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