Tempestade Erin e a exposição das vulnerabilidades do arquipélago de Cabo Verde

PorJosé Fortes Lopes,8 set 2025 8:28

​No dia 11 de agosto, a ilha de São Vicente — tal como outras ilhas do arquipélago de Cabo Verde — foi assolada por um violento temporal provocado pela tempestade Erin, cujos efeitos ainda se fazem sentir em várias zonas costeiras da Europa Ocidental. O balanço é dramático: mortos, feridos e desalojados, além de estragos materiais vultuosos que incluem infraestruturas destruídas, insegurança alimentar, escassez de água e energia, e riscos acrescidos para a saúde pública, com aumento de doenças respiratórias e infeciosas.

A economia de São Vicente encontra-se praticamente paralisada, enquanto se aguardam apoios do governo, que dificilmente conseguirão aliviar de forma significativa o sofrimento das vítimas ou restabelecer a normalidade económica e social.

1-Cabo Verde no corredor dos ciclones

A localização de Cabo Verde coloca o arquipélago numa zona bastante ativa do mundo do ponto de vista climático. É precisamente nesta região do Atlântico que se formam os ciclones tropicais e furacões que, mais tarde, atingem as Caraíbas e a costa leste da América do Norte.

Embora tais fenómenos sejam naturais, o caso da tempestade Erin revelou-se preocupante pela sua ocorrência precoce, já em agosto. Não é a primeira vez que as caudas de ciclones se aproximam perigosamente das ilhas cabo-verdianas — este século já registou vários episódios semelhantes.

O que inquieta os climatologistas é o facto de, devido ao aquecimento extraordinário dos oceanos tropicais, estes eventos tenderem a ocorrer mais cedo, mais intensos e mais frequentes. É uma clara assinatura de que o planeta já entrou no regime dos impactos das Mudanças Climáticas, sinal inequívoco de que a natureza começa a cobrar o preço das alterações provocadas pela ação humana.

2-Urbanização descontrolada e riscos acrescidos

O que aconteceu em São Vicente não é caso isolado: basta recordar os temporais que assolaram a Madeira em dezembro de 2013, igualmente devastadores. Em ambos os contextos, as consequências foram agravadas por fatores humanos:

  • Urbanização descontrolada;
  • Ocupação de espaços naturais vulneráveis;
  • Impermeabilização excessiva do solo com betão e alcatrão, reduzindo a infiltração da água e multiplicando o poder destrutivo das enxurradas.

Em Cabo Verde, o problema ganha contornos ainda mais graves: a urbanização não é apenas descontrolada, é caótica e descaracterizadora. Cidades como Mindelo e Praia, outrora pequenos burgos coloniais, cresceram de forma desordenada e foram rodeadas por autênticas favelas. Este processo resultou de políticas urbanísticas laxistas e irresponsáveis, que deixaram as populações expostas a riscos extremos.

Para agravar, o centralismo político e económico da Praia, capital do país, tornou-se um fator de vulnerabilidade estrutural: a excessiva concentração de recursos e população numa só cidade fragiliza todo o arquipélago. Se, em vez de São Vicente, tivesse sido a Praia a sofrer os efeitos da tempestade Erin, a destruição e a desolação seriam incomensuravelmente maiores.

Face à situação atual e à pertinência do tema, importa revisitar os artigos publicados em 2013, no Expresso das Ilhas e nos blogues Arrozcatum e Praia de Bote, sobre o Clima e as Mudanças Climáticas a longo prazo para um país insular como Cabo Verde.

Hoje, mais do que nunca, essas reflexões tornam-se relevantes para repensar o arquipélago não apenas do ponto de vista político e socioeconómico, mas também em termos de estratégias de aproximação e integração regional e internacional — em vez de alimentar pseudo-utopias e orgulhos vazios.

Sozinho, Cabo Verde terá poucas hipóteses de enfrentar o mundo complexo que se desenha. O país deve, em simultâneo, prever medidas de adaptação e garantir a sustentabilidade de um território frágil, desproporcionalmente exposto aos impactos globais das mudanças climáticas.

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Anexo

Revisitando artigos publicados em 2013 sobre a problemática do Clima e Mudanças Climáticas a longo prazo para um país insular como Cabo Verde:

1-Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas (I)

https://expressodasilhas.cv/opiniao/2013/09/21/causas-e-efeitos-das-mudancas-climaticas-i/39862

2-Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas (II) Mudanças Climáticas: Mudanças no Ecossistemas Terrestres e Aquáticos, Eventos Extremos e a Problemática Ambiental em Cabo Verde

https://expressodasilhas.cv/opiniao/2013/09/28/cau...

3-Por um Cabo Verde ‘Verde’ num Mundo em Transformação: uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável

https://mindelosempre.blogspot.com/2013/10/0576-pu...

4-Por um Cabo Verde ‘Verde’ num Mundo em Transformação: uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável (conclusão)

https://expressodasilhas.cv/opiniao/2013/10/12/por...

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1240 de 3 de Setembro de 2025.

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Autoria:José Fortes Lopes,8 set 2025 8:28

Editado porAndre Amaral  em  9 set 2025 23:22

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